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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

ANTONIO HENRIQUE


Todo gesto criador é resultante de uma realidade subjetiva do artista e da realidade que o cerca... Há quatro anos achei que o que tinha dentro de mim, a minha visão sarcástica do mundo, e o que acontecia culturalmente ao meu redor, encontravam no símbolo banana sua mais objetiva expressão... 

Por isso pinto bananas, uma espécie do registro cultural de nosso tempo, aqui, agora... E, ainda, antes de tudo, é pintura, ou melhor, tem merecido de minha parte, um tratamento consciencioso, visando a uma boa pintura. 

Antônio Henrique do Amaral é arguto, objetivo, informal, hábil e inteligente. Está em seu apartamento no bairro das Perdizes. A mulher, Lígia, prepara um nhoque apetitoso e Carla, de 9 anos, filha de seu primeiro casamento (com a artista boliviana Nora Beltran), brinca despreocupadamente na sala grande. Óculos de aros finos, a barba espessa, cabelos bastos, Antônio Henrique vai dizendo que a mordacidade sempre caracterizou os seus trabalhos. Alguns críticos afirmam que suas bananas – podres, vorazes, refinadas, prosaicas, compromissadas, monumentalizadas, agigantadas, tropicalizadas – muitas das quais estão ali no apartamento, em grandes, médias e pequenas telas – lembrariam as figuras antropofágicas de Tarsila do Amaral. Ele responde rápido e incisivo: 

As minhas bananas são meus personagens. Trato-as com dignidade temática e pictórica... Nunca me preocupei se elas têm uma ligação, próxima ou remota, com o antropofagismo de Tarsila, ou com a “Tropicália” de Gil e Veloso, como também afirmam... Cheguei a ela por via racional, por uma necessidade de refutar os movimentos de vanguarda europeu e norte-americano, importados e copiados aqui... Essa arte cinética, por exemplo, essa arte de computadores, que nada tem a ver com a nossa realidade cultural... As bananas são, pois, uma saída brasileira para a nossa arte melhor, e não aquela arte elitista, “uma linguagem cifrada para um grupo muito secreto de pessoas”, como já denunciou com propriedade o escritor americano Henry Miller. 
 – E elas não teriam ainda assim uma influência da arte “pop”? 

Também não. De “pop” as minhas bananas só têm mesmo o monumental. De fato, minhas musáceas são sempre gigantes, como é no Brasil a própria natureza... Cheguei a projetar e a executar um mural de 2 e meio por 9 metros para a nova sede da Sociedade Harmonia de Tênis, no passado, a convite dos arquitetos Fábio Penteado e César Luís Pires de Mello... Agora, pinto bananas de todo o jeito, em cachos, pencas, sobre bandejas, solitárias no talo, simpáticas, agressivas, vistas de frente, de lado, do alto, podres ou taludas, prontas para comer... Nesse ponto, confesso que gosto de bananas, compradas no quitandeiro ou do meu sítio de Atibaia, fritas e com açúcar e canela. 

Antônio Henrique espia de longe o prato de nhoque, que já fumega. Sua família descende da aristocracia do café. Tem três irmãs. Todas dedicadas às artes, Suzana, que dirige e produz cinema, Ana Maria, poetisa e dedicada ao teatro de marionetes e Aracy, jornalista, crítica de arte. Quando morava em Santos, Antônio Henrique se dedicava ao hipismo e à natação, têm mais de 50 troféus dessa época, muitas recordações dos torneios atléticos e centenas de recortes, principalmente de “A Tribuna”. Em 1971, ganhou o 1º Prêmio de Pintura do XX Salão Nacional de Arte Moderna do Rio, o mais importante prêmio de arte plásticas do Brasil -12 mil dólares. Tudo está anotado e selecionado em álbuns, coleções e fichários, cuidadosamente guardados. É vasta sua correspondência com o Exterior, artistas estrangeiros que vai conhecendo, fazendo amizade. 

Guardo boas lembranças de minha infância em Santos, e muitas marcas dos anos de trabalho alienado em S. Paulo, quando vendia mentiras como redator e gerente de publicidade... Fui também, além de redator e contato publicitário, homem de “marketing”, chefe de relações públicas, sei lá... Na arte, comecei no desenho e na gravura, bastante incentivado por Grassmann e Aldemir Martins... Estudei desenho com Sambonet, no Museu de Arte, quando este ainda funcionava na Rua Sete de Abril, fiz o aprendizado de gravura com o Lívio Abramo, na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna, em 1957; e, com Shiko Munakata, um dos mais famosos gravadores do Japão, em 1959. Fiz um breve curso de verão no Pratt Graphic Art Center de Nova Iorque... Exponho meus trabalhos – que primeiramente eram mais gravuras, figuras e visões satíricas – desde 1957, e já fiz centenas de exposições, aqui e fora, até hoje... Mas, definitivamente larguei todas as atividades não artísticas em 1967, para dedicar-me unicamente à pintura... Trabalho sem parar e o que vendo dá pra viver, viajar e tomar meus uísques... E, é claro, vou à Europa, gozar o Prêmio de Viagem ao Exterior, do XX Salão Nacional de Arte Moderna do Rio, que ganhei em 1971... Estou, como se vê, francamente envolvido pela pintura, que, hoje, é meu exclusivo ganha-pão, e pretendo, é claro, evoluir muito e sempre. 

Além das pencas de bananas, o apartamento tem muitos livros, livros de arte, jornais e revistas. Inquieto e com sede de saber, Antônio Henrique lê tudo. Pinta durante o dia e, à noite, sai; gosta de conversas, inteirar-se das coisas, bate-papo com toda espécie de gente... “Tomar uns uisquinhos inocentes”, diz, bem humorado, é uma de suas características. Este ano, foi um ano cheio, andou pela Colômbia, na Bienal de Medelín, esteve em Nova Iorque, foi â Genebra, onde expôs na Galeria du Théatre. De todas as viagens traz recordações, pequenas peças artesanais e do folclore década país, que ajudam a atulhar as estantes e os móveis claros. Em seus álbuns de recortes, comentários sobre sua obra, dos mais conhecidos críticos do Brasil: Mário Pedrosa, Aracy Amaral, Antônio Bento, Jayme Maurício, Walmir Ayala, Quirino Campofiorito, Geraldo Ferraz, José Geraldo Vieira, Luís Horta, Vera Pedrosa, Arnaldo Pedroso d’Horta, Sérgio Milliet, Walter Zanini, Harry Laus, Ferreira Gullar, Mário Schemberg, José Roberto Teixeira Leite, Paulo Mendes de Almeida e Flávio Motta... Antonio Henrique volta às suas bananas e à crítica. 

Quando apresentei minhas bananas pela primeira vez, elas causaram um certo espanto na crítica, mas foram bem aceitas e premiadas várias vezes... Acho que o papel do crítico é o do diluidor de informação para o público, além disso, um crítico lúcido pode fazer o artista encontrar-se mais rapidamente... Muitos deles acham que eu faço uma pintura baseada na Nova Figuração... Eu, realmente, sempre fiz Nova Figuração... Pinto minhas bananas com sátira e humor, com muita cor, utilizando como modelo as bananas do quintal ou do empório da esquina... Repito que entre as minhas bananas e o tropicalismo, ou o antropofagismo, existe uma relação apenas temporal, os objetivos não são os mesmos. 

 Nas horas de folga, poucas, Antônio Henrique não para, escreve. Gosta de redigir textos sobre arte brasileira. Acha a vida cultura do país meio parada. O desenvolvimento artístico, atualmente, mais comercial – com seus leilões e marchands – que qualitativo. A Bienal está com problemas praticamente insolúveis. Os jovens aparecendo pouco, com chances menores. Criação, pouca. Na Europa, conta, viu muitos problemas do cotidiano social serem resolvidos. Aqui, acha, os problemas a enfrentar ainda são os de miséria, analfabetismo, fome, etc. “Vivemos aqui uma realidade que nada tem a ver, por exemplo, com a que se passa na Europa e nos Estados Unidos”. Antônio Henrique se entusiasma pelo assunto, cita exemplos, expõe, debate e argumenta. O nhoque está sendo servido agora, a conversa, naquele Alto de Perdizes, continua agora num outro tom.

Reportagem publicada originalmente no jornal "A Tribuna", de Santos, SP, em 02/7/1972. 

 Uma brasilidade sem censura ...

”Yes, nos temos bananas”: impossível não se pensar neste primeiro aspecto no contato inicial com as telas de Antônio Henrique Amaral. Entretanto, bem, pronto começa a ascender a outra impressão; bem pronto ela atinge a predominância e prova a sua verdade maior. Trata-se da impressão da monumentalidade, de vigor estrutural e de exuberância. Há sem dúvida uma conotação de humor e de irreverência no fato de a banana ter sido escolhida como o tema único de uma mostra que pretende e alcança a monumentalidade. O artista confessa que desejou voltar-se para a realidade rural brasileira, ignorando o meio urbano (por isso, não poderia ser classificado como pop...). Seja como for, Antônio Henrique Amaral opera seu tema para expressar completa desenvoltura, audácia mesmo e vigor – e o faz muito bem. Suas telas refletem a força do reino vegetal ou do próprio reino biológico em sua generosidade, já que, nelas, o tema vegetal adquire muitas vezes óbvias conotações da vida animal. 

O brasilianismo do artista está longe de ser um brasilianismo de sombra e água fresca, ou de perfumes tropicais. Não há tampouco sinal de degenerescência ou decomposição nesse mundo brasiliano. Nele reflete-se apenas a fase expansiva e pujante do processo natural. Deste modo, as próprias conotações sexuais da temática – tão surpreendentemente apontadas por muitos – surgem com maior espontaneidade, em virtude d de uma irresistível força interior; não são postiças, não são intencionais, não são absolutamente sensacionalistas, a despeito do modo cru, direto e até indisfarçado com que são frequentemente vistas. Jayme Maurício – Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 1969. 

ANTONIO HENRIQUE ABREU AMARAL nasceu em São Paulo em 1935. Gravador, desenhista e pintor. Estudou pintura com Sambonet e gravura com Lívio Abramo e Shiko Manukata, realizando sua primeira exposição individual em 1958. Um dos precursores da Nova Figuração no Brasil.

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