Percorrendo S. Paulo com roupa menos de um quilo - Ciccillo Matarazzo topa, mas não usa - Maria Della Costa: “A coisa pega” - 63 anos de pernas compridas e estranhas experiências - Reportagem de LUIZ ERNESTO
Flávio de Carvalho saiu com o “new look” (masculino) direto pela Barão de Itapetininga. A rua é centralíssima. O povo já se apinhava à porta do prédio. Um cidadão apareceu e deu um abraço forte. Era Ciccillo Matarazzo.
Flávio perguntou rápido, se “Ciccillo” topava usar também o traje.
- “Eu? Eu não!”
O cortejo começou.
Glória
Minutos antes, no apartamento, Flávio atendia a amigos e curiosos, entre “flashes” e microfones. O repórter de mais longe era o do “Life”.
- “Eu acho que esse traje pega” - disse Maria Dela Costa, posando muito (e muito bonita) ao lado do artista.
Maria Ferrara, a figurinista italiana, dava os últimos retoques.
Guido Panaim, outro italiano, abriu a porta:
- “ Agora, é descer, Sr. Flávio, para a glória oi para as pedras”.
Cortejo
De saiote branco (brim) e blusão vermelho claro (nylon) Flávio de Carvalho abria o cortejo bizarro. A molecada se pôs à sua volta. E o povo. Muita gente nas janelas.
As alpargatas simples e as compridas meias pretas, de malha (tipo bailarina), chamavam ainda mais atenção.
O paulista assistiu quieto ao desfile.
- “Isto aqui, em Nápoles, era só tomate que voava!” - a frase de Maria Ferrara.
Flávio esteve na redação dos “Diários”, tomou um cafezinho na Rua Marconi (pago pela TRIBUNA) e entrou no cinema “Marrocos” - onde só se entra de gravata.
Miguel Batlouni (o repórter, que pagou a entrada), exultava quando Flávio entrou no cinema.
Impressões
- “É um absurdo um negócio deste nas ruas!” - disse Elpídio Pacheco, desenhista.
O estudante João Walter disse:
- “Eu não usava isso, nem pagando!”
O jornalista Fernando Lemos:
- “Este homem devia estar na Central (polícia)!”
Mas houve muita gente favorável. A opinião mais rude foi talvez a de um garotinho de 5 anos (Armando de Oliveira Neto):
- “Eu sei que isso é de mulher!”
A Favor
Na rua, colhemos opiniões:
- “A ideia é ótima. É uma libertação. Mas parece que a roupa é complicada demais!” - opinião do cineasta Paulo Emílio Salles Gomes.
Do jornalista (diretor das “Folhas”) Hideo Onaga:
- “É uma experiência. Admiro a audácia e o sentido de renovação de Flávio”.
Rudá de Andrade, filho de Oswald de Andrade:
- “A roupa, talvez não, mas a coisa é interessante. Cria polêmica e pode redundar na libertação das nossas enfadonhas vestes”.
Paulo Bonfim, poeta, não tem opinião, ainda. O Sr. J. Pereira, oficial de gabinete de Jânio, teve: “um carnaval extra”. E vale esta observação do folclorista Paulo Afonso Grisolli:
- “ É exótico pra burro. Mas é lógico!”
Discurso
Em frente aos “Diários”, o cortejo parou. Flávio esboçou um discurso. Deu uma rápida explicação dos fundamentos estéticos, sociais e higiênicos do novo hábito. Teve de levantar-se a abaixar-se algumas vezes. Um popular gritou:
- “Se fosse nos Estados Unidos, esse negócio pegava: por eu é uma coisa de louco!”
O que informa:
1. A roupa custou Cr$ 1.300,00.
2. Pesa menos de um quilo.
Napoleão de Carvalho, publicitário, interrompeu:
- “ Estou com o senhor. É preciso uma reforma completa de nossos costumes, a começar pelos trajos!”
Entrevista
Deu, finalmente, Flávio de Carvalho, uma entrevista coletiva. Durante ela, mudou o trajo para um blusão amarelo com calção verde. Disse que não teme nada. Uma vez, acompanhou procissão, de chapéu na cabeça, durante 30 minutos, para estudar a reação do povo. Foi dele o primeiro projeto de arquitetura moderna, no Brasil. É grande desenhista.
- “ O homem precisa voltar às suas camadas plásticas do passado e criar algo novo! - diz ele.
- “Este trajo é uma renovação e não uma nova criação”.
- “ O homem deve passar a viver num mundo livre e onde a cor volte a lhe dar alegrias”.
São Paulo vibrou como o “new look” do seu velho (63 anos) arquiteto de pernas longas.
TRIBUNA DA IMPRENSA
19 de outubro de 1.956.
Nenhum comentário:
Postar um comentário