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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CESCHIATTI, DESENHISTA DA ESCULTURA

 Marianne Peretti, Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti, Oscar Niemeyer, José Sarney e Burle Max

Ceschiatti, mineiro, há muitos anos radicado no Rio de Janeiro, escultor de Brasília, de muita fama, expõe atualmente no Museu de Arte de São Paulo. 

Dele diz um de seus maiores incentivadores, Oscar Niemeyer:
– “Como dois bons amigos, vamos caminhando pela vida. Eu, absorvido pela Arquitetura, inventando formas, brincando com o concreto armado; ele, o nosso Ceschiatti, a fazer suas esculturas. Essas mulheres lindas, barrocas, cheias de curvas, que seu talento cria para o mármore. Como gosto de vê-las! De sentir, depois de tantos anos que o nosso amigo não mudou, que não ingressou em caminhos alheios, mantendo-se autêntico, modesto, irrepreensível. Não tenho preconceitos. Aceito tudo que me parece bom e verdadeiro. E por isso gosto da escultura de Ceschiatti, uma pausa necessária neste devaneio exibicionista, que tantas vezes compromete e vulgariza a arte contemporânea”. 

Di Cavalcanti, fala assim de Ceschiatti: 

– “Quando Ceschiatti estreou suas obras fui dos primeiros a chama a atenção dos críticos e público para o autor de tão belas esculturas... 

 Aí está ele no grande aprimoramento de sua obra. 

 Ninguém pode negar a beleza que elas encerram. São autênticas. 

 O sopro moderno não prejudica suas qualidades clássicas... 

 Temos vontade de dormir abraçados com essas esculturas sensuais e serenas. 

 Não é preciso que eu o elogie mais... 

É um grande mestre o italianíssimo mineiro de Belo Horizonte, e que ele viva na modéstia de homem inteligente e na beata solitude de verdadeiro artista”. 

Rubem Braga: – “Ele sempre oscilará entre a pesquisa de formas puras e a transfiguração estética e às vezes sensual do nu; é com a mão firme de um bom artesão italiano que ele executa, através dos tempos, algumas das mais belas obras da escultura brasileira”. 

 E a jovem crítica paulista, Sheila Leirner: – “Já era tempo do paulistano poder apreciar de perto o conjunto notável as obras de Alfredo Ceschiatti, tão conhecido entre nós pelas esculturas que povoam e se integram à paisagem urbana de Oscar Niemeyer em Brasília e pelos trabalhos esparsos que pontuam e enriquecem praças, museus, igrejas e coleções particulares de nossa cidade e de nosso país. Felizmente, a oportunidade surge com a expressiva retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de São Paulo abre em seu pavilhão do Ibirapuera, em que as quatro décadas percorridas pelo artista mineiro, com árduo e persistente trabalho, estão representadas por mais de 40 obras. 

O escultor, desenhista e professor Alfredo Ceschiatti vive e trabalha no Rio. Mas foi em Belo Horizonte que nasceu há 57 anos, que revelou-se a sua predisposição artística, o que o levou a desempenhar um papel preponderante no panorama nacional e internacional das artes plásticas. Ainda adolescente saiu de Minas para a Europa e busca do conhecimento e da inspiração nos artistas da Renascença e mais especialmente em Miguelangelo e Donatello, cujas influências se perpetuam até hoje em suas obras. Em 1945, com o prêmio de viagem ao estrangeiro que conquistou com o baixo-relevo que realizou para a Igreja de São Francisco de Assis na Pampulha, por encomenda de Oscar Niemeyer, teve oportunidade de entrar em contato com a geração européia do pós-guerra: com o trabalho de Max Bill (outro dos seus escultores preferidos), Laurens, Auricoste, Wolls, Giacomo Manzu e Fazzini. Também foi desta época o seu relacionamento com a obra de Maiol, o grande inspirador que, segundo Ceschiatti, “trouxe a Grécia de novo para o mundo”. 

De volta da Europa, o artista figurou em inúmeras exposições individuais e coletivas, como a Bienal de São Paulo e o II Salão Nacional de Arte Moderna. Teve suas esculturas espalhadas por diversos museus brasileiros, instituições e residências particulares na Praça do Patriarca, em São Paulo, na embaixada brasileira em Moscou; e por Brasília, em perfeita sintonia com a arquitetura de Oscar Niemeyer. Lecionou desenho e escultura na Universidade do Distrito Federal, acabando por se demitir em solidariedade com outros professores exonerados em 1964. 

O interesse maior desta mostra que o MAM apresenta não se resume apenas na evolução uniforme e coerente que marca toda a trajetória artística de Ceschiatti, mas principalmente nas particularidades e excelentes qualidades que caracterizam cada trabalho em particular. Tanto nas obras figurativas, como nas abstratas ou semi-abstratas (“Adão e Eva”, “Pomba”, “Gaivota”, “Mulher-Guitarra”, “Galo” e “Peixe”) Ceschiatti flagra e imortaliza – por meio de uma visão extremamente pessoal – momentos de alta poesia, tensão e forte conotação plástica, em que a pulsação rítmica continua sempre latente. Suas esculturas surpreendem pela dignidade e nobreza com que se erguem de seus pedestais ou descem do teto em suspensão – estaticamente, porém plenas desse movimento interior – para materializar a mulher, figuras e cenas bíblicas de intensa dramaticidade, santos, anjos, animais, bailarinas, acrobatas, imponentes personalidades históricas ou lendárias. Estes corpos possuem uma organização própria, em que a disposição de volumes, o jogo de membros e a perfeita proporção entre as partes produz um efeito dos mais equilibrados e pessoais, conseqüência inevitável da intuição e da sensibilidade estética, aliados a uma excelente técnica. 

Exemplos desse equilíbrio é a prova cabal pela qual passaram incólumes os miniaturizados “Evangelistas” e os gigantescos anjos suspensos da Catedral de Brasília que, para poderem constar na exposição, tiveram de ser mutilados e colocados e colocados sobre base de madeira numa posição antinatural, sem perder, contudo, o sentido de “voo” e suspensão e as qualidades que o distinguem. Outro exemplo desse equilíbrio e leveza incomuns está na configuração quase etérea de suas bailarinas e acrobatas que transcendem sua matéria e seu corpo para significarem o próprio movimento. Segundo o princípio básico da escultura, como o dizia e empregava Brecheret, Ceschiatti perpetua seus volumes num só transcurso, sem interrupções na linha que os contorna imprimindo ás formas em bronze e pedra – materiais que manipula com maestria – sensualidade, poesia e musicalidade. As formas femininas exercem um inegável fascínio arquetípico sobre o escultor. Suas mulheres são redondas e torneadas, sensuais e lascivas, fortes, e ao mesmo tempo dóceis e frágeis. “O abraço” – escultura de propriedade de Oscar Niemeyer, na qual duas mulheres de tronco interceptados formam um conjunto voluptuoso e emotivo – distingue-se como um das suas melhores peças. Assim com Ceschiatti molda, recria e descobre o nu em suas múltiplas possibilidades, da mesma forma ele consegue tirar o máximo proveito das vestes como elementos altamente ilustrativos, envolvendo grande parte de suas figuras com estes mantos nada diáfanos da realidade escultórica e dramática. 

Ceschiatti é, ante de tudo, um desenhista da escultura. Seus trabalhos nascem se desenvolvem por meio de um traçado sensível, às vezes picassiano, que faz com que eles adquiram leveza, harmonia e, sobretudo, uma limpidez na formalização plástica de seus temas. Alcança uma qualidade rara nos escultores atuais: a adequada e profunda assimilação dos artistas clássicos, principalmente no tocante à qualidade humanística que caracteriza seus trabalhos. 

Um grande número de pessoas certamente irá ocorrer à retrospectiva de Alfredo Ceschiatti, que o Museu de Arte Moderna de São Paulo – consciente da importante contribuição cultural que esta mostra significa – teve a elogiável iniciativa de organizar. Isto porque Ceschiatti sai do círculo fechado e vicioso da arte para a minoria, logrando – por meio de seu neoclassicismo que não perde a modernidade, pois é vivo e atuante num direcionamento mais amplo a um número cada vez maior de espectadores. Sensibiliza desta maneira, também, àqueles que não pertencem à elite do que estão a par dos mais novos modismos da nossa época e que acreditam, assim como o artista, que a arte deve desafiar o tempo e permanecer coexistindo – sem, contudo ser marginal ou paralela – com as imponderabilidades do nosso século de incríveis avanços tecnológicos e de pesquisas inéditas e vanguardistas no campo formal e conceitual da arte contemporânea.

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