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sábado, 13 de dezembro de 2014

ARTES, MESTRES, AIATOLÁS.

Férias são férias, mas nada melhor a um jornalista em férias que anotar impressões/informações ao sabor do momento, em rabiscunhos espontâneos e veros, com os “olhos dever” como queria Camões. São desta viagem de janeiro, ao Norte/Nordeste ensolarado que revisito após dois anos, estas legendas e resumos do que vi, ouvi e colhi num roteiro que abrangeu capitais e cidades do Interior. De Recife a Manaus, a tarde brasileira é epicamente regional, figurativa, artesanal, folclórica, e até, às vezes, telúrica e armorial. Incorpora o drama sócio-econômico do norte/nordeste, acompanha a catarse da impressionante região – mais de 2/3 do Brasil – que deseja aparecer, viver e subsistir, e, ligar-se à arte o Sul de maneira fragmentada e pálida. Quando um artista de alto nível aparece, dotado de rara sensibilidade e criatividade, como Sérvulo Esmeraldo, por exemplo, no Ceará, repete o rumo de um Antônio Bandeira, vai viver em... Paris. Vão, pois, aqui, estes relatos de novas andanças por Manaus e Belém, São Luiz e Teresina, Juazeiro e Fortaleza, Caruaru e Recife, cidades onde há arte, uma boa arte, sem as aparências, como notava Pirandello, não se confundem às vezes com a realidade. 

Moacir Andrade, ecologista
 Escritor, professor, poeta, antropólogo – autor do monumental “Alguns aspectos da antropologia cultural da Amazônia” – jornalista e principalmente artista, Moacir Andrade vai andando pelas ruas movimentadas de Manaus, recém chegado da Europa, carreando seus cartazes contra a destruição da natureza: “Faça da água e da árvore, uma amiga e uma irmã”, trombeteia o pintor telúrico, consciente agora de seu papel de líder e defensor impetérrito da ecologia da Amazônia. “Defender a natureza é o principal dever, nesse momento, do artista brasileiro, e aqui estou eu, pois, lutando pela preservação de nossas palmeiras, de nossas matas, de nossas florestas, de nossos peixes, de nossos rios e de nosso rio-mar Amazonas”, diz Moacir Andrade. Moacir recebeu no ano passado, em sua casa, a visita do presidente Giscard d’Estaing da França, a quem ofereceu um quadro representando a mitologia e o santuário amazônico. Depois, embrenhou-se um batelão por rios, lagos, paranás, igarapés, furos e igapós, bradava aos céus e mares, a todos que quisessem ouvi-lo “Defender a natureza é dever de cada um de nós. Não faça de nossos rios e de nossas matas um futuro deserto. Penso no futuro da Amazônia, do Brasil, da humanidade. Dixit. 

Mestre Dezinho reparado
“Sem lenço nem documento, sem escola ou pistolão, mas com enxó, serrote e criação”, Mestre Dezinho esculpe silenciosamente em sua casa/ateliê da Rua Firmino Fires, 1610, bairro da Vermelha, Teresina, Piauí, obras em cedro amarelo e vermelho, artesão sem igual, a lembrar os mestres do Baixo Renascimento, segundo Fábio Magalhães. Toda a sua obra é vendida e disputada no sul do país, e seu marchand Ranulfo (do Recife) prepara individual de Dezinho, este ano em S. Paulo. Ex-santeiro de ex-votos em sua terra natal (Valença), ainda artesão popular mudou-se para a capital, para ser vigia noturno municipal na pracinha do Bairro da Vermelha. Nas horas de folga, era carpinteiro na igreja, para a qual fez um Cristo, e, a seguir, todas as obras da Igreja, que, assim, fica majestática e bela, maior atração turística de Teresina. Dezinho aborreceu-se, contudo, com o Padre Carvalho e o decorador Afrânio Castelo Branco, que deturparam obras suas, colocando argolões de ferros em seus anjos,cortando asas de santos, enfim descaracterizando sua criação original. Passando na cidade, Rebolo Gonsales visita a Igreja da Vermelha e a seguir, a casa de Dezinho, dá entrevistas e sua solidariedade a este, denunciando publicamente a mutilação dos trabalhos do mestre. Resultado: o Secretário da Cultura, Joaquim Alencar Bezerra, toma providências, arranja verbas, O Pe.Carvalho volta atrás, e as obras de Mestre Dezinho vão ser reformadas conforme orientação do Mestre, e a própria Igreja terá ajardinamento, obras, telhado novo, a arte esculpida e vivida de Mestre Dezinho restaurada e consagrada. Dezinho, artesão e escultor do Piauí e artista nacional, volta a seu mestrado sem igual. Dezinho procura Rebolo no Hotel, agradece a sua interferência e a deste jornalista, agora é outro. Dezinho. 

Eles são 300, 350...
Somadas as idades, os três somam quase 200 anos. Ariano Suassuna, em Água Forte, Gilberto Freire, no Recife, e Câmara Cascudo, em Natal, fazem de cada dia uma visão de futuro, na criação constante, múltipla, territorial, memorialista, heterogênea, antropológica, universal. Dos três mestres do estudo, da escrita, da análise, da etnografia e historiografia do nordeste, se pode dizer, como Mário de Andrade, que eles são 300, não, são trezentos e cinqüenta. Múltiplos, facetados, admiráveis em seu universo e sua humanidade, Acolhem com a simplicidade e a afetividade dos grandes. Ariano é um fino esteta, mais D. Quixote, fácil na prosa e divertido. “A arte armorial brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos “folhetos” do romanceiro popular do nordeste (literatura de cordel), com a música de viola, rebeca e pífano que acompanha seus cantares, e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo romance relacionados”.
Gilberto Freyre
Ele e seu grupo, no qual se destaca o jovem Antonio Carlos Nóbrega, do Quinteto Armorial, vêem, pesquisam e interpretam o armorial que existe no cinema, no teatro, na arquitetura, acreditam que a criação é mais importante que a teoria, e que se deve criar sempre, antes de definir. Curtem Gilvan Samico e gravadores e entalhadores populares. Gilberto Freyre não para , em Apipucos, vendo e recebendo, falando e conferenciando, ficando e viajando, sempre com os olhos sociológicos de “Casa Grande e Senzala”. Derrama seu arquipélago de assuntos sociais, políticos, culturais, em artigos cá para as Folhas e pinta suas manchas e aquarelas, para as quase tem público comprador certo. Vaso da comunicação e da interação da inteligência nacional,
Câmara Cascudo
Como Câmara Cascudo. Cascudo, na Junqueira Alves, é moto contínuo, historiador, folclorista, antropologista, sociólogo, ensaísta, jornalista, tradutor, comentador, cronista, romancista de costumes, epistológrafo. “Nenhum progresso extingue cultura nativa, tradicional, local. Alguma novidade prosodial, novos modelos, alterações morfológicas, mas a “inspiração” modeladora exprime características reconhecíveis. Exceto, naturalmente, nas mãos “geniais” dos que não possuem característica alguma, repetindo instintivamente o que vêem, na técnica irresponsável e fácil dos espelhos”. Essa conversa mole, diz, da técnica moderna acabar com o folclore é imagem infeliz e melancólica de André Malraux, aquém o belga Albert Marinus deu fulminante resposta, negando a balela de “la machine a tué le folklore”... Como em todas as criações do Espírito Humano, a Tradição de sua literatura oral e lúdica, conterá devotos e aproveitadores do esforço alheio, gente que investiga, analisa, conclui, e os “sabidinhos” que ensinam a ciência da natação sem tomar banho. Às vezes nem chegam a molhar-se. Ariano Suassuna, Gilberto Freyre e Câmara Cascudo. O guru armorial, o mestre da sociologia cultural, o papa do folclore e da etnografia nacional. Três aiatolás geniais e seus fanáticos adeptos. 

Belém, Éden tropical
Antonio Lemos

Esteta, fino intelectual, poderoso político, o maranhense Antonio Lemos governou Belém do Pará de 1897 a 1911, deixando o corpo da capital replasmado por uma obra admirável de urbanista, com traçado moderno, largas avenidas arborizadas, plantio de mangueiras e seringueiras, num panorama de urbe majestosa que a bela Capital conserva até hoje. Santa Maria de Belém do Grão-Pará com suas praças cuidadosamente tratadas – as mais belas praças do País, como a Batista Campos, por exemplo, cheias de chafarizes, pontes e coretos – é ainda hoje um Éden tropical, as construções setecentistas, as igrejas barrocas, as residências solarengas, o Teatro da Paz, o Museu Goeldi, o Palácio do Governo, uma cidade ainda bem “fin de siècle”, quase art-nouveau, adorável e enfeitiçada. Impossível não encontrar-se em Belém sem sentir a cidade como um painel surrealista, desde o Ver-o-Peso até a praia do Mosquiteiro, da Basílica de Nazaré ao Cemitério da Soledade, os minaretes do mercado de Ferro, gente andando e cantando as músicas de Fafá de Belém, as mulheres dengosas e cheirosas com os afamados aromas de Belém,... Terra de artistas do primeiro time, nomes nacionais, como o do lendário Goeldi, Perci Deane, Quirino Campiofiorito, Waldemar da Costa, Waldir Sarubi e outros, muitos jovens pintores e hoje, cidade amazônica que devia ser tombada, conservada, colocada na redoma da História da epopéia da borracha e de um povo livre. 

Artistas e artesãos 
Antonio Bandeira
Os grandes artista do Ceará, que deixam/deixaram gravados seus nomes na arte brasileira contemporânea são, sem dúvida, Raimundo Cela – de que vimos notável exposição no Banco do Estado do Ceará – Antônio Bandeira, atualmente com obras de seu acervo exposta na Universidade Federal, Aldemir Martins, Chico da Silva, Mestre Noza, Andersom Medeiros, José Pinto – com suas esculturas de sucata na praça pública, José Tarcísio, Zenon e Sérvulo Esmeraldo, este, atualmente, o de maior cartaz, e vivendo em Paris. A arte cearense incorpora as linhas mestras da arte brasileira em geral, embora presa a muitos cânones figurativos. De Aldemir, passando férias na Prainha, em casa que adquiriu recentemente, se fala que se mantém fiel ao Ceará, mas todos, público e crítica, desejam maior participação sua no quadro local das artes visuais cearenses. Há ainda o fotógrafo Chico Albuquerque, um inovador, com anos de imaginosa produção em S. Paulo, e hoje retornando à terra natal, capaz de comover com suas fotos de flores e frutos, por exemplo.
Dos novos, destaques para um Hélio Rola e uma Adrianiza, ambos aprendendo com mestre Rebolo, em cada estada do artista em Fortaleza, uma Heloisa Joaçaba, um Jussieu, um Sergei, um Zé Fernandes, um Siqueira, um Félix, um Fidelis, um Sérgio Lima. Os museus têm uma atividade fragmentada, e merecerão, segundo se diz, total reformulação no governo Virgílio Távora. A Casa da Cultura, junto ao Mercado, está e, obras. As galerias são duas só, vivendo de impulsos de seus proprietários, Sinval e Ignês Fiúza. O meio não propicia um bom mercado de arte, apesar das fortunas das grandes famílias cearenses, sendo esse fato causador da contínua emigração dos jovens artistas da terra para o Rio, São Paulo e paris (exemplos: Bandeira, Aldemir, Sérvulo, José Tarcísio, e, agora, Aderson Medeiros). 
Em contraponto, o artesanato no Ceará ganha impulso, sob a dinâmica do líder Flávio Sampaio à frente da Associação Brasileira de Artesãos - seção Ceará, com mais de 4 mil artesãos registrados, em todo o Estado. Os artesãos vendem sua produção diretamente ao público, sob coordenação da Associação, eliminando-se o intermediário, vendem também nas mais famosas feiras livres do Estado (Cascavel, Sobral, Juazeiro, Fortaleza), ou ainda se reúnem na Praça Portugal, as sextas-feiras, em iniciativa das mais louváveis – não falando também o melhor da comida cearense: paçoca, baião de dois, feijão de corda, carne de sol, tapioca, cajuína e frutas. No Ceará, cada artesão que se destaca, ganha o sofisticado acréscimo, ao seu nome, de Mestre: Mestre Expedito (couros), Mestra Francisca (bordados), Mestre Frank (esculturas), Mestra Raimunda e Mestre Amaro (cerâmicas), Mestre Giovani (adornos), Mestre Maia (entalhes), Mestre João Batista de Sena, Mestre Ferreira do Ceará, Mestre Pinto... Eles estão por Fortaleza, na Barra do Ceará belíssima, no cais do porto, em Iracema, organizados, arteiros/artesãos, gente simples e que faz de sua habilidade artesanal pão e subsistência, folclore e sobrevivência, cultura espontânea da melhor, típica e arquetípica, autêntica e brasileira.     

Chico da Silva, adivinho
Chico da Silva voltou com força total aos seus dragões e bichos enfeitiçados, sob guarda de seu novo marchand – os outros eram “espertizes próprios”, segundo ele diz – Agostinho Ramires, cumpadre e contra-parente. De manhã pinta no ateliê do Pirambu, Fortaleza, e, após o almoço, volta para casa, no sofisticado bairro do Aldoeta, onde pinta outra vez, até o jantar. Pode tomar até 4 doses de licor por dia, e, à noite, na varanda da casa, recebe amigos e conhecidos, dedicando-se a um novo divertimento, que o alegra enormemente: descobrir acontecimentos, fatos, dores, pensamentos de cada pessoa à sua roda. Muitas vezes acerta, e isso torna feliz o índio ocreano de 57 anos, gordo e redondo, que foi até dado por morto há 2 anos pelos jornais do Sul. Ele faz poesia também, eis que é índio, poeta e brasileiro, quer ser pobre sempre, ama Deus “mas não gosta dos padres”, quer ser povo e massa, coração e amor. Chico da Silva está pintando com menos categoria que antes, – a velha maestria o tornou célebre e vencedor de Bienal em Veneza – mas ainda é sincero em sua parte primitiva e real. No seu ateliê do Pirambé, pinta ao lado da filha, Chica, e do filho, Roberto, que assinam com seus próprios prenomes cada quadro. Os quadros de Chico são levados por seu marchand a um cartório, que os reconhece oficialmente. Assim a obra de Chico da Silva – o artista falsificado milhares de vezes, muitas vezes por sua própria culpa, é agora de novo válida. Ele nos diz com a boca aberta de felicidade – sem os dentes de ouro, roubados numa noitada de bebedeiras – alto e bom som: “Já enriquei muita gente que não tem coração. Agora sou o Chico de novo que o mundo conhece. Minha pintura vem de Deus, do deus dos pássaros e dos bichos, dos rios e da natureza”.

A xilogravura nordestina 
É da melhor qualidade, e, sobre ela, já tem derramado boa literatura a Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio), A Universidade Federal do Ceará (Fortaleza) e a Galeria Ranulpho (Recife), que editou há 2 anos um álbum da melhor qualidade, com biografia dos principais xilógrafos e reproduções de espelho de cada um deles. A xilo nordestina é usualmente utilizada para ilustrar os folhetos de cordel do Nordeste, são matrizes toscas, feitas a formão ou canivete, que esgravatam cascas de cajá, umburana, cedro, pinho e outras madeiras. Ligados intimamente aos poetas populares, muitas vezes, o próprio xilógrafo é autor dos versos, como Abraão Batista, de Juazeiro, e ainda poeta e folheteiro, como J. Borges em Bezerr, e Dila, em Caruaru, ambos em Pernambuco. José Costa Leite, vivendo em Condado, também em Pernambuco, é considerado o maior xilógrafo popular e um dos grandes poetas populares do Nordeste.
Mestre Noza
Além dos já citados, formam entre os grandes da xilogravura Mestre Noza, de Juazeiro; Jerônimo Soares e J. Barrosa, ambos vivendo em S. Paulo; Ciro Fernandes, Uiraúna, PE; Franklin Machado, ou Maxado Nordestino, Feira de Santana, Bahia, também vivendo em S. Paulo; Franklin Jorge, poeta, pintos, crítico de arte, Natal, RGN; José Stênio e Arlindo Marques da Silva (AMS), Juazeiro, CE; Marcelo Alves Soares (MA ou MS), Recife. Fazem todos uma arte bela e rude, suada e gravada, que já encantava Lourival Gomes Machado nos idos de 1950. Conversar com Dila, em Caruaru, é receber um banho de fantasias e da legítima inspiração e vibração do nordestino: ele acredita que o Pe. Cícero está vivo e que Lampião, também vivo, o persegue com seu bando. Dila esculpe a gilete em finos pedaços de borracha e, de certa forma, apesar da impressão de folhetos que faz na arcaica impressora que foi de seu avô, é um inovador da xilo regional. Em Caruaru, além da Casa de Cultura José Conde (direção de Luiza Maciel) e da afamada feira, é visita certa, na Artfolheto São José, Rua Guarany, 36, Riachão. Eleito pelo Instituto Joaquim Nabuco, como o melhor xilógrafo do Nordeste, diz-nos ele: – “Vejo com tristeza o desaparecimento da xilogravura, lançada entre os índios do Nordeste por missionários portugueses com atividade extra catequética. A xilo é mensagem social e transmite, através dos folhetos de cordel, nossos cultos, grandezas e misérias, as jóias da nossa alma e as agruras do nosso coração”. 

Cultura Piauiense Dizer que o Piauí existe sim senhor, já é uma piada de mau gosto – e os piauienses respondem, com graça, que a gente deve visitar logo o Piauí, “antes que vire São Paulo”.O Piauí, como a antiga Oeiras, a personalíssima Parnaíba, e fantástica Sete Cidades, além de Teresina, calorosa e encalorada ente dois rios, atraindo turistas, está em franco progresso, não fora a ajuda escancarada que lhe dão seus dois filhos mais ilustres, ministros Reis Veloso e Petrônio Portela. Progride na defesa dos recursos naturais, do patrimônio histórico, no saneamento básico. No campo cultural, três pessoas comandam: Joaquim Alencar Bezerra, secretário da cultura (do clã dos Portella), cm ação objetiva e séria em favor das artes piauienses; Profª. Aldenora Vasconcellos mesquita, coordenadora de Assuntos Culturais da Universidade do Piauí; e prof. Noé Mendes de Oliveira, do Centro de Ciências Humanas e Letras da mesma Universidade. Noé, piauiense de cepa, é, além de professor de História, etnógrafo e folclorista, estendendo sua ação em todo do Estado, como principal colaborador do MEC – Funarte e outras entidades. Estudioso da problemática das Sete cidades de Pedra, a 170 km de Teresina, explica com entusiasmo sobre as formações rochosas gigantescas, as pedras esculpidas, os estranhos monumentos, as torres pitorescas, as muralhas fortificadas, as escarpas, cúpulas e castelos escondidos que compõe o fabuloso conjunto natural (citado por Van Daniken num de seus livros, como antigo lugar onde habitavam, 4 mil anos, os fenícios). Rebolo vai até as Sete cidades com o prof. Noé, sobe na Pedra da Tartaruga – e pra descer? Desce carregado, pelo solícito professor e por nós... A praia do Sal, perto de Parnaíba, é lugar de visitação e curtição, muitas cidades, o Mestre Dézinho, o famoso reisado, o tatu refogado, comido em jantar de pratos típicos, com os Noé e Maria Amélia... O Piauí que edita e dança, estuda e pesquisa, aparece e toma um lugar ao sol, entre os cumes lindeiros de maranhenses e cearenses. Pedro Mendes Ribeiro, professor e radialista, publica obra única dedicada aos poetas cantadores de todo o Nordeste: “Segredos do repente”. Ali se fica sabendo sobre os violeiros, as regras do verso e do repente, sílabas e acentuação, gêneros do repente, quadras e quadrões, ligeiras e sextilhas, gemedeiras e mourões, décimas e martelos, motes e galopes, toadas e gabinetes, a embolada, a parcela, o beira-mar mourão. O Piauí vive uma realidade de sensibilidades e afirmação sócio/econômica/histórica/cultural. Estado guerreiro agropastoril, de muita festa e folclore-ciência, bem regional, já computado na comunhão nacional. 

O Padim, Juazeiro 
Partindo de Fortaleza, os roteiros são muitos e variados, desde as conhecidas praias do norte Comocim (pesca da lagosta), Paracuru e Pecém, como as do leste, Morro Branco, Yrapestosa, Majorlância (garrafinhas de areia) e Canoa Quebrada. Em torno desta existe toda uma lenda e muito folclore, a coroar sua beleza natural incomum e as magníficas dunas que a envolve. Junto ao Piauí estão as grutas de Ubajara, misteriosas, que encantaram Cora e Aldemir e, mais ao meio do caminho, Sobral, qual uma Campinas nobre, “United States of Sobral”. Em Quixadá, de Raquel de Queiroz, as formações naturais rochosas surpreendem, como o Açude do Cedro (construído no século passado, por ordem de Pedro 2º), a serra do Estevão, com o Repouso das freiras de São José, e o duro e cruel sertão, com os carregadores d’água em seus jegues, até Orós. Este, terceiro açude do mundo, é navegável, nadável e curtível, numa bela surpresa da viagem. Aquirás e Aracati de D. Castorina são cidades históricas, na serra do Butireté, em Guaramiranga – a Suíça Brasileira – há verde, muito verde, e rosas em Maranguape está Chico Anísio com sua indústria rendosa, no Canindé o Frei Lucas cede, muito amável, votos e ex-votos aquém pedir. Acha que o culto de São Francisco é o maior do Nordeste, maior mesmo que o de Bom Jesus da Lapa, do Padre Cícero e do Senhor do Bonfim. Exageros nada franciscanos... Juazeiro, no vale verde do Cariri, disputa com Crato a preferência do visitante, e tudo ali se faz em torno da figura mitológica do Meu Padim Cíço. A estátua tem 28 metros de altura, menor apenas que a da Liberdade, em Nova York e a carioca do Cristo Redentor. As figuras da cidade devota são Mestra Noza, que nos recebe com o indefectível chapéu, gravando o cedro e a umburana com um velho canivete – ele é famoso não só no Nordeste, mas na França, onde sua produção tem público certo – e o farmacêutico e professor Abraão Batista, gravador e autor de folhetos de cordel. As filhas de José Bernardo da Silva, lutam para manter viva a arte e a folheteria do cordel, ajudadas pelo neto de José Bernardo, Stênio, também gravador. A feira de Juazeiro é tão grande como as de Caruaru, e de Feira de Santana, as maiores do Nordeste – vende de tudo e os bentinho, de orações, os terços de Pe. Cícero são chamariz e atração. O almanaque do Nordeste, de Vicente Vitorino de Melo, astrologia e cordel, anuncia o Juízo do ano de 79, em linguagem sertaneja franca e rude. Em Crato o médico Jefferson de Albuquerque e Souza dirige o Instituto Cultural do Cariri, promovendo as artes na região. Tem até um museuzinho da imagem e do som em sua casa, estrategicamente instalada entre Crato, Juazeiro e Barbalha. Ali perto, reboa a voz do Patativa do Assaré, o grande cantador do sertão cearense, peno agricultor, vive isolado,com sua voz e sua poesia derramada, trovador nordestino autêntico, “cante lá que eu canto cá”, versos e cantorias sertaneja telúrica sob o luar do sertão do Cariri. 

Folha de São Paulo, Domingo, 25 de fevereiro de 1979.

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