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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

SCHAEFFER: A DESCONHECIDA ARTE RUPESTRE BRASILEIRA

Claudionor Chaves Itacaramby, prof Enrico Shaeffer e José Carlos Queiroz

Rupestre, adj. (Rupestre) - Arte rupestre significa, literalmente, arte realizada sobre penhascos ou rochedos. Em Arqueologia a arte rupestre compreende os baixos relevos, desenhos, pinturas nas cavernas. Corresponde ao paleolítico superior ou “idade da rena”. Posteriormente, estendem-se aos outros períodos da história da arte primitiva e foram executados belos exemplares em osso, marfim, bronze, etc. Regina M. Real, “Dicionário de Belas Artes”, Fundo de Cultura, Rio de Janeiro. 1962.

A pintura rupestre brasileira, que tem interessado pesquisadores esporádicos, e não, que seria de se desejar com poucas exceções, universidades e institutos oficiais, é de grande importância do ponto de vista artístico e antropológico, segundo os entendidos. É encontrada em quase todos os Estados do Brasil, em estado de semiabandono, e seu estudo em profundidade, em nível científico, urge de dia para dia. Outros movimentos e expressão maiores de nossa arte - como, por exemplo, a Missão Nassau e sua influência artística, o barroco, o Aleijadinho, a Missão Francesa e suas consequências, a Semana de 22 e os precursores do modernismo, o Grupo Santa Helena, as Bienais, etc. - tem sido exaustivamente analisados, gastando-se por anos e anos verbas e o talento de pesquisadores e críticos para enquadrar a importância de tal e qual dentro do quadro geral da arte brasileira. Mas, a respeito da nossa pintura rupestre, não fora o trabalho decidido e abnegado de alguns pioneiros, pouco se tem feito em nosso país. 

O Prof. Enrico Schaeffer, da Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado e da Faculdade de Arquitetura Brás Cubas, de Mogi das Cruzes, berlinense naturalizado brasileiro, 69 anos, crítico de artes plásticas com livros publicados - aqui e no exterior - sobre História da Arte, é um desses abnegados pesquisadores da arte rupestre brasileira. Para tanto, com recursos próprios, viajando até rincões inóspitos, muitas vezes em precários meios de transporte, tem realizado numerosas investigações de campo, já documentadas, e que se constituem num razoável levantamento do assunto, embora em termos, ainda, de pesquisa particular. 

Esse material do prof. Schaeffer está acrescido de indicações eruditas do mestre - que se formou, aliás, nos idos de 1940: em História da Arte e Ciências Sociais em Berlin e Roma - pela correspondência e troca de informações que vem mantendo, ao longo de muitos anos, com outros pesquisadores, em outros pontos do país, também defensores do estudo e da preservação da pintura rupestre brasileira. O Prof. Enrico Schaeffer é de opinião que o estudo dessa pintura oferece um vasto campo a críticos de arte, sociólogos e antropólogos, embora não concorde em pleno com os dizeres do antropólogo francês Paul Rivet (revista “Manchete”, em 29.8.1970), fundador o Musée de l’Homme, em Paris, que afirmou valer mais “a pintura rupestre brasileira do que todas as obras de Aleijadinho”. Schaeffer acredita que nossa arte rupestre - ao nível e no estado em que foi encontrada até agora - é um dos capítulos importantíssimos da História da Arte Brasileira. 

SEMELHANÇA INEGÁVEL COM A PINTURA PRÉ-HISTÓRICA 


O professor Enrico Schaeffer é um estudioso da arte brasileira. Entre nós vem realizando pesquisas sobre a Missão Nassau (1637/1644), tema sobre o qual, a convite da Academia e Ciências e Letras de Maianza Na Alemanha fez conferencia perante 35 professores e cientistas estrangeiros e alemães. Suas pesquisas sobre a arte rupestre brasileira já vem de longos anos e exaustivas pesquisas. Por volta de 1962 esteve em Lagoa Santa, Minas Gerais e em Milagres, na Bahia. Em 1974 este vem Montalvania, também em Minas Gerais. Também realizou pesquisas na França, na região de Dordogne. 

Segundo o professor Schaeffer entre os mais ativos pesquisadores da nossa pintura rupestre no Brasil figuram o Pe. Alfredo Rohr, s.j., de Florianópolis, Oldemar Blasi, de Curitiba; Josaphat Pena, de Belo Horizonte; Cic Albernaz de Oliveira, de Goiás; Paulo Duarte, Luciana Palestrini e suas colaboradoras, de São Paulo; o prof. Claderon, da Bahia, entre outros. 

Para Schaeffer seria interessante que o governo federal através do MEC criasse um órgão para coordenar todos os estudos e proteger esse material precioso que, muitas vezes, se perde ou é destruído pela incompreensão de visitantes e pessoas desavisadas. 

Enrico Schaeffer agora cogita em publicar um livro sobre a pintura rupestre brasileira. Segundo consta o livro já estaria praticamente pronto. Para ele o topônimo rupestre é o mais indicado quando se trata de temas como os que são a matéria de sua principal pesquisa uma vez que a palavra deriva do latim “rupes - rochedo”. Grande parte desta arte se encontra em rochedos, especialmente nas cavernas, em vários pontos do Brasil. 

As descobertas das pinturas no Piauí estimularam sensivelmente as pesquisas. Entre nós as primeiras referências da pintura rupestre constam desde os século XVII nos “Diálogos da Grandeza do Brasil”, de Antonio Fernandes Brandão (Brandônio); nas crônicas do jesuíta Pe. Simão de Vasconcellos e na obra monumental de Gaspar Barleu (1647). Isso sem falar de viajantes e cientistas dos séculos posteriores, como Martius e Spix, Van den Steinen, etc. 

Para Schaeffer as pinturas rupestres brasileiras encontram inegável semelhança com as encontradas na Espanha (Altamira) e na França (Departamento de Dardogne) apesar de que aquelas pinturas européias terem idade superior a 20 mil anos e as “nossas”, conforme os poucos testes de carbono 14 alcançam 2 mil anos, no máximo. Seriam necessários ainda inúmeros testes para investigar a idade, pois nem todas as pinturas foram feitas na mesma época, o que já mostra a primeira vista o fato, que às vezes no mesmo rochedo ou na mesma caverna uma pintura foi “pintada’ sobre uma anterior. 

O número destas pinturas na Bahia, segundo o prof. Calderon (Universidade da Bahia) somam mais de dez mil. No estado de Minas o número não deve ser diferente e, em alguns outros estados do Brasil existem muitas dessas pinturas o que exige muito trabalho e despesas para m trabalho de pesquisa verdadeiramente sério. 

“A respeito da já mencionada semelhança entre as pinturas pré-históricas na Europa, tivemos a oportunidade de discutir com o diretor do Museu do Vaticano, Prof. Deoclécio Redig de Campos, que nos disse que mostram uma grande unidade na linguagem formal de todos os homens no princípio de sua atividade artística. “Na pintura rupestre podemos encontrar diversos níveis de estilo, com a seguinte classificação: a) pinturas muito naturais; b) pinturas muito primitivas e, pinturas intermediárias. 

“A explicação consta provavelmente no ato de que todas as tribos brasileiras - e estes eram indiscutivelmente os artistas - possuíam as mesmas qualidades artísticas. Além disso, as pinturas se distinguem em “figurativas” e “simbólicas” e justamente nos “símbolos” encontramos outra grande semelhança com as pinturas da Europa. 

“Além de pinturas encontram-se embora um pouco mais raramente - gravações tanto de figuras de animais ou homens como de símbolos. 

“O material usado em geral era “ocre” para o amarelo, o “óxido de ferro” (Braum Eisenstein) para o vermelho, o carvão para o preto e certas areias para o branco, misturado com óleos animais ou vegetais e às vezes com água, urina, etc., servindo do dedo, de uma pena de ave ou de um galho para pintar. 

“Um dos capítulos mais discutidos sobre por que estas pinturas eram criadas ainda encontra muitas “opiniões” diferentes. Lund (1835), Kock-Grueneberg ou Ehrenreich acreditavam que o desejo de enfeitar dava origem a tais pinturas. Essa explicação hoje em dia não é mais sustentada, já pelo simples fato que em muitos casos essas pinturas se encontram em lugares de bem difícil alcance. 

“Leo Frobenius, que não estudou pintura rupestre brasileira, mas em outros países defende, como uma grande parte de importantes cientistas, a opinião, de que a “magia” causou essas pinturas. A esta escola pertence nomes como Obermaier, Lommel-Minic, Woelfel, Herbert Kuehn, Graciosi e outros. Enquanto isso, uma parte dos adeptos da “moderna escola francesa”, tais como Leroi-Gourhan e G. Charriere, autor do interessante livro “La signification dês representations erotiques das lês arts sauvage et pré-historiques” (1970)inclinam-se para uma interpretação freudiana. 

“E, finalmente o norte-americano Alexander Marshak, que estudou durante muito tempo os símbolos nas cavernas européias, chegou no seu livro “Roots of Civilization (1972) à conclusão de que tais símbolos em muitos casos encontram sua explicação num certo calendário pré-histórico. E nós podemos encontrar uma certa ponte pára esta tese lendo o respectivo capítulo do livro “Histoire de La Mission dês Capucins do Padre Claude D’Abbeville, publicado também no início do século XVII em Paris, no qual ele descreve o conhecimento, a influencia das estrelas obre o mar, etc., e os seus nomes, dados pelos índios. 

FOLHA DE SÃO PAULO ARTES VISUAIS 1º de fevereiro de 1976.

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