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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

WARCHAVCHIK, pioneiro e visionário de pés no chão

Lúcio Costa, Frank Lloyd Wright e Gregori Warchavchik 

“Uns me chamam de pioneiro. Pioneiro sou, sim, de pés no chão. Outros me tacham de visionário. Visionário sou, sim, também de pés na Lua. Na mesma Lua distante etérea, que os astronautas maravilhosos russos e americanos, e logo de outros países, pisam eufóricos no atual instante mundial”. 

O sotaque meio russo, meio italiano, é o mesmo. Como é ainda, o mesmo, alto, esguio, elegante, com a cabeça toda branca, lembrando um pouco o Carlitos, esse lendário Gregori Warchavchik, que os tavares-de-miranda chamavam de “jovem alto, louro, rico e bonito”. Naquele tempo, exatamente a 14 de junho de 1925 Warchavchik publicava no jornal italiano “Il Picolo”’, em São Paulo, sob o título de Futurismo? O primeiro manifesto sobre a arquitetura moderna no Brasil. Logo depois, a 1º de novembro, em português, as mesmas teses eram transcritas no carioca “Correio da Manhã”, atraindo Warchavchik a atenção dos modernistas para seu texto, “verdadeiramente oi primeiro documento, o único em que se lançaram até aquela data as idéias da nova arquitetura no Brasil” (Geraldo Ferraz). 

Setenta e cinco anos, devagar e reto, Warchavchik desce do elevador panorâmico do Museu de Arte, à cata do professor Bardi, que prepara a monumental exposição sobre “Warchavchik atual e os inícios da arquitetura moderna no Brasil”. 

O deus vulcânico do Museu para tudo, para atender a seu amigo arquiteto. Combinam detalhes, na sala ampla, repleta de projetos, desenhos, fotografias, textos e recortes já selecionados por Luiz Ossaka para a grande mostra. Warchavchik está alegre, como sempre - mas um pouco preocupado. Quer saber dos resultados do novo vôo da Apolo à Lua. 

“Não entendo como, numa época de viagem à Lua, o homem continue fabricando casas de tijolos, cimento e telhas.” 

Qual a solução? 

“A casa pré-fabricada, de placas de madeira ou de fibras, de vidro ou de plástico, toda móvel... Aliás, vou inaugurar uma casa assim, construída em 3 ou 4 horas, no fim do ano, no Guarujá, a primeira nesse gênero no País.” 

Em 1927 Warchavchik levantara na Rua Santa Cruz - Vila Mariana, a primeira casa modernista brasileira, de linhas ascéticas e funcionais, surgindo revolucionariamente no panorama arquitetônico paulistano. Agora, 44 anos depois, a repercussão não será menor e Warchavchik fica contente em dar o furo à “A Tribuna”, onde trabalha um de seus grandes amigos. Geraldo Ferraz, autor da excelente obra a seu respeito, publicada pelo Museu de Arte, em 1965. 

“A tecnologia e a ciência já superaram o homem. É preciso que o homem as domine, como procuro fazer, senão estamos fritos. Não é possível que o homem continue a levar 4, 5, 6 meses para fabricar uma casa, quando as viagens à Lua duram algumas horas. A Indústria e a técnica devem produzir materiais novos, como sei que são fabricados atualmente no Japão e na Alemanha, para que a arquitetura e a engenharia possam chegar ao ano 2000 equiparadas ao avanço tecnológico total. Em Nevada, nos Estados Unidos, fizeram recentemente uma ponte moderna e segura, com fibra de papel e adesivos, funcionando perfeitamente. 

O que acha da arquitetura brasileira? 

“A nossa arquitetura, o nosso futebol, a nossa música popular são da melhor qualidade, as três atrações do Brasil de hoje, dentro e fora do nosso país. Os nossos arquitetos, principalmente a geração surgida nas últimas décadas, compreenderam que o importante na arte da arquitetura é uso que se faz do objeto projetado ou construído, e não a sua fachada. O conforto, o custo e a funcionalidade, não a beleza estética apenas. O arquiteto dever ser, antes de tudo, um psicanalista, um sociólogo familiar de cada caso. A casa ainda é, no mundo de hoje, a “máquina de morar”, como queria Le Corbusier. 

Que achou da atitude de Lúcio Costa de não voltar a Brasília? 

Warchavchik teve escritório com Lúcio, nos anos 30, no Rio, onde trabalhou um desenhista chamado Oscar Niemeyer - não demora a responder: “Lúcio só poderia ter agido dessa maneira. O Estado não t em o direito de deturpar e macular uma obra de arte, planejada, funcional, histórica como Brasília, diz. 

O que acha da megalópole S. Paulo de hoje? 

“S. Paulo torna-se, aos poucos, asfixiante, sem paisagem urbana, sem beleza plástica, sem condições de morar, poluída, estragada pelo mau gosto, apesar da luta empreendida por arquitetos e urbanistas do maior respeito. Mais 20 ou 30 anos, e ninguém viverá mais, razoavelmente, aqui... Acredito que o dinâmico prefeito Figueiredo Ferraz, seguindo a linha do inolvidável Faria Lima, encontrará soluções para os maiores problemas de S. Paulo. O metrô é uma das soluções, se não vier tarde demais... é preciso enfrentar os problemas da cidade com maior coragem, acabar com o crescimento desordenado industrial, com a migração interna indiscriminada, com a poluição ambiental e visual... Para esse esforço de arquitetos, engenheiros, sociólogos, legisladores, urbanistas, planejadores, estetas, estou às ordens, com meu modesto trabalho e minhas idéias, se puder servir. 

Warchavchik não pára de falar. Começou o dia às 5,30 da manhã, um velho hábito, “um costume de criança russa”. Tomou sua coalhada, a maçã amassada e o cafezinho, preparados por Mariazinha, sua mulher. Leu os jornais, em especial “O Estado de S. Paulo”, com preferência para os setores de arte e o noticiário de astronáutica. Há dias, sentiu e abateu-se enormemente com a morte dos astronautas russos no espaço. 

“Creio em outras vidas e em outros povos. Acredito que a vida seja uma bênção de Deus. Essa nossa vida, que deve ser bem vivida, e que depende tanto da sorte... e de Deus. Eu sou um homem realizado, que salvou certa vez meu pai da execução dos vermelhos, que pertenceu ao grupo Kerenski, que conheceu e admirou Lenine, mas que a sorte da vida atirou no Brasil... Este país que amo extremadamente, onde criei e desenvolvia minha arte, onde nasceram meus dois filhos Ilia e Sonia, e os cinco netos e onde, por sorte e pela graça de Deus, repito, vivo com as minhas antenas abertas para o mundo e os pés no chão. No Brasil, onde me naturalizei, com orgulho, que será a meu ver, ainda neste século, o país número um do mundo. 

Na hora do almoço, ele comeu um filé mal passado e verduras sem sal. É corado. E atribui sua saúde e disposição incomuns não às dietas, mas ao estado de espírito interior. Não bebe, é contra o álcool. Em matéria de comida, só tem um fraco, as “blinis”, panquecas russas, com creme de leite e caviar. À noite, não janta, toma um chá simples, com torradas. Mesmo nas exposições e visitas às casas dos amigos, que faz com freqüência, não belisca e rejeita uísque e salgadinhos. 

“Gosto da música clássica, de Bach e Haendel. Não assinto a televisão, fora um ou outro programa Chacrinha e Silvio Santos são males necessários, o povo gosta deles, portanto, devem ter seu valor. O que não entendo e ver tantos jovens grudados aos programas de televisão que influencia danosamente também o nosso cinema. A nossa mente é feita para inventar coisas, não apara se agarrar a carismas e se escravizar à máquina. 

O que achou da despedida de Pelé da seleção? 

“Um ato de inteligência desse Macunaíma de muito caráter de nossos dias,. Desse herói popular, que não deseja acabar como Garrinha, infeliz e desacreditado. Pelé deixou honra e glórias por um gesto de bom senso. Os jovens que se iniciam em todas as profissões devem meditar sobre seu exemplo.

Warchavchik, acredita em Deus? 

“Acho que Deus está dentro de cada um de nós. Acredito, sim, mas infelizmente não cultuo quanto gostaria. Tenho muita fé. 

O que acha da morte? 

“Um sonho natural, não temo nada. Vi sangue o horror na minha terra, sonhei um dia em encontrar um lugar com palmeiras, areia e mar. Essa terra eu encontrei, era o Brasil. Se esse sonho bom realizei, e fui tão feliz aqui, quem sabem a morte não será, também, outro sonho bom para mim?

Gregori Warchavchik beija afetuosamente Raquel Babenco, mais bela e elegante do que sempre, uma das assistentes do Museu de Arte. Ela sai apressada, vai correr os jornais para preparar a cobertura de sua monumental exposição, a ser iniciada dia 9 próximo. Numa nota cinzenta, a única durante a entrevista, diz Warchavchik: 

“Pena que meus grandes e maiores amigos não estejam aqui, vivos, nesse dia, para a festa da mostra dos meus trabalhos e minhas lutas de 50 anos de arquitetura - Lasar Segall, Rinmo Levi, Lucjan HJorngold, Henrique Mindlin, Le Corbusier e Assis Chateaubriand. Mas, creio que o gentil Flávio de Carvalho representará bem esses amigos de ontem, de hoje e de sempre. 

Pega a avenida Paulista e segue, de carro, até a cidade.Um pulinho no escritório, para resolver alguns problemas. Uma passada na Patóptica - sua máquina japonesa emperrou. Ele gosta de fotografar, tem mais de 80 máquinas, inclusive uma Leica preta, do início do século. É o único hobby de Warchavchik. 

Ainda considera válido seu manifesto de 1925, hoje em dia? 

“Sim, assinaria hoje o mesmo manifesto, sem mudar uma vírgula. É verdade que, fundamentalmente, deixaria de combater tanto as fachadas absurdas da época, como atacaria o uso indiscriminado do cimento e do tijolo nas nossas construções atuais. Continuo a favor das construções lógicas e da arquitetura funcional - mas utilizando novos materiais: fibras, sintéticos, plásticos, ligas, vidros. Compete à indústria e à moderna tecnologia suprir os arquitetos e engenheiros desses novos elementos, para que a arte da construção acompanhe a modernização da vida atual em contínua evolução. 

De Odessa à Vila Mariana 
1896 - Nasce em Odessa, Rússia. 
1913 - Demonstra interesse pela arquitetura na Universidade de Odessa, orientando sua atividade cultural nessa área. 
1917-18 - Frequenta o curso de arquitetura na Universidade de Odessa, interrompendo os estudos devido à Revolução que transforma a vida do país. Decide viajar para a Itália, matriculando-se no “Instituto Superiore di Belle Arti”, de Roma. 
1920-23 - Termina naquela escola o curso de arquitetura realizando durante esse período projetos para residências, casas econômicas e igreja rural. Trabalha como assistente do professor Marcello Piacentini, o mais considerado arquiteto da época, dirigindo a construção do Teatro Savoia, em Florença. 
1923 - Pelo nome que já conquistara, é convidado a vir ao Brasil, contratado pela Companhia Construtora de Santos, com sede em São Paulo, dirigida por Roberto Simonsen. 
1925 - Publica o primeiro manifesto sobre Arquitetura Moderna no Brasil sob o título de Futurismo, no jornal em língua italiana “Il Piccolo”, São Paulo, e depois no “Correio da Manhã”, Rio, sob o título “A cerca da Arquitetura Moderna”, artigos que provocam muita discussão num meio onde ainda a profissão de arquiteto não é reconhecida. 
1927-28 - Naturaliza-se e casa-se com Mina Klabin, residindo na Vila Mariana. Estabelece-se com firma própria e constrói a primeira casa de estilo racional no Brasil, na Rua Santa Cruz, São Paulo, sendo o projeto do jardim de autoria de sua mulher. Continua na imprensa e no meio profissional um clamoroso debate que concentra inusitado interesse para os modos arquitetônicos propostos. 
1929 - Combatido principalmente através de violentos artigos do arquiteto Dácio de Moraes, responde com uma série de notas no “Correio Paulistano”, demonstrando o atraso do construir eclético. Visitando o Brasil pela primeira vez, de regresso da Argentina, Le Corbusier o indica em carta a Siegfried Giedeon para delegado dos CIAM (Congrés Internationaux d’Architecture Moderne), representando a América do Sul. Projeta e constrói casas segundo padrões racionalistas, entre elas as casas econômicas em série na Mooca, São Paulo. 
1930 - Realiza exposição da Casa Modernista, à Rua Itápolis, São Paulo, reeditando a iniciativa em escala mais ampla de Le Corbusier em 1925, do pavilhão de “L’espiriti Nouveau”. Projeto e construção da residência Luís da Silva Prado, à Rua Bahia, São Paulo, e das casas econômicas para a classe média à Rua Afonso Celso e D. Berta, São Paulo. 
1931 - Construção da residência Antônio da Silva Prado Neto, São Paulo. Participa da exposição e do I Congresso Nacional de habitação, São Paulo, e da XXXVIII Exposição Geral de Belas Artes, Rio. Convidado por Lucio Costa, diretor da Escola Nacional de Belas Artes, a empreender uma reforma no ensino da arquitetura naquele instituto. Projeta e constrói a primeira casa modernista no Rio, à Rua Toneleiros, que é visitado por Frank Lloyd Wright. Projeto para a sede social da Sociedade Paulista de Tênis, atual Clube Harmonia, São Paulo. Projeto das instalações internas e mobiliário para a Associação Paulista de Medicina, São Paulo. 
1932 - Exposição de um apartamento modernista mobiliado e equipado, no último andar do Edifício Olinda, Rio. Deixa a Escola Nacional de Belas Artes em solidariedade a Lúcio Costa, pressionado por um movimento antimodernista. Constitui com Lucio Costa uma sociedade de arquitetura e construções. Projeto do “atelier” de Lasar Segall, seu cunhado. 
1933 - Participa da I Exposição de Arte Moderna da Sociedade Pró-Arte Moderna de São Paulo (SPAM), fundada por ele e sua esposa juntamente a um grupo de intelectuais entre os quais Lasar Segall e Mário de Andrade. Ainda em sociedade com Lúcio Costa projeta e constrói uma série de casas econômicas no bairro de Gamboa, Rio, e a residência Duarte Coelho, na Gávea. Encerra-se a sociedade Warchavchik & Lúcio Costa. 
1939 - Recebe o 2º prêmio no concurso para o Paço Municipal de São Paulo com o projeto Praça Cívica, em colaboração com Vilanova Artigas. Projeto e construção de edifício de apartamentos à Alameda Barão de Limeira e da residência Klabin à Avenida Europa, São Paulo. 1940 - Participa do I Salão de Arte da Feira Nacional de Indústria, São Paulo. 1942-43 - Projeto do Estádio Municipal de Santos e construção da casa na praia da Enseada, Guarujá, do conde Raul Crespi. Participa da Exposição de Arquitetura Brasileira organizada pelo Ministério das Relações Exteriores, na “Royal Academy de Londres”, exposição repetida depois em Copenhague. Recebe o prêmio de melhor edifício pelo prédio construído em 1939, à Alameda Barão de Limeira e de melhor residência pela casa Klabin, São Paulo. 
1945 - Projeto “Cidadinha” dedicado a solucionar a crise de habitações populares. Construção do rancho Jorge da Silva Prado na praia de Pernambuco, Guarujá. 1946 - Projeto do Edifício Tejereba, Guarujá. 
1948 - Projetos para a sede social do Clube Paulistano e do edifício de apartamentos Roberto Simonsen, São Paulo, e da fazenda Santa Maria de Calunga, Moji - Mirim, São Paulo. 
1949 - Projetos para o Iate Clube do Guarujá e construção da casa na paria da enseada, do próprio arquiteto. 
1950 - Projeto e construção das casas de Gianicola Matarazzo e Ricardo Jafet, Guarujá. 
1951 - Restauração da Capela do Morumbi, São Paulo. 
1953 - Sala especial Habitações Coletivas na II Bienal de São Paulo. 
1954 - Projeto e construção do Edifício “Cícero Prado”, à Avenida Rio Branco, São Paulo. 
1956/57 - Construção das sedes sociais do Clube Pinheiros e da Hebraica, São Paulo. Construção do Conjunto Nacional, à Av. Paulista, projetado por David Libeskind. 
1963 - Sala especial “Manifesto de 1925”, na VII Bienal de São Paulo. 
1966/69 - Projeto e construção do Clube Tietê, S. Paulo. 
1971 - Exposição dos 50 anos de sua arquitetura e os inícios da arquitetura moderna no Brasil, no Museu de Arte. Projeta a primeira casa desmontável, com novos materiais, pretendendo montá-la no Guarujá, ao final do ano.
 A Tribuna Santos - domingo, 1º de agosto de 1971.

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