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sexta-feira, 27 de maio de 2016

Ao vivo, LUIZ GONZAGA

Gonzagão, alto, forte e amorenado, vai andando gingadamente pela rua, nas imediações do hotel onde está hospedado, no tradicional bairro de Higienópolis, em São Paulo. Com seu jeito de nordestino “enluarado”, vistoso e garboso no costume tropical branco, de óculos escuros e carapinha já meio branca - pudera, ele já completou 72 anos - respondendo e acenando para os populares, com quem troca ditos e chistes engraçados, esse fabuloso e eterno Luiz Gonzaga, o Rei do baião do Brasil. O “Lua” só arrasta um pouco os pés, comprimidos em alpercatas simples, reclama de uma “gota” renitente - que o obriga a tomar remédios e injeções doídas, diariamente - e, quando vai chegando à farmácia da esquina, junto ao repórter, fala direto e com graça: 

- “Eita gota serena, filha duma peste, desse jeito não posso mais dançar o baião nos forrós do velho “Lua”... 

Na própria farmácia, o Gonzagão, entrando duro na injeção, vai dialogando seu dileto rude de nordestino, com a voz poderosa que Deus lhe deu, cantada e badalada até hoje - após 45 anos de carreira vitoriosa e ininterrupta - em todo o país: 

- “Sim, estou com 72 anos, mas me sinto um setentão forte e rijo... E acho que nunca decepcionei o meu público nacional... Já lancei mais de 48 LPs, sempre na mesma gravadora, fora os “remendados”... Sei que não sou um homem de cultura, mas, se fosse, acho que seria um Gandhi. 

- Qual a programação sua, para este ano? 

- “Shows, shows w mais shows... Acho que vou para a celebração dos 70 anos do Juazeiro, rezar para o meu Padim Cícero... 

Em muitos lugares do Nordeste, só canto em troca de comida, para os flagelados da seca... Êta, seca maldita, que fizemos nós nordestinos, para ter tanta seca, sentir tanta fome... Agora, dizem que Deus é brasileiro, não sei! 

- Mas o seu baião, a sua música, não é triste, é alegre... 

- Claro: como sertanejo, descendente de família humilde, criado na pobreza, faço um trabalho pelo meu povo, mas com moderação e sem pregação de miséria ou de violência de espécie alguma... Canto sim a lamúria e a tristeza do nordestino, mas à minha maneira... Canto o xote romântico e ensino há mais de 40 anos o brasileiro a dançar o baião... É isso aí, seu moço. 

- Qual a sua religião? 

- Já dizia o outro... e eu repito humildemente: todas as religiões conduzem a Deus. 

“Lua” acaba de tomar a injeção e ingere a pastilha salvadora, que o aliviará até a noite da “gota” arretada... À sua volta, populares comentam os fatos do dia.Ele conta que sua terra, Exu, PB, está em calma, após a intervenção federal que pediu - e o Governo atendeu, em 82. Lá ele tem “um sitiozinho, pra não esquecer o cheiro da vaca e do bode”. E sobre as Diretas Já, afirma com voz firme favorável, “de corpo e alma”. Todo o provo participa do movimento, e “eu sou povo”, diz. Mas no final, completa o “Lua”, deve dar o “consenso mesmo”, e um candidato como o vice-presidente, Aureliano Chaves, a seu ver, deve ser escolhido presidente.

Já na rua, agora andando mais desenvolto, reata o diálogo: 

- Quantos shows já fiz hoje? Mais que dez... Fiz um que gostei muito, em Manaus, em 1982, no 10º aniversário da Sharp... Êta gente boa, essa de vocês... O show atrasou um pouco... Mas depois compensou... E que fábrica bacana de boa gente vocês têm, xente! 

Quais os seus grandes parceiros? 

- Os imortais Humberto Teixeira, cearense, e o Zé-Dantas, pernambucano... Com o Humberto fiz a “Asa Branca”, que canto em todo o lugar e já foi chamado de Hino Nacional Brasileiro... Êta baião bom!... Agora, eu todo sanfona ou violão, gosto da sanfona desde os tempos de meu pai, o Velho Januário... Ele tocava sanfona-de-fole, foi meu inspirador, assim como o Zé Rieli, que acho que era de São Paulo e Armando Meirelles... A minha primeira sanfona era alemã, depois passei pra esta aqui... Do fole de 8 baixos, passei pra esta de 12...

- Onde esta essa primeira sanfona alemã? 

- Ah, meu filho, se perdeu no tempo, alguém pegou... Podia ficar para o Museu do Baião, que vão fazer na minha terra, Mas já se foi... 

O Gonzagão senta-se no divã da portaria do Hotel. Espera o representante da gravadora, com quem vai caitituarseu novo LP nas rádios. Aos 72 anos, ainda precisa caitituar?,pergunto. O “Lua” dá sonora gargalhada, enche com seu vozeirão - o timbre de voz inesquecível e cantante - o saguão do Eldorado: - É isso aí... Cachorro que não lambe o dono... 

- Quais são seus continuadores? 

- O Gonzaguinha é meu herdeiro apenas familiar... Não é meu herdeiro musical... Canta mais intelectual, mais refinado, mais intimista, como dizem... Agora, o Dominguinhos, esse é... Esse eu formei mesmo, desde pequeno... E tem toda essa gente por aí, cantando e dançando o Nordeste são todos meus continuadores, o Zé Ramalho, o Alceu Valença, a Elba Ramalho, a Amelinha, êta ente boa! Arrastam multidão, esses meninos têm muita galhardia, são povo como eu, são “quentes”, não perdem o prumo nem o aprumo! 

- E os baianos, Caetano, Gil, Gal, Betânia, etc.? 

- Também gosto deles. Chegaram ao Centro- Sul e balançaram a roseira,como o Moraes Moreira... 

O Gonzagão dá outra gargalhada, assustando os hóspedes estrangeiros. Ele diz que quando está triste, dá uma dessas gargalhadas “pra refrescar”. Seu dia a dia, no Rio, vai falando, é descansar, com a mulher Helena, com quem mora na Ilha do Governador, e a filha Rosinha. Esta entende como quê de música popular, mas não canta. “No Rio, vivo numa boa”... diz

Gonzagão: Embaixador 


Em 1966, trabalhei na campanha de Carlos Lacerda, para Governador do Rio. Campanha vitoriosa, aliás. E coube-me certa vez procurar o Gonzagão, que fez, a pedido de Lacerda, um folheto de cordel para ativar a campanha lacerdista. Impressos 200 mil exemplares, o folheto era distribuído na Zona Norte do Rio, nos comícios, aos quais sempre comparecia o “Lua” com sua famosa sanfona. 

Que alegria, os nordestinos, os favelados, vibravam... Era o “Lua” tocar e sair, pro outro comício (eram feitos uns 15 por dia), e aí Lacerda chegava e falava. “Lua”, afora, mais de 20 anos depois se recorda e ri. “Tornei-me uma espécie de embaixador do Nordeste, no governo Lacerda na Guanabara”. 

E o Gonzagão vai contando que não deu sorte com Getúlio, nem com JK, um pouco só com Jânio. “Não gosto de política”, diz. “A minha política é cantar” 

 InforMAC - Órgão de Divulgação Interna das Empresas Machline Ano III - Nº 26 - Março 1984.

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