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sábado, 29 de julho de 2017

A História da “Bucha”: O livro que Carlos Lacerda não escreveu (por Gabriel Kwak)

A História da “Bucha”: O livro que Carlos Lacerda não escreveu
(por Gabriel Kwak) 

A família Mesquita, do jornal O Estado de S. Paulo, encomendou a Carlos Lacerda, que estava proscrito da vida pública, amargando a cassação dos seus direitos políticos pelo regime militar, um ensaio biográfico sobre os irmãos Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita. O ex-governador da Guanabara foi ajudado nas pesquisas por Luiz Ernesto Kawall e Luiz Roberto de Souza Queiros, que recebiam, para isso, um ordenado do Estadão. 

Em dada altura, Luiz Ernesto descobriu uma pessoa que poderia dar acesso às atas da Burchenschaft, uma sociedade secreta e filantrópica que existia no âmbito da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fundada em 1831 pelo alemão Julius Frank (1808/1841) para socorrer estudantes pobres. Frank era professor de Geografia e História do Curso Anexo das Arcadas, autor de um livro didático intitulado Resumo da História Universal (1839) e, por ser protestante, foi enterrado no pátio interno da própria faculdade de Direito (onde seus restos mortais se encontram até hoje).

Bursch quer dizer camarada e schaft significa confraria. Os estudiosos da Bucha sabem bem da influência que a Bucha exerceu nos destinos políticos do Brasil. Basta examinar os nomes de alguns renomados bucheiros. Consta que nada menos que Rui Barbosa, Barão do Rio Branco, Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves, Washington Luís, Pedro Lessa e Paulo Nogueira Filho pertenceram às fileiras da entidade, que se assemelhava muito à maçonaria. Confrarias semelhantes, também difusora das idéias liberais, existiam na Faculdade de Medicina e na Escola Politécnica. 

Lacerda ficou radiante com a novidade. Não pensava em outra coisa. Deu-se então o esperado encontro entre o guardião do livro das atas das reuniões da “Bucha” e a dupla Lacerda e Luiz Ernesto. 

“O Lacerda foi folheando e encontrou o nome do amigo do pai dele, [o político], Maurício de Lacerda, na reunião de bucheiros. Aí ele deu um soco na mesa e falou”: “Tá vendo por isso quando meu pai quando era preso, ele ligava para esse nome que vocês estão vendo e meu pai era solto no dia seguinte”. Ele ficou emocionado. “O pai dele era um revolucionário de esquerda”, comenta LEK. 

Os capítulos sobre a trajetória de Julinho e Chiquinho Mesquita não avançaram. Carlos Lacerda se interessava mesmo em desvendar os mistérios da sociedade secreta, cuja história ainda está por ser contada, à espera de um pesquisador que lhe escreva uma anatomia. Lacerda não escondeu de José Maria Homem de Montes, um dos homens de confiança dos Mesquitas, que a Bucha acabou dominando sua curiosidade intelectual. No livro Depoimento, resultante de 34 horas de conversas gravadas como jornalista do Jornal da Tarde, assinalou: “É impossível escrever a história da República sem escrever a história da Bucha, como é impossível escrever a história da Independência sem escrever a história da Maçonaria”. Ainda segundo Lacerda, o próprio Julinho tinha sido um bucheiro. 

Em tempo: documentos e material de pesquisa sobre a “Bucha” que estavam com Lacerda e Kawall estão agora em poder do arquivo do Estadão. Até hoje as atas da organização são um assunto proibido. O teor desses registros jamais foi revelado. Luiz Ernesto Kawall, no entanto, chegou lá com a cooperação de Luiz Carlos S. Queiroz e incentivado por Ruy Mesquita e seu filho Ruizito Mesquita! As atas falam agora por si, com o texto incisivo do jornalista que levou 30 anos para desvendar segredos da bucha. 
Gabriel Kwak (publicado originalmente na revista Imprensa).

Para saber mais sobre a Bucha e Julius Frank, consultar

A Bucha, a Maçonaria e o Espírito Liberal, de Brasil Bandecchi (1982. Editora Parma)

A Sombra de Júlio Frank, de Afonso Schimidt (1950, Clube do Livro) O Conselheiro Antonio Joaquim Ribas e Júlio Frank, de João Gualberto de Oliveira, Revista da Ordem dos Advogados do Brasil (maio/junho 1960) 

Memórias de Júlio Frank, de Antonio Augusto Machado deCampos Neto (Revista da Faculdade de Direito – USP, volume 98 – 2003)

Museu das Arcadas, Painel Júlio Ave Wahakara

30 anos depois Atas da Bucha 
(por Luiz Ernesto Machado Kawall) 

O texto do colega Kwak, da revista Imprensa, não conta alguns fatos que aconteceram durante o trabalho com Carlos Lacerda, e depois da sua morte – sempre a respeito da Bucha. Vão, pois, por ordem de sequencia, se bem me lembro: 

1. Quem nos levou à casa de seu avô, Dr. Levy de Azevedo Sodré, para ver as atas da Bucha, foi seu neto, Levysito, da roda lacerdista em S. Paulo; era um apartamento nos jardins; os dois Levys, avô e neto, morreram, como também Lacerda, ficando, pois, a pesquisa interrompida; 

2. O repórter do Estado, Luiz Roberto de Souza Queiroz houvera feito várias reportagens sobre a Bucha, que mandávamos para Carlos Lacerda, no Rio, a nos depois – isso já é quase recente – me telefonou para um encontro em casa de Ruy Mesquita Filho (Ruysito) no Morumbi. 

3. Ruysito falou que, com tempo disponível no jornal, vinha se dedicando a editar livros e à procura de textos originais; perguntava sobrea pesquisa da Bucha, iniciada por Lacerda, freada pela sua morte, feita por mim, Luiz Ernesto Kawall e Luiz Roberto Souza Queiroz. Disse que o trabalho ficara em ponto morto, pois o Dr. Levy de Azevedo Sodré morrera, bem como seus filhos Levy Sodré Filho, Antonio Augusto Sodré e Manuel Azevedo Sodré, como já assinalado, e o neto Levysito também. Certa ocasião eu falara com o filho mais velho (Levy Sodré Filho), que guardara uns documentos de seu pai em chácara do Embu, onde vivia; foi peremptório ao dizer que tais documentos não seriam mostrados a ninguém – o pai proibira – e mesmo, num baú, tomaram chuva e estariam imprestáveis; 

4. Foi aí que entrou em cena um novo Sodré, Ruy Azevedo Sodré, antigo associado do Pinheiros, a que, num encontro casual, relatei a saga da Bucha, de 30 anos; ele me disse para telefonar à tia Eunice, remanescente da clã dos Sodré, em seus 90 anos... Ela “sabia tudo da família”... “dos vivos e dos mortos”... Etc., etc., etc.. Localizei-a e da simpática tia fui direcionado às irmãs Fernanda e Ivone Sodré Neves, já da terceira geração dos Sodrés; sim, elas e o empresário Carlos Neves, sabiam dos documentos secretos da Bucha, até então, sem destino na família; iriam, os novos e jovens Sodré, reunir-se e decidir se me atenderiam, para eu levar, via Souza Queiroz e Ruysito Mesquita, ao Estadão; os Sodrés hesitavam, pensavam em entregar à direção da Faculdade de Medicina, onde o avô fora expoente e professor e de onde vinham os bucheiros secretos citados dos 2 livros de atas.

5. Após um empo de novas conversas e até consultas a advogados, a família atual dos remanescentes dos Levy de Azevedo Sodré autorizou simpaticamente a publicação das atas, para conhecimento do público interessado e historiadores, o que se faz no Estado, agora, de forma inédita. O repórter observa que nas atas se vê o caráter filantrópico da Bucha nos anos 20/30, sua constituição heterogênea – as atas são da Bucha da Medicina, mas dela faziam parte, entre outros, Armando de Salles Oliveira, José Carlos de Macedo Soares, Vergílio Steidel, Júlio de Mesquita Filho, José Guilherme Whithaker e tantos outros. A sociedade secreta lutava por ideias de justiça e liberdade, seguindo Julius Johan Julius Gottfried Ludwuig Frank. Mas isso é para os exegetas sociais da nossa história.

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