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sábado, 13 de dezembro de 2014

CEARÁ, O MEU CEARÁ

À LUIZ EDGAR DE ANDRADE, 30 anos de amizade, mestre na imprensa.
Ao antigo tocador de tuba da Banda dos Fuzileiros, Eleazar de Carvalho, respeitos.
À Lívio Xavier, poeta e crítico stendhaliano, admiração.
Ao Chico da Silva, primitivo ágrafo, homenagem. 

FLÁVIO SAMPAIO, cearense cabra da peste, sertanejo, benfazejo, presidente da Associação Brasileira de Artesãos/Ceará, descarregou em S. Paulo o artesanato maior e melhor da Terra do Sol de Farias Brito, José de Alencar, Capistrano de Abreu, Gustavo Barroso, Clóvis Beviláqua, Delmiro Gouveia, Castelo Branco, Juarez Távora, Chico Anísio, Raquel de Queiroz, além de Iracema, Araçari de Oliveira e Florinda Bolkan, belezas morenas, mais índias tabajaras que cearenses – são milhares de peças, mais 300 artigos regionais diversos, dos 2.300 associados da entidade – artistas brutos, anônimos, folclóricos, artesãos ingênuos e populares – uma festa para os olhos do paulista bestificado diante do espanto telúrico deste Ceará ao vivo, que despenca aqui as artes arteiras de um povo guerreiro e rude, andarilho sem sossego, “judeu” brasileiro, o sangue cruzado com o índio, o português e o branco, nômade, caboclo e comerciante, sóbrio, perseverante e hospitaleiro, ambicioso e fatalista, vivo, álacre e imaginativo, comunicativo, amigo da música, do jogo, do forró, das vaquejadas e das jangadas do mestre Jerônimo, da cultura jurídica de mistura com a letrada, analfabeta ou altamente alfabetizada, das intrigas políticas estaduais ou meramente municipais ou paroquiais, do Meu Padim Cícero do Juazeiro, do Floro Bartolomeu que arranjou patentes de Capitão para lampião, dos doidos golpes justiceiros, das cavalgadas da Coluna Prestes, dos beatos e cangaceiros, do sertão alegre e sofrido de Leonardo Motta, povo vivido e curtido, das serenatas de Juvenal Galeno e do Cego Aderaldo, de Catulo da Paixão Cearense do Luar do Sertão e do Rogaciano Leite, do cordel junguiano de João Martins de Ataíde ao de Abrão Batista, derramado no Mercado velho, na Encetur e na Praia de Iracema, onde o cearense-paulista Fernando de Alencar Pinto tem a fraterna Casa da Jangada, dos contatos imediatos, das cantorias improvisadas do Formiga, até esse fabuloso menestrel, o Patativa do Assaré, rei-poeta do Brasil. 

O PAÇO DAS ARTES, da Secretaria Estadual da Cultura, com apoio certo do Banco do Estado do Ceará, graça à feliz lembrança de amigos paulistas da Associação Brasileira de Artesãos – Ceará, recebe assim alvoroçado esse sertão oceânico de arte ignata e ínsita, como querem Clarival Valadares e a antropóloga Lélia Frota, arte tão bela e rude, sábia e atávica, nacional e armorial de Mestre Suassuna, arquetípica além de típica, nascida na será majestosa das grutas de Ubajara, da Prainha idílica do mameluco genial Aldemir Martins, do Trairi do Celso Barroso tronitroante, de Paracuru onde agora jorra o petróleo cearense para o mundo, de Itapipoca de Antonio Augusto Soares Amora que é um cearense Amoroso, do São Francisco do Canindé dos votos – devotos, do Crato, Estados Unidos do Sobral e Baturité, Iço, Morro Branco, do Rebolo, e Aracati, onde viveu a célebre apelidadeira Dona Castorina, de tantas estórias engraçadas, do Pirambui, do acreano cearense Francisco da Silva revelado pelo francês Pierre Chabloz quando pintava o carvão e folhas nos muros baldios de Fortaleza seus dragões mágico-fantásticos, do Juazeiro de Mestre Noza, famoso com seus entalhes e suas talhas, e a Via-Cruxis admirável, até na Oropa/Rança/Bahia, esses cearenses do Iguatu e das famosas praias do Futuro, Majorlândia e Namorados, cabeças chatas e suas inteligências maravilhosas, loquazes e capazes, lutadores contra o meio hostil e inóspito, o agreste sertão e a seca besta, as más administrações eleitorais e o isolamento geo-econômico, fanáticos do Pajeú e do João abade inesquecível de João Felício dos Santos, da Beata Mocinha e do herói Jesuíno Brilhante, do Antonio Conselheiro, nascido Mendes Maciel, louco-manso místico e apocalíptico, padrinho santo de tudo que é jagunço e vaqueiro, segundo os evangelhos de Paulo Dantas, do sertão-meu-penitente, o Ceará dizimado na epopeia da borracha amazonense, gente espartana e resistente, ameríndia e pastoril, esses filhos dum Nordeste sudenizado, raça original e varonil, povo do Brasil que a gente encontra no Paraguai, na Índia e na China, até na Arábia Saudita escondidos sob mantos e turbantes, homens qualunques, bóias-frias portuários e cidadãos anônimos, leoninos/rotarianos/católicos/corintianos/umbandistas, repentistas e beletristas, jornalistas e literatos afamados – holandas, glaucos, e nertans, porfírios e ari cunhas, aderaldos e raimundos, freitas e moacires, gaspares e girãos, esses caros irmãos/amigos nascidos no Ceará – cidadãos brasileiros e do mundo. 

ESTÁ AQUI, pois, esta formidável exposição do Ceará, esforço louvável e admirável de quantos, cá e lá, desejam mostrar e curtir a arte e a cultura espontânea do Ceará, segundo a expressão consagrada de Rossini e do Mestre Cascudo, a semântica picaresca e a quinquilharia pitoresca do artesão interiorano de Massejana e de Itapipoca, do sertão do Jaguaribe, das chapadas da Serra Grande e do Araripe, de Ipú e de Aquirás, ligados ao umbigo grande da radiosa Fortaleza de Plauto Benevides, ao sol parisiense, e, no entanto, nordestino de Sérvulo Esmeraldo, e ao tachismo de Antonio Bandeira, que morreu estourado por amor ao Ceará, as artes do comer e do beber cachaça da boa do Itapicurú, da carne de sol e da tapioca, da paçoca sem igual de Inês Fiúza e do pirão de milho da Angélica, do feijão de carda e da manteiga de garrafa, artesãos em couro e barro, sementes e fibras, bordados, filés, redes, varandas, rendas, labirintos – há uma moda cearense tipo indiana para a mulher brasileira – esculturas de madeira e metal e até nas garrafinhas de areia, xilos e ex-votos, a literatura de cordel marca vinda do inconsciente coletivo, jornal do sertão e de sobrevivência, tudo com a vibração nacional, verde-amarela, cruzeiro do sul no céu do Salve a Pátria, e chova arroz e jerimum e macaxeira, e viva esses expoentes de hoje, que se põe e antepõe em seu torrão natal aos ciúmes lindeiros de baianos e de pernambucanos, Expedito Lázaro Lopes e Raimunda Maria Amaro, João Batista de Sena e Francisca Duarte de Aquino, Moisés de Souza Castro, José Glauco maia, Antonio Giovani e Luis Gonzaga Amaro, todos, todos, do país continental Ceará, das carnaubeiras carregadas, dos mandacarus espetados, das correrias das vaquejadas, das aventuras atlânticas das jangadas, desafiando o mar grosso, misterioso, das secas impiedosas e das pelejas dos trovadores e cantadores, esse Ceará que deságua caudal e por inteiro, nesta Pauliceia Desvairada de Mário de Andrade, onde, a gente paulista, recebe de coração aberto seus irmãos terráqueos com carinho irmão, bem companheiro, reta saudação, brasileiro/brasileiro. Vote! 

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