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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MARIA BONOMI ENTRE ESPAÇOS E CONTRASTES



Maria Bonomi, na Cosme Velho. 

Ela mostra 12 xilografias de grande formato. Eventuais variantes, algumas matrizes anteriores e atuais e uma “Solombra”, em poliéster, com aproveitamento de matrizes pelo sistema MS2, já apresentado em 1973 em São Paulo e no Rio de Janeiro. Estas xilografias são resultado de anotações feitas por Maria Bonomi na Transamazônica e sul da Bahia, em 1973, e na China em 1974. 

Artista gráfica, cenógrafa e figurinista, Maria Bonomi nasceu em 1935. Trabalhou com Yolanda Mohaliy, Plattner, Mayer, Schapiro, Seong Moy e J. Friedlander e foi bolsista nos Estados Unidos do Pratt Institute de Nova York, onde estudou artes gráficas e museologia. Entre outros prêmios obteve o de gravura na VII Bienal de São Paulo na V Bienal de Paris e na VII Exposição Internacional de Ljubljana e na I Trienal de Xilografia de Capri. Em teatro, obteve os prêmios Molière, Saci e Governador do Estado. Representou o Brasil em muitas exposições internacionais, destacando-se as bienais de Tóquio, Veneza, Norimberger e Londres. 

As xilos que ela expõe são, no dizer da artista, praticamenteuma reportagem visual, com claras e obvias situações vividas na Amazônia, sul da Bahia e na China. Evidentemente que a constatação visual é muito mais voltada para o “significado em nós” do natural do que propriamente suas significâncias pré-estabelecidas pelos códigos contemporâneos: o espaço brasileiro, as cores dominantes, os contrastes humanos...” 

A artista recorda que mostrou seus trabalhos pela primeira vez em 1952, numa coletiva no Museu de Arte de São Paulo. Não se tratava exatamente de gravura, não se recordando o destino de tais trabalhos. Nesses seus anos de atividades artísticas, muita coisa aconteceu “fora e dentro de mim, evidentemente, no entanto nunca resisti ao convite: “você quer mostrar o que está fazendo?”, mesmo que, “mostrar”, exatamente interrompa, talvez irremediavelmente, o que se está “fazendo”. 

Maria Bonomi é daquelas artistas que não se apegam a um único tipo de fazer artístico e por isso mesmo continua sempre a expor, sendo essa a sua forma de convívio direto, integrando seu trabalho com o público. 

E sua luta persiste ainda mais contra os “interpretadores” ou “tradutores” iluminados que falam de “arte subtendendo mensagens misteriosas e visionárias de alguns inspirados eleitos para privilegiados possuidores de imagens únicas supervalorizadas e sempre leiloáveis”. 

Para Bonomi, essa forma de interpretação da arte tende a persistir como alternativa entre certos grupos ecléticos e tidos como “avançadíssimos” que convivem intercambiando entre si rarefeitas angústias estilísticas e que vêm propondo experiências importantes (com atraso) dos modismos internacionais. Este assim agir desprestigia e até mesmo ignora “a força e a potencialidade de nosso imaginário, de nossa pesquisa popular, preferindo basear-se em opiniões de alguns condescendentes da cultura internacional”. 

Entende a artista que o colonialismo cultural existe porque é permitido pelo colonizado que está eternamente se submetendo a noções com as quais não pode histórica e antropologicamente se identificar. “Dizem: acabou o cinema no mundo, evidentemente, substituído por uma televisão cada vez mais florescente: é mentir: aí está o Bergman ou Fellini, entre outros, para provar o contrário. Macrocosmo universal dentro do microcosmo sueco ou italiano. Operância artesanal e artística. A literatura acabou. É mentira: e o Borges e tantos maravilhosos latino-americanos, de vigorosa inventividade? O que deve haver é a busca do essencial de cada um em seu próprio espaço físico e social, crítica das normas estatizantes estabelecidas que nos sejam estranhas ou impostas. 

Para Maria Bonomi, garantir em padrões importados, a plena aceitação do que cada um faz é uma preocupação de críticos e artistas (reacionários) do século XIX que caracteriza uma deformação de avaliação. 

Na opinião da artista, essa é uma “atitude inculcada até hoje no público por manipuladores da cultura e da informação, que querem aprisionar a sensibilidade de uma audiência num sistema de hierarquia de valores de orientação econômica, psicológica e social que ainda obriga a arte em nosso país a ser subdividir em forma, conteúdo, preço, antiga e moderna, etc. O que pretendo, eu e vários artistas, é o oposto a este esquema. Nossa forma de trabalho é ‘reportar ao laboratório’ onde elaboramos nossas mais variadas expressões particulares ou coletivas. O resultado poder surgir em filme, desenho, estar, foto, cenografia, ser, litografia, recusa, participação, parecer, televisão, memória (fixada ou não), xilografia, papel, encontro, matriz, pedra, video-tape, escultura, decoração, intervenção circunstancial, painel, comportamento, enfim tudo é para ser posto para fora, para ser percebido pelo autor que por sua vez elabora, conduz, reduz, amplia e imagina “a partir de”, etc. A arte não é inspiração mas conscientização e trabalho. No momento atual cumpre fornecer com urgência imagens, situações e comportamentos onde eles são necessários”. 

E finaliza, categórica: 

Uma imagem multiplicada percorre os mais variados caminhos. A característica do artista contemporâneo é de ser polivalente usando a ambivalência dos meios e vice-versa. Queremos provocar reações modificadoras pelo impacto ou pelo convívio com as imagens. Há um grande público para elas em qualquer que seja a linguagem expressiva. Cabe a nós produzi-las qualificadamente. E documentar esse processo. Pois bem, 1500 gravuras vendidas num ano representam pouco perto da platéia de um filme ou de um show de TV. No entanto, a duração do convívio é outra: no caso da imagem multiplicada ou não, fotografia ou reproduzida lá está todo dia nos impregnando na saída do elevador, na parede em frente, substitui a janela e, quantas vezes a paisagem e um referencial da vida. Não é importante possuí-la, mas sim vê-la, fruí-la em diferentes momentos do cotidiano. Daí a permanente revelação contida na escolha de uma imagem.” 

Folha de São Paulo 
Domingo, 7 de setembro de 1975.

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