Sepp Baendereck, 56 anos, iugoslavo de ascendência austríaca, desde 1948 no Brasil - em sua terra, na Áustria, como aqui, detentor de uma vida rica de sucessos e frustrações, fugas e decepções, falências, terapias, até o “renascimento e o reencontro” com o homem e o mundo - está expondo, no Museu de Arte. São 38 óleos, últimas obras, resultado de pesquisas e elaboração, dentro de uma temática brasileira, sobre nosso povo, nossas raízes e nossos costumes. A exposição “Brasil terra e gente”, abriga também fotografias da irlandesa/brasileira Maureen Bisilliat, de índios Xavantes, Suia, Txucarramãe - e que inspiraram muitas das telas hiper-realistas de Sepp. Catálogo bem elaborado - não fosse Sepp, entre outras atividades, publicitário de renome atualmente ativa grupo de colegas e empresários num movimento para a constituição da Fundação Empresarial Pró-Artes, cujo objetivo é estimular a participação ativa de empresas e indústrias em programas de desenvolvimento das artes. E ainda com críticas de Pierre Restany e André Laude, listagem de exposições, resumo biográfico, bibliografia (Geraldo Ferraz, seu primeiro apresentador, 1964), relação das obras e reprodução a cores das 38 obras expostas.
Paisagem colorida - serigrafia /1985 |
No MASP, crítica e público vêem um Sepp diferente, que aboliu em suas obras as articulações abstratas, os signos cabalísticos, os símbolos domésticos e os grafismos visuais, para regredir ao figurativismo do cotidiano indígena, do interior caipira, “pintando prosaicamente, sem lirismo, a realidade brasileira”, como diz seu apresentador, o diretor do MASP, prof. P. M. Bardi. Um Sepp cultivador da realidade exterior, hiper-realista (ou, realista a caminho de um hiper-realismo total), sensível com visão subjetiva, um artista que programa e sente agora uma pintura quase verista, como quer Restany. Capaz de compreender o milagre da natureza brasileira e abolir de vez a alquimia da cultura européia. Como se sente, assim, esse Sepp Baendereck liberto e humano, vero e ele mesmo capaz de erguer sinfonicamente sua música de cores e temas à nossa gente, à nossa terra, ao nosso índio, ao nosso meio? Sepp nos responde.
O que o levou a pintar terra e gente brasileira?
Foi a percepção. Geralmente, as pessoas bem integradas submetem a sua visão e a sua percepção sensorial à conveniência de esquemas pré-estabelecidos e perdem o sentido da realidade, “Como vai?” “Tudo bem, tudo azul”. Cultiva-se o que convém e ignora-se o que não convém. Estou pintando há trinta e três anos. Há dois anos, mais ou menos, encontrei um livro de fotografias de Maureem Bisilliat que me tocou. Aquelas fotos da gente das Minas Gerais, evocando Guimarães Rosa, de repente ganharam uma tremenda importância para mim. Decidi fazer quadros representando essa gente. Já há algum tempo tinha voltado à figura humana e agora creio ter encontrado a motivação certa para minha obra. Que melhor assunto poderá haver do que as faces e os corpos dessa gente de nossa terra, tão ignorada e desprezada, porém tão digna de sua simplicidade humana e inata cordialidade? Geralmente, quando falamos em índio, caiçara, caboclo, bóia-fria, colocamo-nos fora de qualquer possibilidade de uma reação pessoal com um deles como personagem única. Quando pinto um índio, procuro retratar o indivíduo, exclusivamente ele, insofismavelmente distinto dos outros de sua tribo ou comunidade. Acho que isto é o importante. Gostaria que meu quadro ajudasse a perceber e a sentir que, antes de mais nada, existe a pessoa humana. Retratando a realidade, mexendo com as características físicas do objeto, disperso as conotações para enxergar as coisas como são e não como estamos condicionados a pensar que são.
Percebo nos artistas plásticos o despertar de um grande interesse pelas coisas do Brasil. O seu trabalho, ora em exposição, confirma esse fenômeno?
- Existe no mundo inteiro um enorme movimento de volta ao realismo na pintura. Inegavelmente, essa tendência já se percebe também no Brasil. Um grande número de artistas, principalmente os jovens, já não se encanta em seguir modelos importados de criação abstrata e conceitual e sente uma tremenda vontade de representar em seus trabalhos aspectos da realidade. Essa tendência será cada vez mais forte à medida que o esforço do pintor realista for mais gratificante. É óbvio que uma vez que o artista se ocupa com a percepção da realidade, forçosamente terá que atuar como observador e intérprete da realidade brasileira. E aí está a enorme oportunidade e desafio para a criatividade plástica. Este imenso Brasil desconhecido, ao mesmo tempo infinitamente belo e rico, é fascinante como paisagem humana. Realmente, não faz mais sentido continuar ignorando essa realidade, como não faz mais sentido continuar enchendo salões e salas de exposição com quantidades enormes de obras à la Paris, Londres e Nova York - algumas mesmo já fora de moda - quando podemos sentir em nossa própria casa essa inesgotável riqueza de inspiração: nossa terra, nossa gente. Até há algum tempo atrás eu mesmo ignorava essa fonte de motivação. Hoje viajo pelo Brasil, fotografo e pinto meus quadros o quanto poso. Estou muito feliz em verificar que outros pintores cultivam o mesmo interesse.
Como se processa a elaboração de seus quadros?
- Sempre parto de uma fotografia. Como já disse antes, em 74 pintei uma série de quadros baseados em fotos de Maureen Bisilliat. Depois, usei como referência fotos do Rei Leopoldo de Bélgica, depois fotos de dois ingleses que participaram de uma expedição ao Xingu da Royal Society e Royal Geoghaphical Society. Em 75, comecei eu mesmo a fotografar. Agora, uso apenas fotos minhas. Às vezes projeto a fotografia na tela, para facilitar o desenho. Outras vezes, faço-o livremente. Depois de definido o desenho com pincel e tinta, começo o trabalho usando a cor, em camadas sucessivas, aumentando gradativamente a sua intensidade. Este processo de elaboração é tão importante quanto a própria idéia criativa. Enquanto decorre o trabalho, mil decisões se sucedem relacionadas com a minha vontade inicial de retratar uma determinada cena. Realmente, um número inacreditável de decisões racionais e irracionais, lógicas, intuitivas, filosóficas, teóricas e técnicas entra em jogo quando escolho uma fotografia para pintar um quadro. Quando digo que neste meu trabalho o processo de pintar é importante - e isto é parte integrante do conceito criativo - quero explicar que jamais poderia chegar a um resultado final que não tivesse a disponibilidade de tempo e paciência ao dizer que, acho fascinantemente bonito pintá-la.
Como se sente, deseuropeizado em sua arte?
- Liberto. Oxigenado. Consciente. Evoluído. Reintegrado à ordem humana, como disse Laude, citando as próprias palavras do anarquista francês, colaborador do “Le Monde”: “Nem deus, nem rato. Nem mago, nem macaco. Homem. Este Brasil, que há longo tempo ele (Sepp) contempla, ele o escolheu, este Brasil de vigor solar, de segredos profundos, este pais colorido como uma partitura de freejazz, onde flamejam certos dias, certas noites, os sangues esplêndidos, este país veste como pele meu amigo Sepp”.
Folha de São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1976.
óleo sobre tela - 1965 |
UM ESTETA À PROCURA DA MELHORA ESPIRITUAL
– As vanguardas aparecem mais pelo lado destrutivo... A arquitetura atual visaria não tanto a destruição da cultura, mas a sua ressurreição... Coloco-me diante das vanguardas, proponho alguma coisa... Se isso é honesto, é o que sou... Essa a minha forma de expressar, de viver... Se estou nesse mundo é porque faço parte dele... Não filosofo antes de agir. Ajo, depois penso... Posso exagerar em certas telas, mas não ao longo de minha arte... Essa minha exposição criou um impacto no público, ela o tocou, conflitou... De crítica, não, nossa crítica, com raras exceções, está de férias, também com essa enxurrada de zeros à esquerda que ha por aí... Sim, ofendeu-me profundamente quem disse que minha obra é “tropical” e “decorativa”... Tendo ora para o figurativo, ora para o abstrato; a minha arte é sempre um objeto de valor estético... Busco sempre a síntese, nelas entram forças contraditórias em conflito, conflitos que estão dentro do meu eu... Também enveredei pelo mágico, pelo surrealismo. Tudo é válido dentro dos juízos que faço da arte e do que ela representa para mim.
Seep Beandereck nasceu na Iugoslávia em 1920. Estudou direito na universidade de Belgrado, Desenho em Berlin e Pintura na Academia de Belas Artes de Zagreb. Em 1948 juntou-se ao Grupo Sezession, em Graz, Áustria, onde, em 1947, faz sua primeira individual (desenhos e xilogravuras). No ano seguinte migra para o Brasil. Em 1955 naturaliza-se brasileiro.
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