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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

IZAR

Gravura em metal
Izar, gravadora lírica, alma e paixão do NUGRASP 

 – Estou rouca como tudo... o que há de novo? Muita galinha e pouco ovo... estou esperando o Clóvis chegar da Barra do Saí... não fique feito galinha choca dentro de casa... assim, a vaca vai pro brejo... Estive na Hípica, o presidente me recebeu tão bem!... nossa mostra vai ser o maior sucesso... já falei com a Tarsila, ela manda a gravura amanhã... uma amigona, a grande artista do Brasil... ora, não fique borocoxô assim... dê um pulo aqui, mando por mais água no feijão... A Ilsa Leal Ferreira também vai filar bóia aqui... uma gostosura de almoço caipira... 

Caipira, Izar do Amaral Berlink falou a palavra certa. Ela cresceu em fazenda do avô barão, ainda se sente uma caipira na cidade grande. 

Izar, tenaz e lírica, ardorosa e combatente, tranquila e alegre, se agita com suas expressões puras da roça. Seu linguajar é peculiar e divertido, vai falando e dando ordens. O NUGRASP é a sua alma e paixão. Agora ela deixa as salas diminutas onde mora, tão apinhadas de gravuras por todos os lados, ganha o corredor estreito, mais gravuras e telas pelas paredes. Está no ateliê de Maria del Carmen Peres Sola. Alguns jovens, todos, ali, vão escutar a aula de Izar. Ela está mansa e séria. Inicia. Leopoldo Raimo entre, traz uma gravura. Izar opina. Romildo Paiva traz o endereço de novo moldureiro, Izar anota. Entram alguns sobrinhos. Izar os afaga afetuosamente. Atende ao telefone, está depondo para Olney Kruse, do “Jornal da Tarde”, que a gravura brasileira está em alto nível, cotada no exterior, sim, mais que a pintura, pois é, mas não diga isso... Sim, a gravura é mais democrática que a pintura, como arte, não vê que custa mais barato, entra em todos os lares... Gosto, sim, claro, de tantos pintores, Portinari, Di, mas repare como nossos gravadores penetram em outros países, Artur Luiz Pisa, Lívio Abramo, Maria Bonomi, Grassman, Rossini Perez... Izar se despacha no aparelho, seu dia-a-dia é inteiramente dedicado à gravura, aos gravadores, ao NUGRASP. Deus ajuda a quem cedo madruga, diz. A jovem Mariana pergunta, Izar responde. 

Izar considera a sua gravura lírica, mais que tudo. Fala agora, com entusiasmo, da exposição inaugurada na Hípica. Foi o NUGRASP que promoveu. Ali estão, com seus trabalhos de gravura em metal, xilo, serigrafia e relevo-metal, importantes gravadores, artistas consagrados. O Clube da Gravura funciona anexo ao NUGRASP com mais de 20 “sócios”. Izar é a madrinha de todos. Sua empregada serve um cafezinho. Não é tão bom como os cafés de Araraquara, da Fazenda Santa Maria, plantados pela ex-fazendeira Izar do Amaral Berlink. 

Ela se lembra desses bons tempos, quando decorou a capela da fazenda. Gente de Guarapiranga, Ribeirão Bonito, ia ver a pintura. Izar está recordativa por um momento, logo volta à sua extroversão alegre e despachada. Termina sua aula com tranquilidade, a plateia atenta. 

– A criação na gravura dá vaza a caminhos múltiplos e quem tem, realmente, o talento e a renovação criativa, consegue momentos de alta emoção, no instante de levantar o seu trabalho, que está sobre a matriz, na prensa, e sentir no transmitir... 

 – O poder da criação e da sensibilidade, redundando na originalidade, não é dado a todos, mesmo com anos de dedicação à técnica. Esta, que é companheira inseparável de todo bom gravador. Soma ao ato da criação e da gravação, o trabalho de impressão ou tiragem... 

– Um bom impressor pode tornar um trabalho medíocre numa bela obra de arte, como um mau impressor pode destruí-la...

 – Assim, para se ter uma gravura de gabarito, que desperte a emoção e o interesse, e que não se deixe passar despercebida pela sua insignificância, serão precisos três elementos: o talento criador, a esplêndida mão para gravar e a qualidade sutilíssima do impressor. 

É Diná Coelho quem a chama ao telefone. O MAM vai organizar uma grande mostra de gravura internacional, em outubro. Quem vai ajudar, indicar, selecionar a parte brasileira? Izar. “Sim, vou ao Museu logo mais, antes do sol raiar”. 

Izar diz que seu nome foi inspirado no nome de rica, bela e bondosa senhora árabe que residia no Rio de Janeiro. 

– A I Exposição Internacional de Gravura, realizada pelo NUGRASP – Núcleo de Gravadores de São Paulo, em 1969, na Fundação Armando Álvares Penteado, foi organizada como uma ousadia de minha parte... Naquela época eu acabava de chegar da Europa e só pensava num maior intercâmbio artístico-cultural com outros países... Nesta II Exposição Internacional de Gravura, organizada pelo Museu de Arte Moderna, estamos voltando à ousadia antiga, de sempre. Desta vez dobramos os países participantes, os expositores e as obras apresentadas. Estão, aqui, incluindo o Brasil, 16 países da Europa, África, América e Ásia. 170 dos mais importantes gravadores do mundo. Quanto às obras, mais de 700 gravuras, das mais diferentes técnicas e temáticas. O que importa, antes de tudo. É que esta mostra internacional, como aquela de 3 anos atrás, são êxitos do NUGRASP, da nossa gravura, dos nossos artistas. 

Izar do Amaral Berlinck, bandeirante, araraquarense, gravadora lírica, alma, paixão e presidente do NUGRASP está no saguão de entrada do MAM. O vestido e a bolsa bem azuis, os sapatos dourados. Ela fala com um e outro. Ernestina Karman, doublé de gravadora e crítica de arte, acaba de enviar aquela braçada de rosas cor-de-rosa. O genial Flávio de Carvalho, jeito desengonçado do meninão, conta vivamente da próxima exposição de suas gravuras, na Mini Galeria do Teatro de Arena. Paulo Menten, cercado dos filhos, diz que a Sala Didática da gravura, que montou na Pré-Bienal, é um sucessão. Arnaldo Pedroso d’Horta chega corado e encaramujado. Diná Coelho mais que secretária-executiva do MAM, doce pastora dos artistas, procura falar com Almeida Salles, e recebe cônsules e críticos, empresários e habitués do Museu em noite de inauguração. Suas auxiliares são prestantes e dinâmicas, Almerinda. Leila (Bojou), Judite, Lúcio. 

Izar não pára, está satisfeita com o Banco Novo Mundo, que ofereceu vários prêmios para a exposição. 

 – Dos países estrangeiros. Estão representados nesta exposição a Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, China, Espanha, França – e o mestre francês Hayter, que morou no Brasil, e inclusive ensinou a Artur Luiz Piza, Lívio Abramo e outros. Está aqui com Sala Especial e presente também, para honra nossa – Itália, Iugoslávia, Japão, Coréia do Sul, Luanda, Portugal e Estados Unidos, num total de 65 gravadores... Do Brasil, o nosso NUGRASP expõe 105 artistas com obras em talho doce, xilogravuras, litografias e serigrafias, que nada ficam a dever aos artistas de fora... E a preços muito acessíveis. 

– Como está constituída a representação brasileira? 

– De maioria gravadores tradicionais, como Grassman, Artur Luiz Piza, Ana Letícia, Edith Bering, como de artistas que, eventualmente, fazem e assinam gravuras, como nossa grande Tarsila do Amaral, Volpi, Charoux, Bonadei, Rebolo, Graciano, Aldemir e tantos outros... Para que não haja injustiças, contudo, aí vai a lista completa de expositores brasileiros: Aldemir Martins, Alex Vellauri, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Ana Alice Francisquetti, Ana Letícia Quadros, Anna Luiza Bellucci, Anna Russo Morrone, Antonelo L’Abate, Antônio Henrique Amaral, Antonio Mir, Artur Luiz Piza, Bernardo Caro, Braz Erci Dias Furtado, Boris Arrivabene, Cacilda F. F. de Mattos, Carlos Henrique Lacerda, Carmo Vaz, Cezira Carpanezi, Charlorra Adlerova, Cláudio Tossi, Clodomiro Lucas, Clóvis Graciano, Conceição Pilô, Dalton Salem Assef, Danielle Gyger-Guggenheim, Danúbio Gonçalves, Darwin, Dora Karter, Duilio Galo, Ediria Carneiro, Edith Cavalcanti, Edith de Albuquerque, Edith Behring, Elvete Cunha Costa, Ernestina Sanná Karman, Evandro Carlos Jardim, Fernando Torres, Flávio de Carvalho, Freitas, Georgina Conceição Torres, “GEU”, Hannah Brandt, Hans Grudzynski, Heloisa Moya, Ilsa Leal Ferreira, Inês Benou, Inês Klieman, Irene Luftig, Irma Neumann, Isabel Pons, Izar do Amaral Berlinck, João Luiz Chaves, João Rosal, Joaquim Gimenez Salas, José Guyer Salles, José Maria da Silva Neves, Judith Lauand, Kikue Kato, Laura Carolina Tltschul, Leopoldo Raimo, Lívio Abramo, Lothar Charoux, Luiz Fernando Penteado, Manoel Martins, Maria Antonieta de Souza Barros, Maria Cecília Camargo Guarnieri, Maria Luíza Penteado Toledo, Maria Tomaselli Cirne Lima, Maria del Carmen Perez Sola, Marília Rodrigues, Marcelo Grassman, marina Caram, Mário Fix, Mário Gruber,, Mary Kuperman, Massuo Nakakubo, Miriam Chiaverini,Miti Hoshino, Moacyr Rocha, Nelson Bavaresco, Nelson Jorge Cury, Nilson Seoane, Norberto Story, Norma Moog Hennel, Odeto Guersoni, Odila Mestriner, Paulo Mentem, Pedro Seman, Piroska M. Berenyl, Rebolo Gonsales, Ricardo Smith, Romildo Paiva, Rosa Figueiredo de Albuquerque Rossi Perez, Ruth Bess Courvoisier, Sonia Castro, Tarsila do Amaral, Ubirajara, Vera Bocayuva Mindlin, Vera Chaves Barcelos, Valdir da Costa Alves, Vania Pereira, Zoravia Bettioll e Wesley Duke Lee. 

Wolfgang Pfeiffer, que já dirigiu o MAM e hoje é alto funcionário do consulado alemão, olha as gravuras de Tarsila (3). Acha, em geral, muito bom o nível da exposição, os brasileiros tão bons quanto os estrangeiros. Nota que a gravura continua, em todo o mundo, com sua divisão clássica de figurativos, expressionistas e abstratos. Já Paulo Mendes de Almeida está notando que, num quadro geral, a gravura em nosso país está em estágio mais avançado que a pintura – mas não entra em detalhes, Chamaram a atenção as obras de gravadores consagrados, preferências antigas, como Grassman, Lívio Abramo, Piza, João Luiz Chaves e alguns novos, como Ilza Leal Ferreira. 

– Onde está instalado o NUGRASP e quem o dirige? 

– O NUGRASP, que foi fundado em 1965 e já ocupou provisoriamente algumas salas do Pavilhão da Bienal, está instalado agora numa casa da Rua Barão de Capanema, 30 (esquina de Alameda Ministro rocha Azevedo). Tem cinco oficinas, das quais duas de gravura, uma de xilogravura e xilografia, uma de litografia e outra de serigrafia, além de sala especial, onde os gravadores podem aprender, com hora marcada, os “mistérios” de impressão, sob a orientação dos gravadores Maria del Carmen Perez Sola, que está desde o começo no NUGRASP, João Luiz Chaves e Romildo Piva... Sua diretoria é composta por mim, por Clóvis Graciano (sócio fundador e vice-presidente); Carlos Souliê do Amaral, Flávio Pinho de Almeida. Haydée Lee; Lázaro de Melo Brandão; Maria Luiza D’Orey Lacerda Soares; Roberto de Abreu Sodré; Stella Barbosa Ferraz, Stella Teixeira de Barros e Sylvia Pupo Neto... A nova sede do NUGRASP terá também uma galeria exclusivamente para gravuras – “Casa da Gravura”. 

A gravura 
A gravura que é uma obra de arte tão alta e emocionante como a pintura, não precisa ficar presa ás páginas de um livro, como também não é um painel mural ou para-vento, gêneros estes que já têm a sua técnica especial. É para ser pendurada na parece, mesmo, ou selecionada em grandes álbuns pelos apreciadores. Como premissas, poderemos dizer que a gravura é tudo que possa ser repetido, tantas vezes quantas a matriz o permitir e que tem duas facetas: em relevo e plano. 

A gravura em relevo, que é, certamente a mais bela e significativa e que maior interesse desperta, é representada pelo TALHO DOCE (gravura cuja matriz é em metal (cobre, latão, zinco) e trabalhada em água forte, água tinta, buril, ponta seca, etc.) e pela XILOGRVURA (cuja matriz é em madeira de topo ou de fio, por isso trabalhada, diferentemente – e a gravura plana, que também tem sua beleza e que é representada pela LITOGRAFIA (é sobretudo um desenho com lápis ou tintas próprias, sobre uma pedra especial, como matriz) e a SERIGRAFIA (ou silkscreen, que tem como matriz uma tela de nylon, esticada sobre um chassis de madeira) e que é, no momento a menina dos olhos, sobretudo, nos Estados unidos. 

Há, ainda, muitas outras modalidades derivadas destas, (de transmitir uma tiragem toda igual sobre papel especial), mas por isso mesmo, sem a mesma valia, como as gravuras, que têm por matriz o linóleo, Duratex, papelão em recortes, gesso e a colagravura (que, em vez da matriz gravada, esta tem o elemento colado por cima, mas com efeitos surpreendentes às vezes) e a zincogravura (em substituição à pedra litográfica) e assim por diante. 

A gravura exige uma limpeza de trabalho e uma perfeição de execução tal, que torna o seu artesanato quase tão importante quanto a parte artística. 

Com a introdução a cor na gravura, tornou-se ela uma série competidora da pintura, pois proporciona trabalhos de alto gabarito, por preços muito acessíveis, aos amantes da arte, que não poderiam se dar ao prazer de ter uma pintura excelente e com nome de fama.



IZAR SOUZA QUEIROZ DO AMARAL BERLINCK, de estirpe de bandeirantes, nasceu em São Paulo em 1918. Gravadora e pintora. Professora e presidente do NUGRASP – Núcleo de Gravadores de São Paulo. Estudou pintura com Waldemar da Costa e no Ateliê Abstração, de Samson Flexor. Em gravura é autodidata, seguindo técnicas de Lívio Abramo. A partir de 1960 faz numerosas exposições individuais e coletivas em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Salvador, Ouro Preto, Brasília, Santos, Buenos Aires, Liubliana (Iugoslávia), Cracóvia (Polônia)m Maryland (Estados Unidos), Biella (Itália) e Paris. Ganhou vários prêmios de pintura e gravura na década de 1960. Expôs em várias bienais, foi membro de júris de premiação e seleção de arte moderna. Professora do SESI e do NUGRASP, que fundou em 1964. Organizou várias individuais e coletivas de gravadores, no país e no exterior. Em 1970 realizou no Clubinho dos Artistas, em São Paulo, uma retrospectiva denominada “Dez anos de gravura de Izar”. Em 1971 executou 167 gravuras para as suítes do Hilton Hotel, na capital paulista. Tem trabalhos nos acervos de vários museus do Brasil e do estrangeiro. Viúva de Nelson Berlinck, filho do prof. Horácio Berlinck. 12/9/71 – 17/9/72.

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