ÍNDICE:

sábado, 6 de junho de 2015

DAREL – Ginasta e sensível, artista imprevisível


– Não faço trabalhos por encomenda. Meus quadros surgem inesperadamente. Depois de várias tentativas. Vivo dentro dessa norma obstinada, uma decisão cujos resultados são imprevisíveis. Meus trabalhos obedecem a esse princípio. Eles surgem vagarosamente, atendendo somente à minha necessidade de fazer arte. Assim procedo, assim tenho procedido como artista. 

Darel Valeça Lins é um pernambucano alegre e conversador que mora no Rio e vem frequentemente a S. Paulo. Na transa das duas metrópoles, não deixa a ginastica diária, nem o rigoroso regime alimentar que o torna um quase cinquentão enxuto e disposto. Ouve música clássica todos os dias – sua discoteca é uma das melhores do Rio – e se confessa ainda fanático pelo cinema de far-west. Ele fala loquazmente de sua arte que é “invocada e evocada de uma visão interior”, conforme o crítico Mário Pedrosa. 

– Procuro sempre organizar, dentro de um clima poético, pássaros e máquinas, máquinas e gente, ente e topografia e cidades, coisas, enfim, que reinam fragmentadas em meu espírito... Muitas vezes ele transparece a influência do meio social em que vivo, tudo o que esteja relacionado a uma realidade do homem. 

Ele se senta no chão carpetado da galeria no Sobrado, de Cima Grimberg e Tãnia Kanner, onde expõe seus últimos óleos. É um falador incorrigível, deflagrando a conversa com um manso acento, mais que o sotaque nortista. Recorda os primeiros tempos no Rio, os desenhos e ilustrações que fez para a “Última Hora”, “Flan”, “Revista da Semana” e “Manchete”, ilustrando as páginas de Nelson Rodrigues, Vinicius, Rubem Braga, Marques Rebelo. Conta de sua viagem à Europa, o encontro com Morandi na Itália. A uma pregunta que fez a esse mestre da arte contemporânea sobre a arte atua, respondeu Morandi, junto à janela de sue quarto, mostrando a natureza lá fora: 



– Precisamos reencontrar a confiança que perdemos na natureza. Não nesta que nós vemos. Mas naquela que nós acreditamos. Aquelas que temos diante de nós. 

Darel tira os óculos, agora está de pé, a galeria tem o teto baixo, é um sobradinho de três andares. Moandi ensinou-o a ver dentro de si, comenta alto. 

– Antes da lição de Morandi fazia tudo dentro de quatro paredes, nunca tinha olhado o horizonte que temos dentro de nós mesmos, esse encontro, decisivo na minha arte, desencadeou o interesse para o que via em torno de mim e dentro de mim. Fiz e faço, pois, desde então, uma arte que não vejo, mas “creio”... Não é a máquina do mundo exterior que conta, mas a que está dentro de mim... Assim, evidentemente, não me ligo às formas estereotipadas da natureza, nem às fontes de transpiração e imagens tradicionais. Sou assediado por idéias que surgem com força irreprimível e que devem ser traduzidas por sinais inventados. 


Um gato nas m]ão
Fala do pai, Antonio Lins, comerciante em Palmares, PE, quem morreu de enfarte (dai sua luta diária contra as gorduras) e da mãe, Iracema, pernambucanos de muita fibra, e do bisavô que não conheceu, coronel de engenho. Ana Lúcia, a bela morena secretária do Sobrado, serve o chá das cinco. Darel toma lentamente a infusão, come fatias de maçã entre outras dum bom queijo mineiro. 

– Não sou um homem rebuscado, não tenho temperamento para ser um artista estratificado. Quando me aplaudem, passo para outra técnica... Há dois anos que não faço gravura, pode ser que volte a gravar, ou fazer objetos, esculturas... Sou imprevisível na minha arte. Atualmente, tenho feito só pinturas a óleo e, nelas, está surgindo a cor, o que é muito bom, estou gostando... Só faço arte assim usando mais sentimentos que lógica, quero essa arte brotada naturalmente dentro de mim. 

A mulher, Maria Elisa Botelho Byington, de tradicional família paulista, está no Rio, na ampla e vistosa casa de 700 metros quadrados, em São Conrado. Darel e cunhado do ex-ministro Paulo Egydio Martins, casado com a irmã de Maria Elisa, “um bom papo, um grande conhecedor de arte, um ótimo amigo meu”. Os filhos são dois, Bruno, de 18 anos, do primeiro casamento, que cursa o científico, a Mariana, de 3 anos. Seu ateliê tem uns 50 metros quadrados. Darel trabalha com método e paciência.

– Não trabalho mais que seis horas por dia , quando vejo que começo a me repetir, paro... O que chamo trabalhar é a entrega total dentro de um plano criativo que não pode ser confundido com produção volumosa nem indiscriminada. Dai porque altero os períodos de trabalho com o cinema, as corridas na praia e os jantares de queijos & vinhos, com os amigos certos, Ronaldo Vertes, Lia, Maria Cecília, Newton Cavalcanti Grassman, Hélio Pelegrino e tantos outros. 

Ana Lúcia está duvidando que o artista cora na praia, diariamente, 2.400 metros em 12 minutos. Darel está na categoria boa do Teste de Cooper. Darel confirma e diz que, ultimamente, está mergulhado em seus discos clássicos – sua coleção, conta, não é só é numerosa como é da melhor qualidade.

– Estou saindo agora de Mahler, estive acampado nos barrocos até recentemente, sabe, sou um sensual, um sensitivo, gosto das coisas sensíveis e de sensibilidade... O ouvido é um sentido poderoso, por isso gosto de ouvir música, de ouvido, eu que não conheço uma só nota de partitura... 

Darel fala dos discos que coleciona e ouve, só compra gravação importada, discos perfeitos – seu aparelho de som é uma fábula, não ficou por menos de uns 20 milhões antigos. 

Afora a música, as leituras: Kafka, Dostoievski, Graciliano Ramos, Faulkner. Confessa sua pouca disposição para ler os jornais diários, mas lê semanalmente a revista “Veja”, que considera excelente, e onde atualiza seus conhecimentos gerais. Detesta TV de forma total. Fala de novo, respondendo à Cyma, de suas pinturas atuais, usando agora óleo diluído sobre as telas, fazendo “uma pintura gráfica como aquarelas”, com técnicas novas. E em algumas pinturas aparecem quadros com identificações, cores, uns arco-íris coloridos entram como novos elementos. Darel vende bem nas praças paulista e carioca, ele se diz “um péssimo negociante”, por isso se socorre das galerias para vender. Acha que já fez nesses vinte e poucos anos de arte, umas 4.000 gravuras, uns 1.000 óleos. Recorda-se de seus tempos de professor de gravura em São Paulo: 

– A arte brasileira atual está dentro da dinâmica do nosso país, diferente da do resto do mundo, e isso não é novidade, já me dizia o Bonino em 1960, no Rio... Tudo entre nós se faz agora com impulso criativo maior, seja no esporte, na empresa, na cultura... Fazemos hoje uma arte eminentemente dinâmica, repito, com grandes valores em todos os campos, da figurativa à abstrata, da concreta à cinética... Quanto à Bienal, cumpriu o seu papel inovador, de centro difusor da arte contemporânea das décadas passadas mas necessita agora reformulação e deve tornar-se agora um encontro efetivo do artista brasileiro com a comunicação moderna... Não critico a Bienal, contudo, com olhos políticos, aliás, não aceito jamais um ditador, daí confesso a minha aversão pública, seja ao comunismo, como ao fascismo. 

Ana Lúcia ginga sua morenice faceira pela galeria, consegue ligar agora para seu noivo. Quatro estudantes do Colégio Assumpção, ali de perto, entram ruidosamente, espiam com curiosidade as telas de Darel, olham inquisidoramente o artista, comentam sobre sua calça vistosa, borde, suas botas reluzentes. Cyma consegue tudo, faz Darel definir-se: 

– Acho que sou meio kafkiano, com contínuas voltas à realidade... Sou um sentimental que gosta de gente... Todos os anos, pego meu Volks e vou até Ouro Preto, Pernambuco... Sim, sou um sensível e irreprimível... Acredito que seja meio esquizofrênico, muitas vezes me desintegro... Mas, graças à Deus, volto à realidade, sempre. A TRIBUNA – SANTOS, 7 de maio de 1972. 

A linha sensível de Darel 

“... A linha em Darel não é para ser lida, mas para invocar, evocar uma visão interior, que está por trás das aparências”. – Mário Pedrosa (1962). 

“... O traço largo do desenhista e o corte vigoroso do gravador configuram estruturas maciças de objetos que, pelos valores do claro-escuro, adquirem uma vida de mistério e uma surda irradiação.” – Aníbal Machado. 

... Darel é, sem a menor dúvida, hoje, um dos mais importantes, mais seguros e mais honestos artistas do Brasil. – Lúcio Cardoso. 

No Brasil de desenhistas superficiais, ilustrativos ou de vaguidades abstratas ou inanimadas, a lição do desenhista substancioso de Darel é preciosa. – Mário Pedrosa. 

A maior dificuldade na análise crítica de Darel está em se reconhecer o caráter ético de sua obra. Todo o conflito situa-se em evitar o maneirismo, a facilitação com que o talento e habilidade costumam atraiçoar os desprovidos de autocrítica. – Clarival do Prado Valadares. 

... Através de sua arte, vai Darel se libertando de seus fantasmas para benefício das artes plásticas brasileiras. Por seu desenho, ganharam uma força e importância que já não é possível desmerecer. É só examinar com os olhos do corpo e se possível, da consciência. – Vinícius de Moraes. 

 Sonhar e realizar são o ideal de um homem, de uma mulher. Beleza e pesadelo marcam a obra de Darel. Darel vive os seus sonhos não como homem... Em Darel há uma preocupação com a totalidade do ser humano na sua plenitude. O choque impotente do indivíduo diante da máquina. Trata-se de um grande artista e tenho que falar no resplandecente mistério de sua obra. Dela emana, tanto da gravura, quanto do óleo ou do desenho, o grande mistério de viver. – Clarisse Lispector.

Nenhum comentário:

Postar um comentário