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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

PAIM, A CRÍTICA À SEMANA DE 22


Antônio Paim Vieira (SP, 1895), enxuto em seus 84 anos, a tez morena, emoldurara pelos brancos cabelos, alegre, disposto e falante, nos recebe em sua residência ateliê na Avenida Cidade Jardim, onde mora a uns 20 anos, desde que se mudou da Chácara do Capão na Rua Paim (assim chamada em homenagem à sua família). Ali vive o velho professor – da Faculdade de Bragança e da UNICAMP – a sua profissão de ceramista, gravador, paisagista, decorador, folclorista e intelectual. Descendente de ingleses (Paim) e portugueses (Vieira – da família do Padre, talvez), ai vivendo uma vida ativa e atuante, ainda gravando, ensinando, fazendo azulejos, queimando cerâmicas, escrevendo artigos, compondo os óleos populares e telúricos que Renot está interessado em expor, em breve. E, sobretudo, o “velho” Paim, gosta de reviver as memórias, desde a Semana de 22, de filosofar e de estrilar, com franqueza e rudeza. 

– Vivemos, hoje, sob o signo do ódio... Por isto, tudo vai mal. Não há clima para as artes superiores... A vida é composta dos filhos de Caim, e, dos filhos de Abel... O remédio, acho, é enchermos o coração de tanta bondade, que transborde para as nos nossas obras, tornando-as apenas mensagens de poesia. 

– Qual sua participação na Semana de 22? 

– A bem da verdade, nunca, em minha vida artística, fiz parte de grupo algum. Em 22, já era professor de desenho, retratista, ilustrador e gravador. Ilustrei nessa época o “Fon Fon”, o “Paratodos” e “As Máscaras”, de Menotti e logo a seguir a revista “Ariel”. Na Semana, cooperei como co-autor dos trabalhos do Yan de Almeida Prado, alguns desenhos. Mas nunca fiz parte oficial daquela patota alegre, que fez a Semana com tanto ruído, esnobação e política. 

– Continua, pois, fiel à sua arte “inovadora” para aquela época e “independente”, como diz o prof. Bardi?

– Sim, hoje, ontem, sempre, mais do que nunca. Os modernistas, por pura pose, aceitavam tudo, tinham a volúpia do moderno, nem que não fosse coisa boa... Zombavam dos humildes, não tinham um gesto de piedade... Eram grã-finos, ligados às doutrinas estrangeiras, defensores de uma arte importada, com exceções, e às vezes, cultores de um realismo triste e torpe... Eu, pelo menos, na época, como em toda minha vida e até hoje, continuo fiel à cultura espontânea do povo, à inspiração das manifestações populares, à fé e à tradição da gente sofrida e humilde que compõe a nossa população... Sempre representei o sentimento nativo, puro e folclórico do povo brasileiro, e nunca tive, nem tenho, razões para mudar ou para me arrepender disto. 

Paim vive com a mulher, Rita, e, nos fins de semana, recebe em casa a filha única Maria Merita e as netas. Sua atividade principal é a didática – o ensino, nas faculdades e na imprensa, e, como artista, a cerâmica sempre inspirada em motivos indígenas, a cerâmica e a pintura. A Secretaria Estadual de Cultura planeja, por indicação de Miroel Silveira, uma grande homenagem a paim, por seus quase 70 anos de arte. Decora ainda igrejas na capital e interior, sendo a mais conhecida obra sua realizada para a Igreja N. S. do Brasil – pinturas murais, cerâmicas, incluindo 6 altares com 8 metros de altura cada. 

Ele volta a 22: 

– Minha participação entre os participantes da renovação artística do Brasil pode explicar-se assim: nesse tempo, 1916, nós estávamos fortemente comprometidos com o academismo e o classicismo mitológico de importação. Bastava não aceitar esses moldes para definir uma posição apartada dessa escola, e, até, de certo modo adversa a ela. Os trabalhos apresentados, dessa época, dão testemunho disso. Já se manifestava, entre os novos valores das artes, uma insatisfação com o que existia e uma nítida tendência para a afirmação da brasilidade, apresentando temas nacionais no campo das artes plásticas, como já havia exemplos nas atividades literárias. A crítica que faço hoje à Semana de 22 é a mesma de sempre. 

– Qual é? –... A Semana causou-se certa frustração no que toca aos seus objetivos de afirmação de brasilidade que ela não satisfez. E em certos casos desserviu, metendo riso à estranheza do povo pelo que lhe apresentava com indisfarçável intenção de escândalo. Como que passando diploma de ignorantes a quem fora ali receber esclarecimento de promotores que, do assunto, estivessem talvez na mesma situação. O “snobismo” triunfava! Imaginem um médico que cai numa gargalhada, ao receber um coxo, que o procura para que o cure... O máximo que podemos creditar à Semana foi o de combater a rotina a que as artes se estavam submetendo, empobrecida de valores espirituais. Foi só. As artes passaram, então, a ser puras habilidades, sem nenhuma mensagem. 

– E atualmente, como vê a arte brasileira? 

Paim diz que atualmente a arte tupiniquim está em compasso de espera, pois a “Semana de 22 desacreditou o que havia, mesmo o que era bom, e não trouxe nada de valor, para colocar no lugar do que ficou vazio”... – “Já se passaram 50 anos. Se considerarmos os 50 anteriores a 22 poderemos neles incluir tudo o que de grande produzimos, nas várias manifestações das artes... Estamos tentando aclimatar ao nosso meio o modernismo de fora... em vez de pesquisa, predomina ainda a importação. É que pesquisa é trabalho duro. Desde 22 os modernistas gostam de passar por pessoas muito lidas nas publicações dos países estranhos.” 

Folha de São Paulo, 02 de setembro de 1979.


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