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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO

Esta é a segunda edição, agora exclusivamente em versão “on line” de “CORDEL – O JORNAL DO SERTÃO” do jornalista e crítico de arte LUIZ ERNESTO MACHADO KAWALL
O trabalho é composto por textos vertidos em linguagem jornalística enxuta, fruto de suas inúmeras viagens pelo interior do nordeste brasileiro entre as décadas de 1950 a 1970 enquanto assessor de imprensa de políticos e empresários. A cada viagem o intrépido jornalista aproveitava o tempo livre de seus múltiplos compromissos e fazia suas incursões pelas feiras e comércio popular, entrevistando-se com as gentes e o povo de cada local visitado. Foi assim que montou uma das maiores e mais expressivas coleções de livretos de cordel que manteve por muito tempo e que, posteriormente, por iniciativa própria, doou ao compositor e multi-instrumentista Antônio Nobrega. Seguem abaixo algumas anotações que reputamos singulares para a compreensão da importância e significado da Literatura de Cordel. 

ANOTAÇÕES DE CORDEL 

1. “Bandido para o sertanejo é quem mata mediante pagamento. O sicário a soldo. Francisco das Chagas Baptista (1885/1929), paraibano, grande poeta popular, dono de pequena livraria na Paraíba (depois João Pessoa), foi o historiador minucioso desse killer, registrando em sextilhas as façanhas e proezas, enfeixadas nos incontáveis folhetos vendido nas feiras e divulgados pelos cantadores da época. Gustavo Barroso (“Ao Som da Viola”, Rio de Janeiro, 1921, “Heróis e Bandidos!, Rio de Janeiro, 1917), estudou a figura poderosa do bandoleiro, Rifle de Ouro Preto, Governador do Sertão, nos dezoito anos do seu domínio terrífico em quatro Estados na União. A literatura de cordel foi abundante, narrando em versos os encontros com as patrulhas volantes perseguidoras, em que sempre o facínora escapava habilmente.” Flor de Romances Trágicos - Câmara Cascudo - Editora Cátedra, 1982. 

2. Literatura de Cordel: reflexo da sabedoria popular. Tal qual baraúna majestosa, enraizada no sertão é fato tal que o cordel vive, revive e sobrevive sempre resistente. É a um tempo a voz dos cantadores e a labuta contínua dos folhetinistas de feiras e ruas desde os interiores dos sertões às capitais; são coleções particulares a se multiplicarem em vozes espontâneas dos capitães guerreiros do Cariri à sonoridade clássica do armorial; são os “Suassunas” dos teatros de ruas interioranos dos sertões do Nordeste cordelizando este Brasil do beiço ao umbigo em tempo e espaço múltiplos e multifacetados. Com as migrações nordestinas para os mais diversos pontos do Brasil transferiu-se também a literatura de cordel, mantendo temas antigos e acrescentando outros novos, de caráter mais urbano,inclusive acontecimentos políticos. 

3. A Literatura de Cordel sempre esteve ameaçada de desaparecer porque os seus autores, gente simples, na maioria não dispunham de condições de suportá-la devido ao custo da impressão. Muito embora feita expressamente para ser recitada, não perde sua característica oral, posto que impressa por motivos econômicos. Na literatura oral ou literatura popular em verso e também denominada cordel, podemos distinguir duas características bastante distintas: a de cunho exclusivamente folclórica que é transmitida oralmente, tornada anônima pelo desconhecimento dos autores, passada ao patrimônio coletivo e a popular, que é transmitida pelo uso de meios técnicos de impressão, que não é anônima, mas que possui intrinsecamente as características da poesia folclórica.

4. Em alguns folhetos encontramos discursos acentuadamente nacionalistas. Outros, com terminologia beirando a do português arcaico aproximam-se do trovadorismo portugueses e espanhóis. 

5. Regionalmente, a literatura de cordel é de importância indiscutível. O folheto impulsiona a alfabetização do sertanejo, que aprende a ler e escrever quer para saber “o que está acontecendo no mundo” - e “acontece” o que o folheto lhe apresenta como acontecimento - quer para eventualmente tornar-se um trovador, um poeta popular, que é o caminho ao “status” social. - Orígenes Lessa - “Getúlio Vargas na Literatura de Cordel. 

6. Por seu turno, múltiplas são as dificuldades que cercam e limitam a criação popular na área dos folhetos de cordel, da poesia e da xilogravura, composta por pequenas editoras artesanais, artistas de xilogravuras além do próprio criador que, em grande parte das vezes é o seu próprio editor, dono de pequena tipografia interiorana, com impressora arcaica, movida a pedal, sem energia elétrica. 

7. Na década de 80 muitos chegaram a impingir à televisão o ocaso e a marginalização da Literatura de Cordel. Mas o Cordel vive, revive e sobrevive. Com a migração nordestina as capitais do sudeste passaram a tornar-se grandes centros impressoras dos folhetos de cordel. E reinventando-se continuamente, mesclando à saga e às iconografias típicas do nordeste os novos elementos assimilados nas vivências do novo ambiente. 

8. Literatura oral é termo genérico para todas as manifestações culturais, de fundo literário, transmitidas por processos não gráficos. Já a Literatura Popular, típica, é impressa, tendo ou não autores sabidos, identificáveis. Os assuntos são infinitos. Todos os motivos polítipos, locais e nacionais, fazem nascer dezenas de folhetos em pro, todos em versos, quadras. ABC, sextilhas, décimas. Rarissimamente aparece o folheto em prosa. Há o registro dos acontecimentos sociais, grandes caçadas ou pescarias, enchentes, incêndios, lutas, festas, monstruosidades, milagres, crimes, vitórias eleitorais. Há a série permanente no redor dos temas que têm devotos, odisséia de cangaceiros, milagres de santos, prisão de bandidos famosos, fugas espetaculares, sonhos, visões ligadas ao “meu padrinho Cícero do Juazeiro”, que continua fornecendo motivo a uma tonelada anual de folhetos. Reimprimem os velhos livros dos poetas populares, conservando-lhes ou não a autoria. 

9. A Literatura de Cordel mantendo as características da oralidade se transmite na forma escrita através dos folhetos de feira, na forma de poesia narrativa popular impressa, condensando o desafio da viola, suas variações, sextilhas sobre temas atuais e mais um infindável número de temas. 

10. A partir das investigações de Couto de Magalhães, Luiz da Câmara Cascudo e outros estudiosos o romance de cordel começou a tomar vulto. Apareceram as classificações por Ciclos: do Boi, do Cangaceiro, da Bravura, da Valentia, da Peleja, do Maravilhoso, passando a ficar cada vez mais longa, complexa, complicada e até mesmo discordante. A partir desta “descoberta” veio a divulgação pelas mídias, jornais, revistas, suplementos e publicações várias que passaram a divulgar essa maneira própria de versejar, criticar e comentar os fatos cotidianos mais em voga e, mesmo, divulgar o que seria sua forma mais próxima do jornal. O que levou o jornalista Luiz Ernesto Kawall a compará-lo a uma espécie de jornal, o “Jornal do Sertão”. 

11. A literatura de cordel é toda em versos. Encapando o opúsculo usam papel mais encorpado e geralmente de cor. Na capa há sempre, além do título do folheto e nome do seu autor, uma lustração que, quase sempre, é uma xilogravura. 

12. O folk-jornalista Luiz Ernesto Kawall, importante colecionador e estudioso do assunto lembra que, geralmente, as capas são de quatro tipos: clichês de fotografias (de personagens históricos, artistas de cinema, políticos, pessoas famosas); clichês de desenhos feitos especialmente para a edição dos folhetos; xilogravuras, as mais interessantes, talhadas nos tacos de madeira a canivete, formão, tesoura, buril, alfinete; e, mais raramente, as elaboradas exclusivamente de tipos gráficos - fios, vinhetas, filetes, colagens, etc. 

13. De uma forma ou de outra, as capas - todas elas - têm estreita ligação com os versos do folheto e, juntamente com os títulos, são as responsáveis pela venda de milhares de exemplares. Entretanto, seus autores não são conhecidos, pois são raras as capas que aparecem assinadas. E quando são não é raro acontecer uma reedição com a autoria de outro artista. 

14. No início a ilustração dos folhetos de literatura de cordel eram obras de artesãos anônimos que gravavam cenas de paisagens ou pessoas. Alguns são trabalhos ingênuos, outros, porém, são dignos de verdadeiros mestres gravuristas. 

15. A xilogravura pode ser considerada como um fato folclórico tipicamente nordestino. Porém, a origem das mais aceitas diz respeito à presença dos catequistas e religiosos cujas estampas de cenas bíblicas influenciaram os gravuristas da época. E, a partir das figuras bíblicas, outros elementos se associaram a esse universo descritivo que rodeavam os versistas e contadores de histórias, influindo consideravelmente na mente dos gravuristas de então. As figuras mais freqüentes na xilogravura de passaram a ser os cantadores, os vaqueiros, os cangaceiros, animais da fauna regional e o boi na tradição pastoril e muitos outros. 

16. Inicialmente a xilogravura de cordel nasceu anônima, sem assinatura. Importa ver na genuína xilogravura popular seu caráter essencialmente utilitário. Veículo de ilustração das histórias narradas em prosa e verso. Com o passar do tempo também os gravuristas passaram a assinar seus trabalhos e muitos constataram a existência de um novo mercado - o da arte. 

17. O cordel, na forma primitiva como se apresenta, funciona como meio de transmissão do fabulário e crônica dos acontecimentos recentes. O próprio folhetinista é quem os expõe ao público, em praças e ruas, pendurados em fios de barbante para sua maior visibilidade. Daí o nome cordel. 

18. O comércio é feito pelo próprio folhetinista ou pelo seu impressor que, desta forma, passa a ser também distribuidor. Vendido nas feiras e mercados populares e cantados a um público quase sempre analfabeto, funciona como meio transmissor na forma de crônica dos acontecimentos. De onde surge chamá-lo como sugere Luiz Ernesto Kawall, de Jornal do Sertão.

Instituto Salerno Chieus

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