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sexta-feira, 26 de junho de 2015

GERDA BRENTANI - desenhista e ilustradora


Gerda Brentani está expondo os bichos desenhados de seu Bestiário Brasileiro na Galeria Bonfiglioli. É a nova individual da artista nascida em Trieste e que se encontra no Brasil – onde foi aluna de Rossi Osir e Ernesto de Fiore – desde 1939. Gerda já ilustrou muitos livros e é uma humorista nata, tanto em seus desenhos como em seu dia-a-dia. Ela também é presidente do Clube dos Amigos da Arte – o Clubinho – que congrega mais de mil associados sendo a maioria de artista da capital paulista. Na atual exposição Gerda mostra 42 desenhos utilizando os recursos oferecidos pelo nanquim e guache coloridos. 

Como é a sua característica, o humor está presente em todos os seus desenhos. Somando a liberdade de criação a uma imaginação sem limites, ela recria os bichos que costuma observar atentamente no Museu de Zoologia, onde é uma assídua frequentadora. Nesses trabalhos, jacarés, peixes, ornitorrincos, formigas e outros animais – alguns inventados, como é o caso da centopeia voadora, ou o bagre azul – tomam formas inusitadas, elaboradas num clima surreal que, segundo a artista, é uma consequência de humor: “a caricatura, disse, parte naturalmente para um surrealismo porque distorce uma realidade, embora isso não signifique que eu faça parte da escola surrealista”. 

Realmente, o traço humorístico sempre caracterizou a sua obra. Primeiro em branco e preto, até assimilar as cores que utiliza atualmente. 

A sua sistemática de trabalho sempre obedeceu ao princípio de que, segundo as suas próprias palavras, “para fazer uma deformação válida a figura precisa ser estudada academicamente”. Isso explica as suas constantes visitas ao Museu de Zoologia, onde estuda todos os detalhes dos animais e faz anotações em seu caderno. 

Somente depois de ultrapassada essa fase de trabalho é que Gerda Brentani começa a desenhar, sem nenhuma idéia preconcebida: “Eu simplesmente começo a desenhar. Aí é que descubro a temática que vai predominar no trabalho. Tudo acontece sem querer”. Desta maneira, nesta exposição, a artista não permitiu a presença humana em nenhum desenho. Os bichos aparecem brincando com máquinas e objetos abandonados pelo homem. 

Na minha forma de ver as coisas, o homem, preparando os meios para a sua autodestruição, tem a sua existência seriamente ameaçada, devendo no futuro permanecer apenas os animais. Mas meus desenhos não têm nenhum sentido crítico ou social. Trata-se apenas da maneira como eu sinto as coisas, como elas estão acontecendo, é uma maneira muito pessoal. 

“Minhas criações são muito pessoais, surgem não sei de onde - diz a Artes Visuais. Meu senso de humor, não sei por que, escapa até quando não quero. É inato. E também, com humor, falo sério. 

Gerda acha que o seu gosto de desenhar bichos é de família. A avó austríaca lidava com bichos. E a mãe, que freqüentou a corte de Francisco José desenhava muito bem. Gerda em 1940 conheceu Paulo Rossi Ozir e Ernesto de Fiori, que a incentivaram a se dedicar ao desenho. De Fiore deu-lhe aulas de desenho e Rossi convidou-a a colaborar em seu ateliê de cerâmica (fazia pequenas mesas, painéis, aparelhos de jantar). 

Tenho muitas saudades desses amigos, e de tantos outros, que também muito me incentivaram e acreditaram em mim, como Sergio Milliet, Tarsila, Bonadei, Arnaldo pedroso Horta, Mario Zanini... A Capitu, Carmen de Almeida, quando diretora do Suplemento Feminino do “Estado”, me convidou para escrever e ilustrar contos infantis. Essa colaboração durou muitos anos e depois a Editora Giroflê publicou minha coletânea de contos, o “Psiu”. Temas livres e caçoadas, e a crítica foi muito favorável.

 Conta Gerda que, nessa fase, seu desenho era apenas em branco e preto e marcadamente caricatural. Obras dessa fase foram publicadas num livro, “Atrás da fachada”, Editora Habitat, prefácio de Sergio Milliet. “Buscando novas soluções fui aperfeiçoando minha técnica e tentei também a pintura á óleo. Este, porém não era meu melhor meio de expressão e dessa fase, felizmente, restaram poucos trabalhos. Não gostei mesmo, joguei quase tudo fora”. 

Voltei então ao desenho satírico, colaborei nos 12 primeiros números da “Realidade”. Pouco a pouco, então, sem perder o traço humorístico, as cores voltaram aos meus desenhos e até hoje são parte integrante de meu trabalho. Fiz a série da Mitologia, fiz O Homem e seus objetos, Os Profetas Bíblicos, o Bestiário brasileiro... Charges, não, nunca fiz. Faço os meus desenhos, que são muito trabalhosos, e olhe lá. Caricaturas, sim, mas só de gente que não gostava... Saiam malignos, terríveis - diz Gerda, com o sorriso habitual, o ar bom e inteligente, os vivos olhos, perspicazes atrás dos óculos de segundo grau. 

Diz que, há muitos anos, sem abandonar o desenho como sistemática de trabalho, com a orientação a ajuda de Marcelo Grassman, fez gravura em metal, em todas suas modalidades. São 40 chapas representando o Bestiário Brasileiro, sua sátira em bicharada a coisas e fatos deste país e dos seus habitantes. A Editora Cesar já publicou o primeiro volume, contendo 10 gravuras com prefácio do Prof. Paulo Vanzolini, um de seus grande amigos. “Gosto de ir ao Museu de Zoologia e ver o Vanzolini, e seus incríveis bichos, que traz de todos os lugares do Brasil. A zoologia é mesmo minha paixão”, diz Gerda, com sua voz grave tão característica.

CARLOS BRACHER, INTIMISTA E CUBISTA


Todo meu processo de evolução é calmo, talvez lento... Sou um paisagista, sempre fui... As montanhas mineiras – minha terra – são uma imposição da realidade e uma paixão muito pessoal... As montanhas têm aquelas curvas, aquele ritmo que me fascina, elas se impõe por si mesmas... E a Igreja, em Ouro Preto – onde resido – também tem sua majestade... É um elemento cultural, e, na minha pintura, eu a fixo perfeitamente integrada à realidade das montanhas... Minha arte é feita numa linguagem de hoje, mas temo sempre ser-/dar a “última palavra”. 

Alto, magro, olhar manso sob os óculos graves, Carlos Bracher é um mineiro em surdina – como o qualificou Olívio Tavares de Araújo. Nasceu em Juiz de Fora, participou de salões, realizou individuais e em 1970 obteve o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional de Belas Artes, vivendo 2 anos na Europa, sediado em Paris. De volta ao Brasil, fixou-se em Ouro Preto, alugou um casarão colonial e ali vive e trabalha ao lado da mulher Fani e da filhinha do casal, Blima (dois anos). Tem produção regular, que vende em Outro preto, aos turistas, ou na Galeria Portal, de São Paulo, e Binino, do Rio de Janeiro. Quando não pinta, percorre as ruas da cidade barroca, ampliando suas andanças pelas cidades históricas da vizinhança – Mariana, Cachoeira do Campo, Santa Rita Durão, São Bartolomeu e outras. 

Sobre o prêmio “viagem à Europa”, Bracher nos disse que, naquela época tinha 27 anos e já pintava desde os 17: 

 – Minha pintura, naquela época, era bem perturbada, até violenta... Eu expressava abertamente o que sentia... Van Gogh era meu mestre... Na Europa aprendi a disciplinar e a ser rigoroso com meu próprio trabalho... E acho que, desde então, consegui equilibrar minha sensibilidade com a técnica cubista. 

– O barroco influencia sua obra? 
Objetivamente, não existe essa participação... Ele só vale como um elemento isolado, incorporado a um todo... Basicamente, tenho uma forte índole expressionista, como já disse, calcada na influência de Van Gogh... Isso é um dado permanente ao que ainda faço hoje, embora o que faça não seja perfeitamente caracterizado como expressionista... Desta tendência carrego, é claro, sua carga emocional, que marca qualquer ser... Mas me considero hoje em dia realmente um artista de forte tendência cubista, pela disciplina e rigor da minha pintura, quer nas caracterizações da forma, como nas qualificações da cor... Esse novo elemento, cubismo, fixa e situa minha arte atual, cuja mais forte característica anterior, o expressionismo, permanece aqui e ali. 

– Como vê a arte exposta em salões e galerias de São Paulo? 
Parece que a arte aqui está bem... Os valores consagrados estão em atividade e evidência e surgem novos valores, muito bons também... São Paulo passa por uma dinâmica crescente em seu mercado de arte, com levas de novos colecionadores se incorporando aos tradicionais... Tive troca de idéias muito úteis com artistas como a grande Wega, Ianelli, Cheroux, Tomie Otake, Bonadei, Nicola, Douchez, Walter Lewy, Graciano e outros.

Carlos Bracher está falando que o tom suave de suas pinturas ele aprendeu com estudos que fez na Europa, da pintura flamenga. Antes de pintar cada quadro, faz um desenho, pensa, vai realizando a obra aos poucos. A cor que vai usar, não sabe, seus quadros não retratam a cor real das montanhas, é um colorido aleatório, meio irreal, de tons suaves, lilases e verdes, marrons, vermelhos, roxos. Bracher comenta sobre outras artes que viu na Paulicéia – os múltiplos, os objetos, a arte cinética: 

Essas pesquisas são interessantes, válidas para quem as elabora... O meu trabalho é diferente, mais sofrido, mais intimista talvez, mas admiro e compreendo os artistas que fazem essa arte múltipla e cinética... Eu só faço o que é o meu real, o que verdadeiramente sinto... Algum dia poderei fazer essa arte, mas, não agora, quando estou descarregando as minhas formas de acúmulo, associando minha pintura anterior à atual, pesquisada na Europa num duro aprendizado... Talvez caia logo uma pintura mais onírica, quase fantástica... Um surrealismo fantástico acho, que será a minha tendência daqui para frente. 
A TRIBUNA – Santos 16 de Setembro de 1973. 

LONGE DE MINAS, EM OURO PRETO 

“A pintura como meio e como fim – em plenitude: eis a presença de Carlos Bracher. Sua pintura é um revolucionário objeto plástico, por se comprazer no gozo material com que captura, através da circunstância do tema, a eternidade da essência. E é através da tensão, da inteireza com que a tela é possuída por ritmados volumes de cor, da luz transfigurada em sombra febril, que participamos desta essência. Como se a nossa carne, a consciência que temos dela, se irmanasse naquele movimento equilibrado e poderoso. Estamos diante de um pintor”. WALMIR AYALA, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23/10/68. 

“... Carlos Bracher, longe de Minas, prossegue pesquisa e arte sem solução de continuidade. Juntou, com a mesma delicada e poderosa mão, Ouro Preto e Monsaraz para reafirmar um gosto pelo telúrico que não é dos menos marcantes sinais de sua personalidade. “Terra de Monsaraz”, tanto quanto um belo título é um punhado de quadros densos, ungidos pela exigente disciplina que caracteriza a já importante obra anterior do artista. É um conjunto homogêneo, quase diria programado – e programado com aquele espírito de adesão à tarefa, à missão, de que só são capazes os que sabem o que querem: os místicos, os iluminados, os artistas. Ou seja: um Carlos Bracher. Por obra e graça de seu trabalho, Portugal e o Brasil, as Minas Gerais e o Alentejo, Ouro Preto e Monsaraz se confraternizam e, parentes próximos por cima das circunstâncias imensas, dão-se as mãos, encontram-se pelo milagre da arte”. OTTO LARA RESENDE, Lisboa, junho de 1969. 

“ Inevitavelmente, num país tão grande como este nosso, num tampo tão acrescido pelo tumulto que lhe é inerte, os contatos quase se esgarçam e quem passa a viver fora dos roteiros obrigatórios litorâneos, das manchas urbanas, quase não se recorda mais... Anos se passaram sem reencontrarmos, Wega e eu, Carlos Bracher, que além de tudo andou em lua-de-mel, viagem de estudos, fontes originárias. Agora nesta tarde e noite de Guarujá, quando conversamos, o moço já não é mais a esperança que encontramos um dia na prestigiosa paisagem de Ouro Preto. A pintura de Carlos Bracher fez-se adulta: imprecisões tornaram-se solucionadas em sólidas escoras de paredes que ele articula, entrosa e inter-relaciona e insere, arquiteturas nas topografias, linhas determinadas na contenção dos ângulos, uma pintura seriamente trabalhada, densamente colorida, de que emerge uma poesia em “majestoso” intenso com seu peso referencial próprio para o que deve ser dosado com equilíbrio e em reflexiva orquestração melancólica de acordes muito distantes, surdamente aqui vindo repercutir, não, arquejar, que é do arquejamento que se trata e agora que os quadros se foram e Bracher deixou sua lembrança, esta espécie de esteira sonora ficou. Queria então, dizer, aos que tiverem paciência de ler esta trilha longa, que o pintor está numa solução muito dele, e que o barroco filtrado desapareceu em imaginações de linha e massa, fazendo uma expressão mineira reconhecível. E que merece nossa admiração, nossa estima, sincera boa-viagem por onde vá”. GERALDO FERRAZ, Ilha Verde, Guarujá, 1972.

JUAREZ MACHADO, O NON SENSE VITORIOSO


Em 16 anos de carreira, Juarez Machado marcou sua atividade como artista por constante renovação e uma quase obsessão por novas formas de expressar suas ansiedades. Escolhendo São Paulo para sua primeira exposição este ano no Brasil, ele investe, uma vez mais, em novo recurso para mostrar seus desenhos. 

Agora, Juarez comparece à inauguração das novas instalações da Publicidade Archote, onde apresenta uma série de trabalhos em espelhos (também usados na decoração da boate Hipopotamus, com grande sucesso e aceitação dos colecionadores de São Paulo). Conquistado o prestígio internacional, com exposições e trabalhos realizados para galerias e publicações da Europa (Holanda, Bélgica, Suíça e Itália), a obra de Juarez foi responsável pela maior surpresa no mercado de arte brasileira no ano passado: uma valorização de 150% em seus trabalhos, comprovada artisticamente. 

Um comentário de um marchand de famosa galeria de São Paulo dá uma idéia exata do prestígio alcançado por Juarez no mercado de arte: “É a melhor caderneta de poupança que existe. E a mais bonita”. A escolha de Juarez para marcar a ampliação de suas atividades como agência de propaganda não foi feita, pela Archote, ao acaso. A agência pretende imprimir uma linha de igual sensibilidade em seu atendimento e chegou a um encontro extremamente feliz com Juarez. 

Edgard Soares, diretor de planejamento da Publicidade Archote, explica: “A vinda de Juarez faz parte de um esquema de mudança radial na imagem da Archote. Somos hoje uma das mais antigas agências de capital brasileiro em atividade Em 31 anos conseguimos formar o maior departamento de anúncios classificados do país e estamos entre as 20 agências que mais faturaram em 1975. O segundo semestre de 1976 marcará o início das atividades da Archote como agência de campanhas publicitárias. Uma equipe inteira foi contratada e temos agora um time de criação tão bom como o das melhores agências brasileiras. Juarez vem inaugurar essa nova fase. Não poderíamos ter escolhido melhor. 

Entre os vários prêmios conquistados por Juarez, destaca-se o “Prêmio Internacional”, da Bienal de Desenho de Humor na Arte, conquistado na Itália, em 1969. Mas Juarez não tem se limitado apenas ao desenho e à escultura. O grande público foi alcançado pelo artista através da mímica e da coreografia, realizadas em número considerável em programas de televisão, peças de tetra e shows.

Como dizia Drummond em crônica publicada no Jornal do Brasil, em abril passado, “apresentamos alguma coisa com Juarez Machado (em sua mímica e também em seus desenhos tão calados). E teremos fundado, por nossa conta, uma reserva ecológica de silêncio”. 

A exposição de espelhos de Juarez Machado chega num momento em que os pintores modernos são ainda os da famosa Semana de Arte de 22 e não se pronuncia nenhum outro grande talento. Juarez supre essa ausência com a arte do non sense, sem se enquadrar rigidamente em nenhuma das classificações mais conhecidas. Não é um cartunista, não é um ilustrador, não é um pop-art, nem é moderno. É Juarez Machado. Quieto artesão plástico do século 21. 

Ao mesmo tempo em que coloca seus espelhos no salão nobre da Publicidade Archote, Juarez se vê assediado por uma procura cada vez maior de seus trabalhos. E procura, por sua vez, não repetir nunca. Lança essa nova série de 15 espelhos, executados em jato de areia, combinando a técnica da serigrafia, gravura e arte final com aplicação manual de Juarez, de forma a provocar um clima de participação entre espectador e obra, ocupando um espaço que o artista lhe reserva nos espelhos. 

A inauguração da exposição ocorreu dia 23, às 20 horas, na Rua Jandaia, 72, sede da Archote. As obras de Juarez Machado foram avaliadas de 4 a 15 mil cruzeiros. Além dos 15 espelhos mistos, produzidos pela Lithos Rio, estarão expostos cinco trabalhos originais e pelas da coleção de joias eróticas, em prata, criadas a quatro mãos com o joalheiro carioca Caio Mourão sobre desenhos de Juarez. Obras que são distribuídas em São Paulo por Ter Arte. A exposição se estenderá até o dia 30 de junho, sempre a partir das 18 horas. A seguir, os trabalhos serão expostos num circuito pelas capitais brasileiras. 

Os 16 anos de uma grande arte 

No dia 16 de março de 1941 nasce o primogênito de João de Oliveira Machado e Leonora Dusch Machado, em Joinville. Sua carreira começa em 1961, quando cursa a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, ganha o 2º prêmio em pintura no Salão da Primavera. Trabalha como coreógrafo da TV Paraná – Canal 6, Curitiba e faz desenhos para o Diário do Paraná. 
1962 – Juarez ganha dois prêmios, em desenho e escultura, no Salão dos Novos; título de Melhor Escultor do Paraná, Salão Paranaense; medalha de prata em escultura, Salão de Curitiba, e bronze, Salão da Primavera, estágio no estúdio de Mário Cravo (Bahia); cenários para TV e Teatro Guaíra. 1963 – Inicia sua atividade como ator cômico (teatro e TV). Primeiro prêmio no Salão Cidade de Porto Alegre e medalha de prata no Salão da Primavera, em escultura; em pintura, menção honrosa no Salão Paranaense. Estágio do estúdio do escultor Francisco Stokinger (Porto Alegre); coreografia para TV e Teatro Guaíra e Teatro de Bolso de Curitiba. 
1964 – Exposições coletivas em Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre; primeira individual de desenhos na galeria Cocaco; medalha de ouro no Salão da Primavera, escultura. 
1965 – Prêmio de aquisição no Salão Paranaense; painéis em residências e órgãos governamentais. 1966 – Passa a morar no Rio. Expõe na galeria Brasil-Estados Unidos; desenhos e programação visual na OCA – arquitetura de interiores. 
1967 – Desenhos na Bienal de São Paulo; desenhos para Cartuns JS, suplemento de humor do Jornal dos Sports e para a revista semanal O Cruzeiro. 
1968 – Participa de coletivas e publica semanalmente desenhos de humor para o “Correio da Manhã”. Desenhos para a 1ª Feira de Arte do Museu de Arte Moderna; painéis e quadros para os hotéis Luxor e Regente; desenhos de apresentação de arquitetura; desenhos de publicidade; direção de arte da Revista Galeria de Arte Moderna. 
1969 – Individual de desenhos de humor, Galeria Cavilha (Rio de Janeiro); prêmio internacional, V Bienal de desenho de humor na arte (Itália); trabalhos de artes gráficas, criação de símbolos e marcas; projetos e painéis em casas comerciais, hotéis e restaurantes; participação na equipe do arquiteto Sérgio Rodrigues; publicações semanais em “Fatos e Fotos” e para “La Codorniz” (Espanha). 
1970 – Primeiro livro de humor, Editora Livraria Francisco Alves (Rio de Janeiro); individual de desenhos de humor, Galeria Cocaco (Curitiba), membro dos juris do 1º Salão Nacional de Desenhos de Humor e Salão Paranaense de Belas Artes; direção de arte no jornal “Arte e Educação”, desenhos semanais para a revista “Manchete”; balé, coreografia e figurinos para Elis Regina Especial (TV). 
1971 – Exposição de desenhos de humor nas galerias Bonino (Rio de Janeiro) e Ciclo (Porto Alegre); criação e execução de praça pública em Curitiba; desenhos semanais para a revista Manchete; balé, coreografia e figurinos para Elis Regina Especial (TV). 
1972 – Individuais de humor na Mini Gallery (Rio) e Arte Aplicada (São Paulo); estudos em Israel e Grécia; membro do departamento de criação da Rede Globo, programas “Uau” e “Faça Humor Não Faça a Guerra”; desenhos para selos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 
1973 – Individuais de humor na Mini Gallery e Arte Aplicada. Decoração para o carnaval no Copacabana Palace Hotel; cenários e figurinos para “Mamãe, Papai está ficando roxo”, de Oduvaldo Vianna, Teatro da Galeria; viagens de estudos para a França, Dinamarca e Itália e depois Chipre e Itália. 
1974 – Individual de humor na Mini Gallery; criação e execução de praça pública em Joinville; cenários e figurinos para Roberto Carlos Especial (TV) e “Pluf, o fantasminha”, de Maria Clara Machado, Teatro Tablado; publicações semanais nas revistas “Pardon” (Alemanha), “Pilote” (França), Finlândia e Editora Abril (Brasil); desenhos para publicidade, estamparias, ilustrações de livros e capas de discos; monitor da Clínica Social e Psicanálise (terapia através da arte com crianças e adolescentes). 
1975 – Individuais de humor na Casa da Cultura e Arte Aplicada (São Paulo); individual de objetos de humor na Morada (Rio); membro de criação da Rede Globo; personagem do programa “Fantástico” da TV Globo; livro de humor da Franck Fehmers Production (Amsterdã) em coedição com oito países da Europa; no prelo, pela mesma editora, livro a ser editado em quatro idiomas; publicações semanais nos principais jornais e revistas brasileiros; criação do Grupo de Criatividade Juarez Machado, para crianças e adolescentes no Colégio Anglo Americano; primeiro “show” ao vivo, além de cenários e figurinos, com Calos Miele, Boate Sucata; exposição de Joias a Quatro Mãos, em prata, com Caio Mourão. 
1976 – Restauração e montagem da segunda casa mais velha de Joinville (que será doada à cidade como museu); cenários e figurinos para “O Porco Ensanguentado”, de Consuelo de Castro; no prelo, três livros de humor da Editora Primor e Educação Sexual para Crianças, pela Bloch Editores.

OSMAR DILLON, vanguardista conceitual

Paraense, 43 anos, arquiteto, poeta e plástico neoconcreto, Osmar Dillon é um dos grandes valores da arte conceitual da atualidade. É incisivo, perspicaz no responder, inteligente e sério. Magro, veste-se com roupas esportivas e tem incrível disposição para o trabalho. E um argumentador nato. 

– O concretismo, anto nas artes visuais como na poesia foi um movimento de suprema importância, há quase duas décadas, aqui no Brasil: foi como que um serviço de limpeza e dedetização nos nossos meios artísticos. Na poesia podou os mil galhos simbolistas, os adjetivos parasitas, as folhas debilitadas pelo lugar comum deixando quase só o tronco (muitas vezes até este foi cortado). Nas artes plásticas, disciplinou muita coisa também: obrigou a um sentido maior de organização dos espaços, a uma necessidade de sintetismo, a uma busca de novas técnicas e novos meios de expressão. Procurando quebrar o caráter ortodoxo do concretismo, surgiu aqui no Rio de Janeiro o “neoconcretismo”, cujo teórico principal foi Ferreira Gullar. A denominação de neoconcretismo foi infeliz, mas o movimento foi marcante. Engajei-me nele em 1955 tendo exposto juntamente com Lygia Clark, Hélio Oiticica, Amílcar de Castro, Aloísio Carvão, Roberto Pontual e alguns outros. Partindo de uma idéia comum, cada um desses artistas seguiu depois seu caminho, desenvolvendo as pesquisas iniciadas na época. O que, então, era alvo de chacota por grande parte do público e da crítica, veio desabrochar no que muitos anos depois passou a se chamar arte-conceitual, arte-ambiental, arte-povera, body-art, etc. No campo do design, da publicidade, também a influencia do concretismo foi enorme. Para mim, depois da Semana de 22, o movimento mais importante nas nossas artes plásticas foi o neoconcretismo, com seu caldeirão de idéias novas, que lançou seguidores pelo mundo afora, adiantando-se, às vezes, às tendências mais importantes da arte atual. 

– O fato de lidar com palavras faz de você um artista conceitual? 
– Como já disse, no neoconcretismo havia a corrente da arte conceitual. Eu fui neoconcreto: fazia em 1960 objetos poéticos utilizando palavras, objetos que criavam “vida”, se transformavam através da forma plástica, do sentido semântico, do “conceito” lançado por essas palavras. Conceituais eram os “não objetos” de Ferreira Gullar, um dos maiores inventores de idéias daquela época, e de quem, por admiração, sofri tremenda influência... Em 60, ainda neoconcreto, eu já havia escrito e projetado o que chamei de “movimentos vivenciais”, que em resumo eram grandes construções que através de labirintos, sons. Silêncios, escuridão e luzes ofuscantes e palavras carregadas de determinados conceitos, obrigavam o espectador, segundo definiu o crítico Roberto Pontual, a “... ativar e atingir o inconsciente pela envolvência dos choques de visualidade amalgamada a sons, palavras, materiais e tempo – a vida totalizada. Mergulhado e envolvido, o homem se conheceria, alfa ômega, retornando. Teria passado pelo frio e fogo de sua própria matéria”.

 – Descreva um de seus projetos de arquitetura vivencia.
– Vou descrever oque chamo de SÓ, que foi recentemente selecionado como um dos semifinalistas internacionais do Sysposion Urbanum de Nurnberg (1971), e já apesentado ao público carioca, sob o nome de Monumento Vivencial II. É assim: Externamente o monumento tem a forma de um grande cone com 10 metros de diâmetro de base e 10 metros de altura. É de concreto, tido fechado, sendo visível apenas uma porta de entrada ao nível do solo. Ao entrar por essa porta a pessoa vai descendo para o subsolo pois o piso é todo uma rampa. Tem que seguir por um corredor estreito (70 cm de largura), em forma de caracol, que se enrosca na direção do centro do monumento. Esse corredor é todo branco: paredes, chão e teto. Iluminação fortíssima e silêncio total (revestimento acústico em todas as superfícies). À medida que a pessoa caminha, o pé direito (distância do chão ao teto) vai-se tornando maior, pois o piso em rampa se entranha cada vez mais no subsolo, e o teto, formado pela parede do grande cone, vai subindo até atingir o vértice. Seguindo sempre por esse corredor de forma espiralada, de raio cada vez menor, chega-se ao centro depois de percorrer um longo caminho de branco, luz e silencio. Ao atingir esse centro, que é um círculo de um metro de diâmetro, o chão onde a pessoa está pisando começa a afundar. Para não cair, ela se agarra a um eixo que sai do círculo. As luzes se apagam. Agora a escuridão é absoluta, contrastando com o branco de intensa iluminação que ficou gravado na retina do espectador. O disco começa a descer lentamente, através de uma passagem estreita, para um subterrâneo mais profundo. Então, pára e começa a inclinar-se, obrigando a pessoa a descer. Ainda no escuro. O círculo, preso ao eixo, sobe automaticamente, deixando-a só. Luzes fortes acendem-se e ela se encontra, então, dentro de uma grande esfera (diâmetro aproximado de 4 metros) de plástico vermelho e transparente. A passagem por onde o disco subiu fechou-se. O isolamento torna-se completo. Dentro da esfera, o espectador olha para fora através do plástico vermelho e vê, apenas, acesa, uma imensa letra S da mesma escala (altura de 4 metros) e do mesmo material vermelho e transparente da esfera. O resto do ambiente, fora da grande bola e da letra S, está imerso em escuridão. No silêncio do subterrâneo, abandonada e incomunicável, a pessoa percebe, nesse momento, que foi deixada dentro da palavra SÓ, pois a bola onde se encontra, ao lado do gigantesco S, forma visualmente a letra O dessa palavra. Depois de algum tempo as luzes das letras começam a se extinguir, lentamente. No escuro, o disco, cujo fundo é verde fluorescente. O retorno ao mundo exterior é feito repetindo-se toda a experiência em sentido inverso. 

– Fala-se pejorativamente de uma estética acrílica, o que acha disso? 
– O que acontece é que há muita gente trabalhando (mal) com o acrílico, encantada com o brilho e as cores, sem saber realmente o que quer dizer, o que transmitir; usam o material pelo material, sem nenhum sentido mais profundo. Os escultores devem sentir arrepios quando veem os objetos de acrílico. Mas a verdade é que essa “estética acrílica” veio substituir a estética do bronze e do mármore, que não em quase nada, aqui. Depois do Aleijadinho, quantas coisas boas aparecem em escultura no Brasil? Realmente, parece estar nascendo uma floresta de acrílico no país. Mas já houve uma floresta de abstracionistas informais, de “pops”, de surrealistas eróticos, etc. Muita gente não cria: simplesmente copia e adapta objetos reproduzidos nas revistas italianas. Por isso, a floresta está crescendo tanto. 

– Qual a sua posição diante do múltiplo? 
– O múltiplo é como a gravura. Se esta pode ser reproduzida em número “X” de vezes sem que perca o valor, porque não um objeto? Para que e por que apenas uma pessoa privilegiada possa ter essa peça única, peça que poderia ser reproduzida, exatamente igual, dez mil vezes, permitindo a um número muito maior de pessoas a possibilidade de possuí-lo, também? Infelizmente os múltiplos, aqui no Brasil, ainda estão sendo feitos em caráter artesanal – não há ainda condições para industrializá-los, o que os tornaria, consequentemente, muito mais baratos. A democratização da obra de arte é, na verdade, uma utopia, por aqui. Uma gravura ou um múltiplo serão adquiridos por pessoas de algum poder aquisitivo. A grande massa, a imensa maioria, está preocupada com a próxima refeição, com as necessidades básicas da vida. Como pode se interessar em comprar arte? 

– Situe francamente o papel do mercado de arte no contexto atual da arte brasileira. 
– Como já disse, é óbvio, o pobre não compra arte. A classe média, pouquíssimo. Os de poder aquisitivo alto estão comprando cada vez mais, pois além de ser uma aplicação de capital (já que a Bolsa parece ter buraco no fundo), lhes confere uma aura de requinte, cultura, enfeitando (ou enfeiando) suas paredes. Evidentemente no meio disso tudo há uma minoria que realmente apurou o gosto estético, entende e gosta do que está comprando. O mercado de arte surgiu, então, como surgiu o mercado de automóveis ou de bananas. O mercado de arte despertou uma atenção de toda uma classe para esse setor, permitindo a muitos artistas viverem do próprio trabalho, coisa que não acontecia há alguns anos atrás. Evidentemente os “marchands” é que ficaram milionários da noite para o dia graças ao nosso trabalho, às vezes honestamente, seriamente, e muitas vezes graças à falta de informação, cultura artística e esnobismo dos compradores. O que se vende mais caro quase sempre nunca é o melhor. 

Osmar Dillon parece disposto para prosseguir, noite à dentro. Sobre a existência de uma vanguarda na arte brasileira, é taxativo e conclusivo: 

– Vanguarda, literalmente, não. Os movimentos de vanguarda têm surgido nos Estados Unidos e Europa e depois são seguidos por alguns artistas brasileiros, às vezes com anos de atraso. Já não são, portanto, vanguarda. Há grupos fechados que se reúnem e lançam manifestos cabalísticos, com termos transcendentais, que espremidos não deixam sair uma só gota de conteúdo. Há uma grande falta de intelectuais teóricos, que se interessem com profundidade no assunto. O artista jovem brasileiro assimila coisas pela superfície, não vai até a essência. Tudo passa muito rápido, não há tempo nem condições para grandes estudos. O jeito é curtir. E nessa curtição os anos passam sem que nada de sério surja na nova geração. No Salão de Verão este ano, organizado pelo “Jornal do Brasil”, para artistas jovens ainda não premiados, o número de obras com alguma proposta nova foi irrisório, quase nulo. Havia muito desenho surrealista-erótico, muitas montagens convencionais e pinturas quase abstratas. Muita curtição e nenhuma vanguarda. Os “Domingos da Criação”, organizado por Frederico Moraes foram as últimas manifestações a propor alguma coisa nova, alguma atitude nova perante as arte. 

A TRIBUNA – Santos, 29 de julho de 1973.

sábado, 6 de junho de 2015

SZANIECKI ANO V: A MAIOR GALERIA DO PAÍS

Fachada de concreto aparente, vegetação ambiental à entrada, estruturas ao ar livre, amplo salão de exposições com duplo pé direito, iluminação zenital, teto de acrílico, vidros blindex separando as salas da direção e administrativas, aços cromados nas paredes lisas, móveis de vidro e acrílicos transparentes, painéis corrediços, trilhos especiais para mostragem das obras, dois painéis homenageando críticos e escribas - entre os quais Julio de Mesquita Neto, Otávio Frias de Oliveira, Mario Schemberg, José Geraldo Vieira, Olney Krusse, Ed Nam, Adolfo Block, Gilberto Adriem - essa é a nova A Galeria-72, sob a direção dum cabeludo baiano que, em 5 anos, ganhou vitoriosamente a praça do mercado de arte em São Paulo. Ao lado de sua mulher Belinha, Valdemar Szaniecki atende aos jornalistas, críticos, convidados especiais, o pessoal do Bancional, que o financia, o jovem engenheiro Adolfo Kracochanski, que ergueu ali no prédio n. 1.111 da Rua Haddock Lobo, a mais bela e moderna galeria do Brasil. Hoje é o dia da apresentação da galeria à imprensa, de homenagear um pintor do primeiro time e da primeira hora - Rebolo Gonsales - de anunciar a São Paulo que a Galeria inaugura oficialmente dia 21 próximo, com José Geraldo Vieira organizando ali a mostra retrospectiva dos 50 anos da arte brasileira - da Semana de 22, até nossos dias. 
Valdemar Szaniecki

O Rebolinho já está no terceiro uísque, bem controlado pelo genro Antonio Gonçalves. Jose Geraldo está dizendo que a arte de Rebolo se confunde com a arte brasileira. Noêmia. Maria Leontina, Dirce Pires, Valter Levy, o mameluco Aldemir, Wesley Duke Lee, Mabe, Caciporé Torres, Calabrone, Chico Diabo, Luiz Martins, Victor Civita, Napoleão de Carvalho e Carlos Coelho, todos andam e reandam pelas galerias modernas da galeria. Ela está repleta agora. Gentes que andam e transam, fotógrafos, garçons, nas paredes concretas as telas de Di, Volpi, Bonadei, Mabe, Guignard, Flávio, Mirabeau, Caribé, Janner, Tarsila, Teruz, Di Petre, Ismael Nery - telas, antigas e novas, dos maiores artistas do país, a mostra que Valdemar Szaniecki, mais que vender fácil, - sabe comprar bem.

Waldemar nos conta que tudo começou quando em março de 67 instalou “A Galeria” na Bela Cintra, 741, inaugurada na noite de 27 de junho daquele ano. “A Galeria” teve sua fundação numa época de plena afirmação do mercado nacional de arte. A rápida expansão desse mercado e o alto nível das artes plásticas brasileiras passou a exigir novos métodos de trabalho e apresentação das galerias com as novas solicitações do meio cultural e artístico... “No entendimento desse problema buscamos a execução de uma obra arquitetônica adequada às atividades específicas de uma galeria de arte”. 

O terreno da Rua Haddock Lobo, entre as Alamedas Franca e Tietê foi confiado ao arquiteto Maurício Kogan, que elaborou o projeto. Os artistas plásticos Caribé e Mário Cravo foram convocados para em conjunto com o arquiteto debaterem as diretrizes e filosofia que nortearam o projeto final. As obras foram executadas pelo engenheiro Adolfo Kracochansky que resultaram numa galeria de arte com instalações no melhor nível internacional. Com o fundo da fachada de concreto aparente e vegetações, as esculturas expostas de Mário Cravo, Caciporé, Calabrone, Cravo Neto valorizam a paisagem urbana local. 

O visitante ao entrar na Galeria tem seu caminho junto às esculturas, visualizando-as em vários ângulos sucessivos na sua caminhada. Os jardins foram projetados para propiciar condições ambientais às obras. O grande salão de exposições de pé direito duplo possui iluminação zenital natural por teto de acrílico. Deste salão divisam-se os três jardins de esculturas através de amplos vidros blindex, buscando-se a integração do verde e natureza do edifício. 

Todo o espaço interno é de uma arquitetura neutra. O branco e o concreto à vista e o aço cromado são as únicas cores existentes. Um espaço gerado para as obras de arte e que se completa com elas. O mobiliário é todo em vidro e acrílico transparente e de estrutura de aço cromado para evitar interferências visuais nas obras expostas. Um balcão no salão de exposições propicia visitação superior onde as obras podem ser observadas em novos ângulos. 

O acesso ao acervo é feito pelo 2º jardim de esculturas entre plantas e obras. O salão do acervo possui 50 painéis verticais brancos corrediços, onde as obras são penduradas. O deslocamento dos painéis dá condições de rápida classificação de 500 obras, permitindo facilidades de apresentação, inéditas ainda no Brasil. O setor administrativo com circulação própria independente possui sala administrativa de funcionários, sala de diretoria, sanitários, sala de imprensa, com equipamento de projeção de filmes, “slides” e arquivos. 

Com seus belos olhos pretos de romena, Rica Chiriac é a amável gerente da nova A Galeria. Ela atende aos convidados, uma dose mais de JB não faz mal a ninguém. Na secretaria envidraçada estão Daisy, Sônia e Helena, sempre dispostas a mil informes e ajudas. Edésio, auxiliar imediato, está vistoso no uniforme de gala. Waldemar tem o ar cansado e feliz, não quer mais posar para o veterano Jarbas Marcondes, afinal sua luta na doida Paulicéia, onde aportou há alguns anos, está ali vitoriosa, em concreto e aço - arte. Tribuna de Santos, 10 de setembro de 1972. 


SZANIECKI: A arte de vender arte 

É fácil vender arte brasileira na capital, dura, fria, desumana, apressada, poluída, urbe cosmopolita que mais cresce no mundo, na cidade gigantesca de 7 milhões de habitantes? 

Waldemar Szaniecki, baiano, advogado, compositor popular (parceiro de Tom Zé), dono de “A Galeria”, marchand de tableaux de grandes nomes de plásticos brasileiros: 

– Não. Tem seus truques, mas, com o desenvolvimento gradual do país, de uns anos para cá, o artista nacional passou a ser reconhecido, conquistou um mercado específico de arte, que, hoje, nós lutamos para defender e ampliar. 

Ele recebe uma esplendorosa série de nus de Genaro. A mostra será inaugurada dia 18, sob patrocínio de Sylvia de Assunção Sodré, e todas as telas estão vendidas. Waldemar considera a compra de obras de arte um bom investimento, nos tempos atuais. 

– A arte é uma forma inteligente de investir, a mais segura. Quem compra um quadro de nossos bons artistas, hoje, pode vendê-lo mais tarde, com lucros superiores a quaisquer outros tipos de investimentos. O mercado de arte, hoje em dia, supera mesmo os de ações ou de imóveis. E note, uma boa obra de arte, hoje em dia – seja ela pintura, escultura, desenho ou gravura – pode ser vendida a qualquer tempo, dentro mesmo de uma crise social ou financeira. 

A MULHER COMPRA 

– Quem compra a obra de arte, o homem ou a mulher? 

Waldemar explica que, tempos atrás, só os homens decidiam sobre as telas a comprar. Hoje é a mulher que, Na maioria das vezes influi decisivamente na compra, se ela mesma não comprar. 

– Muitas de nossas clientes compram pinturas com o dinheiro de suas mesadas. O marido só vê as obras quando ela está nas paredes de sua casa. Aliás, a maioria delas prefere ganhar um Mário Cravo ou um Lula Cardoso Ayres, ou um Jenner Augusto, que uma joia, cara ou rara. 

Segundo ele, a arte brasileira tomou conta definitivamente dos salões da sociedade, derrubando Picasso, Matisses, Braques e as gravurinhas inglesas tão a gosto dos esnobes das últimas décadas. 

Nesse ponto, Waldemar diz que inovou, criando um sistema de vendas a prestações, financiadas pelo Banco Nacional do Comércio de São Paulo. 

A ARTE DE VENDER 
Victor Civita, um dos melhores amigos (e compradores) de pintura brasileira, telefona. Quer lançar um pintor novo. Szanieck topa. Nasceu em Salvador, na rua da bengala está residindo em São Paulo, dos quais 4 foram passados entre a França, Europa e Bahia. Tem orgulho de ter sido aluno de Orlando Gomes, Josafá Marinho, Aliomar Baleeiro, Aloísio de Carvalho Filho e Jairo Simões. 

Na sua terra foi jornalista profissional (turismo). Numa de suas viagens a S. Paulo conheceu Belinha, sua mulher. Os dois filhos são paulistanos, “e adoram a Bahia”. Estudou na Faculdade de Direito de S. Paulo. 

– Devo o que sou a muitos amigos, aos meus incentivadores, Jorge Amado, Caribé, Fernando Coelho, Concessa Colaço, Darcy Penteado, Loty Oswald, entre outros tantos artistas, hoje todos exclusivos de minha galeria, aos quais sou imorredouramente grato. 

Szaniecki gosta de dizer que “A Galeria” é um consulado da Bahia em São Paulo. Seus 11 funcionários já se acostumaram ao trabalho com esse baiano palrador, amigo dos artistas, vendedor de pintura brasileira que, agora, na Paulicéia Desvairada, já estão lado dos maiores “marchands” de São Paulo: César Luís Pires de Mello, Sofia Tassinari, Biaggio Motta, Emy Bonfim. 

São 10 horas da noite. É uma cliente ao telefone: – Recebi uma talha de Zu Campos que ficará bem em sua casa... Seu marido?... Ele vai gostar. Se não, você devolve... Claro, faço em, 5 pagamentos suaves, minha filha. 

Um feliz cavalheiro

“A Galeria” apresenta uma coletiva de artistas baianos... O público paulista está alegre... Creio, porém, que o mais feliz com tido isso é um cavalheiro de nome Waldemar Szanieck – advogado, cronista, letrista de música popular. Sendo tanta coisa e fazendo bem cada uma delas, não se contentou com elas e estabeleceu-se em São Paulo. Podem pensar que ele o fez para ganhar dinheiro; mas creio eu que Waldemar criou uma galeria principalmente para expor os artistas baianos, pois ele próprio é um baiano lutando em São Paulo, mas vivendo na saudade da Bahia, criada por seus artistas; com que paixão organiza as mostras dos escultores, pintores, entalhadores da Bahia! 
(JORGE AMADO, apresentando o catálogo de ”Artista da Bahia”, mostra de “A Galeria”, 1969).

MARCELO GRASSMANN


Marcelo Grassmann (1925-2013)

Marcelo Grassmann, um dois mais importantes artistas brasileiros expõe a partir de 20 de agosto (com inauguração marcada para as 20 horas) gravuras e desenhos na galeria de arte do Centro Cultural Brasil-Estados Unidos, à Rua Jorge Tibiriçá, 5, aqui em Santos. A apresentação de Grassmann é feita por seu velho amigo e incentivador Geraldo Ferraz, com estas palavras, desde seu retiro de Ilha Verde, em Guarujá: 

– De 1944 a 1946 dedicamo-nos à crítica de arte, no “O Jornal”, no Rio de Janeiro, e foi nessa quadra, já no fim, que deparamos com Marcelo Grassmann e mais três companheiros, expondo na Cinelândia. A vinda para S. Paulo, logo depois, levaria a uma aproximação maior, a uma avaliação maior do desenhista e gravador que hoje pela primeira vez se apresenta ao público de Santos. 

Marcelo Grassmann dispensa certamente que se fale de sua gravura. Os trinta anos quase decorridos daquela data acima assinalada deram à sua vivência de artista uma continuidade ascensional como poucas se têm verificado no país. Adstrito aos temas que se desdobraram na fidelidade de sua visão adstringentemente original, entre o visionário e o fantástico, Grassamann paira acima de qualquer discussão. Ele pertence à arte maior. 

Revê-lo, então, em sua mesma configuração física, em seus gestos de amarga perquirição, olhos cansados de comtemplar as imagens que povoam sua noturnidade romântica, e que ele avalia e indaga e fusiona, é recordar como não se alterou essa individualidade, em sua evolução ao longo do tempo. A identificação se faz simplesmente e fácil, como se na véspera estivesse estado aqui, conversando, amigo, contando, ouvindo, lembrando. 

A respeito de sua exposição em Santos, Grassmann atendeu a “A Tribuna” em sua casa em Santo Amaro, SP, dizendo de sua satisfação em conviver com os santistas, na CCBEU, a convite de d. Nazareth. Foi respondendo com simplicidade às nossas perguntas, primeiramente sobre seu dia-a-dia: 

Água forte de Marcelo GRassmann
“Acordo cedo, faço café e tomo banho, leio jornal. Vou para o ateliê mexer nas coisas, trabalhar, etc. Ao meio dia assisto ao noticiário, almoço, cochilo (quando posso) e volto ao atelier. Se vem algum amigo, converso (não consigo trabalhar com gente perto). Gosto de animais e tem sempre um gato ou um cachorro à minha volta. À tarde saio um pouco para ver alguém ou alguma galeria. Volto para casa para jantar, ver TV (filmes, noticiário, documentários, sem medo de lavagem cerebral). Isto me lembra um bolsista acadêmico que não ia ao Louvre para não se influenciar... Assim, penso que aquilo que chamamos lixo cultural ou comunicação de massas ou o que quer que seja, me dá uma visão do dia-a-dia distorcida ou não. O problema é meu julgar”. 

Nesse ponto, conclui Grassmann: 

“Quanto à minha informação como artista, devo muito a Geraldo Ferraz, com quem trabalhei até 1949. No Suplemento do Diário de São Paulo, ilustrando e absorvendo seus artigos e críticas. Havia ainda o Clube dos Artistas e muitas conferências. Não sou de escrever, no máximo, de conversas. No entanto, mantive correspondência –quando passei 2 anos na Europa – com Arnaldo Pedroso d’Horta e Oswaldo Goeldi”. 


– E quanto às suas técnicas? 

“Comecei com xilogravuras, autodidaticamente, depois fiz água-forte, com Henrique Oswald, no Liceu do Rio de Janeiro, em 1949-1950. Fiz litografia com Poty, que estava aprendendo e ensinava o que aprendia. Mais tarde (1954) passei um ano só fazendo litografias em Viena. Voltando ao Brasil, depois do prêmio de viagem, parei com xilogravura e fiquei em metal e pedra”. 

– Alguém o influenciou? 

“O mundo fantástico de Kubin me fascinava. Escrevi a ele querendo conhece-lo. Recebi uma carta maravilhosa em que ele me dizia que onde houvesse um desenho seu estaríamos nos comunicando na linguagem internacional das artes. Disse também onde poderia ver coleções de desenhos seus e mandava ao seu velho amigo Goeldi suas lembranças”.

"Em 1954, tendo ganho o Prêmio de Viagem no Salão Nacional de Arte Moderna, passei algum tempo em Viena. Nosso grande Goeldi, que se correspondia regularmente com Kubin, de quem recebera conselhos e estímulo, apresentou-me ao grande artista. Não o encontrei, contudo, mas ele, de seu castelo em Zwickledt, me escreveu uma carta, que guardo devotadamente, e que, até agora inédita, é desconhecida do grande público. Devo ainda esclarecer que, nessa época, recebi influência básica de Kubin, dos expressionistas alemães, de Bosh e de Brueghel. Em 20 de agosto de 1959 morria Kubin, aos 82 anos de idade. Dois anos depois, em 1961, morria Goeldi - esses dois mestres, a quém muito devo. A carta de Kubin para mim, em alemão, devidamente traduzida, é esta: 

Estimado senhor Marcelo Grassmann: 

Em alemão há um ditado que diz: “O que Deus uniu o homem não deve separar”. Na língua internacional da arte, podemos nos comunicar, sempre que surja uma obra das minhas mãos, mesmo que sejam alguns traços. Você irá sentir minha presença. Meu corpo envelheceu. 

“Não há nada em comum entre meus rastros espalhados e o meu corpo com tão pouca saúde, vegetando e precisando de solidão etc. Muito menos com o forte cansaço que me atormenta. 

“Por tudo isso a meu ver seria melhor se procurasse esses rastros nas coleções oficiais e também no arquivo Kubin, em Hamburgo. 

“Isto é que de mais importante lhe posso dizer. “

De coração, do seu a) Alfred Kubin “Saudações ao Oswaldo Goeldi”. 

Grassmann diz que situar um artista numa tendência ou escola cabe acrítica e assim são coisas feitas a posteriori. Exemplo: “impressionismo”, nasceu depois dos quadros feitos, como todo mundo sabe. Reconhece a tônica do expressionismo em seu trabalho. 

“Dificilmente poderia dizer quantas gravuras fiz, menos ainda quantas cópias. Aqui vão alguns números: Xilogravuras – aproximadamente umas 200, com tiragens variando de 20 ou menos; Litografias – 100 e tantas com média de 6 a 8 cópias por matriz; Água forte – cento que cento e tantas variando a tiragem de prova única – 20 cópias ou 60 cópias. Restam poucas matrizes (menos de 1/3) do que fiz em metal. Das xilos, nem um décimo. E das litos, nada, pois foram apagadas depois de impressas”. 
Sem título - 1945

Sobre gravura brasileira, fala o artista: 

“Carlos Oswald, Goeldi, Lívio são a base de tudo o que se fez em gravura no Brasil. O que se ensinou depois, inclusive Friedlander no Museu de Arte Moderna do Rio são acréscimos dispensáveis e até prejudiciais onde a “cozinha da gravura floresceu e ajudou a enterrar os menos avisados. 

Segundo Marcelo Grassmann os jovens têm hoje mais oportunidade que em qualquer época: 
“Há facilidade de informação técnica e até de mercado”. E mostra-se, respondendo à nossa última pergunta inteiramente favorável à criação de um Museu da Gráfica, onde caberia também, o desenho. 

A TRIBUNA, 17 de agosto de 1975. FOLHA DE SÃO PAULO, setembro de 1976.

ROGER BASTIDE: a última entrevista – artistas e literatos

Quando de sua última estada entre nós – antes de morrer em Paris, a 11 de abril (1974) – o sociólogo francês Roger Bastide falou sobre o Brasil, seus livros, sua obra na Universidade de São Paulo e outros temas, à socióloga Lisbeth Rebolo Gonçalves, que se interessou também em saber de Bastide sobre suas relações com os artistas de nosso país, ao tempo em que trabalhou em São Paulo. A entrevista assistida por este repórter foi publicada no jornal “Presença do Livro”, dirigida por Antônio Fernandes neto, que encomendou expressamente o trabalho à jovem pesquisadora. Profundo conhecedor dos problemas brasileiros – aqui vivei 17 anos –, a entrevista de Bastide à Lisbeth Gonçalves é talvez o último pronunciamento entre nós, o que dá ao texto – e aos trabalhos que Lisbeth Gonçalves elabora sobre a importância artística e histórica do Grupo Santa Helena – uma dimensão maior. Daí a razão de sua transcrição aqui. Diz Bastide inicialmente: 

“Pertenci à segunda turma de professores que vieram lecionar na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da USP, juntamente com Fromont, Bonzon, Jean Gagé, Pierre Momberg, com contrato de 10 anos, mas acabei ficando 17 anos no Brasil. E, como professor, minha preocupação não era apenas a de ensinar, mas de desenvolver um sentido crítico, o humanismo, a sensibilidade, em relação a uma profissão que se estava formando aqui. Minha função, bem como a de meus colegas, era também, a de formar bons professores que nos substituíssem, quando fossemos deixar o Brasil. Na minha área, a Sociologia, foram meus alunos e estavam preparados para lecionar, Costa Vilela, Mario Wagner Vieira da Cunha e Florestan Fernandes que, ao se doutorar, assumiu a cátedra de Sociologia. 


Adicionar legenda
Perguntado se a Sociologia ensinada naquela ocasião prendia-se a tradições francesas, Bastide explica que sua preocupação, com professor a serviço no Brasil, não podia ser a de se desenvolver aqui uma cultura francesa. 

– Em sociologia, eu abordava tanto a corrente norte-americana como a alemã e a francesa, na medida em que tinham conceitos válidos e minha preocupação era, antes de tudo, que se criasse uma teoria aplicável à realidade do Brasil. E, agora, minha satisfação é ver que, tantos nos Estados Unidos coimo na Europa, se fala dos sociólogos brasileiros como se fala dos americanos e dos franceses. 

E sobre as pesquisas que desenvolveu, paralelamente à sua atividade de professor, Bastide diz: 

– Desde que cheguei ao Brasil – quando desembarquei no Rio de Janeiro, era dia de carnaval – desejei conhecer a sua realidade a fundo. Estava, então, para desenvolver minha tese de doutoramento e resolvi estudar as religiões africanas no Brasil. Mas outros aspectos também me interessaram. Sempre aproveitei as férias para viajar e pesquisar. Convivi, também, com literatos e pintores da época. 

Roger Bastide fala de Osvald e Mário de Andrade, de Tarsila, de Flávio de Carvalho e lembra que a seu convite fez no segundo Salão de Maio, uma conferência sobre Pintura e Misticismo, criando-se, a partir daí, um elo de aproximação com os pintores brasileiros. Recorda-se, com carinho, de Sergio Milliet que era, então, diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo. 

– Foi lá, através do Sérgio, que travei contato com Rebolo, Graciano, Quirino da Silva e tantos outros. 

Respondendo a uma pergunta sobre contribuições que prestou à imprensa naquela época, diz que revistas e vários jornais lhe pediam artigos – O Estado, a Folha, os Diários Associados – e que fazia questão de dar predominância e abordagens em torno de temas brasileiros, quer sociológicos, quer artísticos. 

Uma coisa Bastide faz questão de ressaltar: 

– Encontrei nos artistas brasileiros a vontade de criar uma pintura que não fosse imitação da americana ou europeia e, embora se utilizassem de técnicas de fora, realmente os pintores conseguiam fazer uma arte brasileira. Tarsila, por exemplo, procurava a expressão simbólica da cultura brasileira. Rebolo, no seu lirismo pictórico, captava a poesia da paisagem brasileira. Entre os ”naifs”, como Heitor dos Prazeres, tudo era bem brasileiro. 

Das contribuições de Roger Bastide à cultura brasileira, na literatura científica, destacam-se Imagens do Nordeste Místico; Sociologia e Psicanálise; Arte e Sociedade; Introdução à Psiquiatria Social; Estudos Afro-Brasileiros; Poetas do Brasil; A Poesia Afro-Brasileira; Relações Raciais entre Negros e Brancos em S. Paulo (realizado em cooperação com Florestan Fernandes). E outros tantos avulsos, como O Islã Negro no Brasil; A Monografia Familiar no Brasil; Nas Américas Negras; África ou Europa; Estudos de Literatura Brasileira; Sociologia na América Latina; Os Equilíbrios Sociais-religiosos e Brasil Terra de Contrastes, que, no presente momento, está preparando para a reedição em francês. 


Este último livro, segundo Paulo Duarte, seu prefaciador na edição portuguesa, mas que uma análise propriamente sociológica, é uma divulgação do Brasil feita por um sociólogo altamente especializado nas coisas do Brasil. Disseca a sua realidade em 12 capítulos, onde transparece o afeto indisfarçável do autor pelo personagem, o que não impede que o veja através da serenidade do sociólogo. É um livro que se destina a fazer com que melhor se conheça e se goste do Brasil. 
A TRIBUNA SANTOS, 5 de maio de 1974. 


DAREL – Ginasta e sensível, artista imprevisível


– Não faço trabalhos por encomenda. Meus quadros surgem inesperadamente. Depois de várias tentativas. Vivo dentro dessa norma obstinada, uma decisão cujos resultados são imprevisíveis. Meus trabalhos obedecem a esse princípio. Eles surgem vagarosamente, atendendo somente à minha necessidade de fazer arte. Assim procedo, assim tenho procedido como artista. 

Darel Valeça Lins é um pernambucano alegre e conversador que mora no Rio e vem frequentemente a S. Paulo. Na transa das duas metrópoles, não deixa a ginastica diária, nem o rigoroso regime alimentar que o torna um quase cinquentão enxuto e disposto. Ouve música clássica todos os dias – sua discoteca é uma das melhores do Rio – e se confessa ainda fanático pelo cinema de far-west. Ele fala loquazmente de sua arte que é “invocada e evocada de uma visão interior”, conforme o crítico Mário Pedrosa. 

– Procuro sempre organizar, dentro de um clima poético, pássaros e máquinas, máquinas e gente, ente e topografia e cidades, coisas, enfim, que reinam fragmentadas em meu espírito... Muitas vezes ele transparece a influência do meio social em que vivo, tudo o que esteja relacionado a uma realidade do homem. 

Ele se senta no chão carpetado da galeria no Sobrado, de Cima Grimberg e Tãnia Kanner, onde expõe seus últimos óleos. É um falador incorrigível, deflagrando a conversa com um manso acento, mais que o sotaque nortista. Recorda os primeiros tempos no Rio, os desenhos e ilustrações que fez para a “Última Hora”, “Flan”, “Revista da Semana” e “Manchete”, ilustrando as páginas de Nelson Rodrigues, Vinicius, Rubem Braga, Marques Rebelo. Conta de sua viagem à Europa, o encontro com Morandi na Itália. A uma pregunta que fez a esse mestre da arte contemporânea sobre a arte atua, respondeu Morandi, junto à janela de sue quarto, mostrando a natureza lá fora: 



– Precisamos reencontrar a confiança que perdemos na natureza. Não nesta que nós vemos. Mas naquela que nós acreditamos. Aquelas que temos diante de nós. 

Darel tira os óculos, agora está de pé, a galeria tem o teto baixo, é um sobradinho de três andares. Moandi ensinou-o a ver dentro de si, comenta alto. 

– Antes da lição de Morandi fazia tudo dentro de quatro paredes, nunca tinha olhado o horizonte que temos dentro de nós mesmos, esse encontro, decisivo na minha arte, desencadeou o interesse para o que via em torno de mim e dentro de mim. Fiz e faço, pois, desde então, uma arte que não vejo, mas “creio”... Não é a máquina do mundo exterior que conta, mas a que está dentro de mim... Assim, evidentemente, não me ligo às formas estereotipadas da natureza, nem às fontes de transpiração e imagens tradicionais. Sou assediado por idéias que surgem com força irreprimível e que devem ser traduzidas por sinais inventados. 


Um gato nas m]ão
Fala do pai, Antonio Lins, comerciante em Palmares, PE, quem morreu de enfarte (dai sua luta diária contra as gorduras) e da mãe, Iracema, pernambucanos de muita fibra, e do bisavô que não conheceu, coronel de engenho. Ana Lúcia, a bela morena secretária do Sobrado, serve o chá das cinco. Darel toma lentamente a infusão, come fatias de maçã entre outras dum bom queijo mineiro. 

– Não sou um homem rebuscado, não tenho temperamento para ser um artista estratificado. Quando me aplaudem, passo para outra técnica... Há dois anos que não faço gravura, pode ser que volte a gravar, ou fazer objetos, esculturas... Sou imprevisível na minha arte. Atualmente, tenho feito só pinturas a óleo e, nelas, está surgindo a cor, o que é muito bom, estou gostando... Só faço arte assim usando mais sentimentos que lógica, quero essa arte brotada naturalmente dentro de mim. 

A mulher, Maria Elisa Botelho Byington, de tradicional família paulista, está no Rio, na ampla e vistosa casa de 700 metros quadrados, em São Conrado. Darel e cunhado do ex-ministro Paulo Egydio Martins, casado com a irmã de Maria Elisa, “um bom papo, um grande conhecedor de arte, um ótimo amigo meu”. Os filhos são dois, Bruno, de 18 anos, do primeiro casamento, que cursa o científico, a Mariana, de 3 anos. Seu ateliê tem uns 50 metros quadrados. Darel trabalha com método e paciência.

– Não trabalho mais que seis horas por dia , quando vejo que começo a me repetir, paro... O que chamo trabalhar é a entrega total dentro de um plano criativo que não pode ser confundido com produção volumosa nem indiscriminada. Dai porque altero os períodos de trabalho com o cinema, as corridas na praia e os jantares de queijos & vinhos, com os amigos certos, Ronaldo Vertes, Lia, Maria Cecília, Newton Cavalcanti Grassman, Hélio Pelegrino e tantos outros. 

Ana Lúcia está duvidando que o artista cora na praia, diariamente, 2.400 metros em 12 minutos. Darel está na categoria boa do Teste de Cooper. Darel confirma e diz que, ultimamente, está mergulhado em seus discos clássicos – sua coleção, conta, não é só é numerosa como é da melhor qualidade.

– Estou saindo agora de Mahler, estive acampado nos barrocos até recentemente, sabe, sou um sensual, um sensitivo, gosto das coisas sensíveis e de sensibilidade... O ouvido é um sentido poderoso, por isso gosto de ouvir música, de ouvido, eu que não conheço uma só nota de partitura... 

Darel fala dos discos que coleciona e ouve, só compra gravação importada, discos perfeitos – seu aparelho de som é uma fábula, não ficou por menos de uns 20 milhões antigos. 

Afora a música, as leituras: Kafka, Dostoievski, Graciliano Ramos, Faulkner. Confessa sua pouca disposição para ler os jornais diários, mas lê semanalmente a revista “Veja”, que considera excelente, e onde atualiza seus conhecimentos gerais. Detesta TV de forma total. Fala de novo, respondendo à Cyma, de suas pinturas atuais, usando agora óleo diluído sobre as telas, fazendo “uma pintura gráfica como aquarelas”, com técnicas novas. E em algumas pinturas aparecem quadros com identificações, cores, uns arco-íris coloridos entram como novos elementos. Darel vende bem nas praças paulista e carioca, ele se diz “um péssimo negociante”, por isso se socorre das galerias para vender. Acha que já fez nesses vinte e poucos anos de arte, umas 4.000 gravuras, uns 1.000 óleos. Recorda-se de seus tempos de professor de gravura em São Paulo: 

– A arte brasileira atual está dentro da dinâmica do nosso país, diferente da do resto do mundo, e isso não é novidade, já me dizia o Bonino em 1960, no Rio... Tudo entre nós se faz agora com impulso criativo maior, seja no esporte, na empresa, na cultura... Fazemos hoje uma arte eminentemente dinâmica, repito, com grandes valores em todos os campos, da figurativa à abstrata, da concreta à cinética... Quanto à Bienal, cumpriu o seu papel inovador, de centro difusor da arte contemporânea das décadas passadas mas necessita agora reformulação e deve tornar-se agora um encontro efetivo do artista brasileiro com a comunicação moderna... Não critico a Bienal, contudo, com olhos políticos, aliás, não aceito jamais um ditador, daí confesso a minha aversão pública, seja ao comunismo, como ao fascismo. 

Ana Lúcia ginga sua morenice faceira pela galeria, consegue ligar agora para seu noivo. Quatro estudantes do Colégio Assumpção, ali de perto, entram ruidosamente, espiam com curiosidade as telas de Darel, olham inquisidoramente o artista, comentam sobre sua calça vistosa, borde, suas botas reluzentes. Cyma consegue tudo, faz Darel definir-se: 

– Acho que sou meio kafkiano, com contínuas voltas à realidade... Sou um sentimental que gosta de gente... Todos os anos, pego meu Volks e vou até Ouro Preto, Pernambuco... Sim, sou um sensível e irreprimível... Acredito que seja meio esquizofrênico, muitas vezes me desintegro... Mas, graças à Deus, volto à realidade, sempre. A TRIBUNA – SANTOS, 7 de maio de 1972. 

A linha sensível de Darel 

“... A linha em Darel não é para ser lida, mas para invocar, evocar uma visão interior, que está por trás das aparências”. – Mário Pedrosa (1962). 

“... O traço largo do desenhista e o corte vigoroso do gravador configuram estruturas maciças de objetos que, pelos valores do claro-escuro, adquirem uma vida de mistério e uma surda irradiação.” – Aníbal Machado. 

... Darel é, sem a menor dúvida, hoje, um dos mais importantes, mais seguros e mais honestos artistas do Brasil. – Lúcio Cardoso. 

No Brasil de desenhistas superficiais, ilustrativos ou de vaguidades abstratas ou inanimadas, a lição do desenhista substancioso de Darel é preciosa. – Mário Pedrosa. 

A maior dificuldade na análise crítica de Darel está em se reconhecer o caráter ético de sua obra. Todo o conflito situa-se em evitar o maneirismo, a facilitação com que o talento e habilidade costumam atraiçoar os desprovidos de autocrítica. – Clarival do Prado Valadares. 

... Através de sua arte, vai Darel se libertando de seus fantasmas para benefício das artes plásticas brasileiras. Por seu desenho, ganharam uma força e importância que já não é possível desmerecer. É só examinar com os olhos do corpo e se possível, da consciência. – Vinícius de Moraes. 

 Sonhar e realizar são o ideal de um homem, de uma mulher. Beleza e pesadelo marcam a obra de Darel. Darel vive os seus sonhos não como homem... Em Darel há uma preocupação com a totalidade do ser humano na sua plenitude. O choque impotente do indivíduo diante da máquina. Trata-se de um grande artista e tenho que falar no resplandecente mistério de sua obra. Dela emana, tanto da gravura, quanto do óleo ou do desenho, o grande mistério de viver. – Clarisse Lispector.