“Brotinhos evoluem com graça para homenagear “Os Sertões”
Culpa de Euclides, que fez a obra em Rio Pardo - Portinari também comparece- O “casebre nacioná” vira folclore - O punhal do jagunço e um apelo a Juarez - Guerra Peixe, Joaquim Ribeiro e Edson Carneiro: três conclusões
“Esta Semana Euclidiana está virando um verdadeiro congresso de... brotinhos” - na praça pública, onde as garotas aparecem como içás, a frase do promotor é uma definição.
São as belas (tradição rio-pardense) garotas da cidade e das regiões vizinhas. Vieram visitar a choupana histórica. Mas à tarde e à noite evoluem pela praça e nos bailes públicos.
Mas não há apenas a mobilização dos “brotinhos” na Semana Euclidiana. A cidade mesmo está transfigurada. O culto histórico convoca toda a população.
Também, quem mandou Euclides escrever “Os Sertões” em Rio Pardo?
PORTINARI TAMBÉM
Portinari também veio para a Semana. Não em pessoa. Mas seus quadros estão pendurados na Casa Euclidiana. Ao seu lado, Tarsila, Calixto, Malfatti, Visconti, Almeida Júnior, Pedro Alexandrino e outros.
O povinho olha desconfiado aquela pintura moderna. Aparecem alguns exegetas. Euclides, ao fundo, em bronze, soberano e empenado.
Há assim de tudo na Semana Euclidiana: conferências, competições esportivas, festival folclórico, concursos de viola e cururu, patinação, desfile de modas e exposição de pintura moderna.
-“Todo este mundo de vibrações por causa de Euclides, que era tão quieto!” - o historiador H. B. Novak (Santo Amaro) se surpreende com o paradoxo que levantou subitamente. Com espontaneidade.
“CASEBRE NACIONAL”
... “numa casinha modesta, o casebre nacioná!”
É assim que termina sua moda de cururu, o modista “Parafuso”, de Piracicaba, no concurso de toadas populares. O “casebre nacional” é a choupana onde Euclides escreveu “Os Sertões”.
Está situado à margem do rio Pardo, coberto pela redoma envidraçada. Vêm-se ainda as mesmas folhas de zinco e sarrafos que abrigavam o escritor. É pequeno e nele caberiam apenas algumas pessoas. A mesa tosca e o banquinho de Euclides lá estão.
De 1899 a 1902, Euclides ali escreveu sua obra. Escrevia e ao mesmo tempo dirigia os trabalhos da construção da ponte metálica, sobre o rio.
Era na choupana que recebia os amigos. Hoje, o ponto histórico é visitação obrigatória.
Durante a Semana, ninguém deixou de vê-la. A redoma atrapalha um pouco. Mas é preciso proteger o “casebre nacioná” dos fanáticos.
CASA EUCLIDIANA
Foi fundada em 1946, na interventoria de Macedo Soares. Honório de Silos, rio-pardense, influente no governo, forçou a decisão oficial.
Funciona no sobrado de esquina onde Euclides morou. A pequena escada e o terraço levam logo aos amplos compartimentos. O povo está apinhado pelas quatro salas. Numa delas é que estão Portinari e as demais telas.
-“Só hoje passaram aqui mais de 400 pessoas, num movimento estrondoso” - diz o porteiro Dario Frutuoso, em meio ao entra-sai constante.
Joaquim Ribeiro e Edson Carneiro lá estiveram. A Casa tem objetos de uso pessoal de Euclides. Numa vitrine, várias edições (em muitas línguas) do “Os Sertões”. Pelas paredes, quadros sinóticos completos da vida e obra de Euclides e do próprio “Os Sertões”.
_ “Fizemos um trabalho completo sobre Euclides, para a nossa e demais gerações” - quem fala assim é o sr. Rubens Ortiz, secretário da Casa e renovador de culto (desde há 3 anos) em Rio Pardo.
Noutra vitrine, com destaque, está o punhal de Macambira, jagunço autor de 14 mortes em Canudos. Na estante de Euclides, tem destaque uma coleção sobre a “História da França”. E os quatros volumes de Oliveira Martins: “Teoria do Socialismo”.
APELO DOS EUCLIDIANISTAS
Os euclidianistas mantém vivo o culto de Euclides. São eles quem patrocina, com ajuda do governo ou não, as Semanas. Isso há 20 anos. E talvez, esse, o maior culto de um vulto nacional. Nesta Semana, mesmo entre folclore e o esporte, os “brotinhos” e as conferências, eles se reuniram como sempre. O promotor, o médico, o juiz, o jornalista, o advogado, o prefeito, o industrial e outros - reunidos para as decisões práticas.
Que pedem os euclidianistas, este ano?
Isto:
- à Editora Francisco Alves (Rio) que cuide mais das edições de “Os Sertões”; a última, tinha mais de 100 erros de revisão; e as ilustrações usadas, de um desenhista europeu, estão longe de representar o Nordeste, pois o desfiguram;
- à família do gen. Juarez, para que autorize a edição do original de “Os Sertões” (1905) que conserva (era de Benjamin Távora, tio de Juarez), toda anotada por Euclides; ou, se não, faça um microfilme da obra;
- às autoridades públicas, sobretudo às responsáveis pelo SPHAN, para que filmem Canudos, antes de sua destruição (vai ser usina hidroelétrica no lugar).
EXCERTOS DA SEMANA
Encorpado, baixote, lá está o maestro Guerra Peixe entre os “índios” do grupo dos caiapós. A dança tem possível origem ameríndia. O conjunto toca e dança um ritmo sem melodias, infernal.
Ele procura elementos para sua tese (é da Comissão Paulista de Folclore): há belíssimas músicas populares, sem ritmos melódicos.
Joaquim Ribeiro, na sua conferência, falou longamente: o Brasil continua dividido entre litoral e sertão. Ainda. Como escrevera Euclides.
José Aleixo Irmão (o promotor) parece realmente fundamentado: Euclides foi socialista (não há dúvida); mas não foi socialista militante (a duvida era esta).
Quanto a Edson Carneiro, analisou o folclore, na obra de Euclides. Conclusão: Euclides não fez folclore; mas usou do folclore instintivamente, ao recolher depoimentos e hábitos do Nordeste.
A menininha saiu correndo com a boneca na mão. Atravessou a praça. Entrou esbaforida na sala ampla.
Veio, como outras, inscrever a sua boneca no concurso. Houve até um concurso, para a escolha da melhor “Boneca Euclidiana”, na Semana.
Rio Pardo é assim, estes dias.
Vale.
TRIBUNA DA IMPRENSA
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