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sábado, 6 de dezembro de 2014

LITERATURA DE CORDEL: O JORNAL DO SERTÃO



Notas para o Prof. Rossini Tavares de Lima e seus alunos do Curso de Folclore da Associação Brasileira de Folclore, ministrado no Museu de Artes e Técnicas Populares, SP

1. Origens
A literatura oral é mantida e movimentada pela tradição. Ela tem chamado a atenção de estudiosos em todas as partes do mundo. O termo foi criado pelo Frances Paul Sébillot, ao início do século. 
Duas fontes contínuas mantêm a literatura oral, segundo Câmara Cascudo. Uma exclusivamente oral, que se propaga na estória, no canto popular e tradicional, nas danças cantadas, danças de divertimento coletivo, ronda e jogos infantis, cantigas de embalar, nas estrofes das velhas xácaras e romances portugueses, nas músicas anônimas, nos aboios, anedotas, adivinhações, lendas, etc. 
A outra fonte é a reimpressão dos antigos livrinhos, vindos da a Espanha e de Portugal e que são convergências de motivos literários dos séculos XIII, XIV, XV e XVI. Essa literatura popular impressa foi chamada pelos franceses de “colportage” e estudada, em Portugal, por figuras do porte intelectual de Carolina Michaelis de Vasconcellos e Teófilo Braga. Na Alemanha, em 1912, Richard Benz publicou estudo de 5 tomos sobre o tema. 
Ainda hoje se discute se a literatura impressa popular saiu do povo ou foi incluída, pela leitura, na oralidade anônima. Neste campo, ela resulta muitas vezes de uma sobrevivência popular anônima, preservada pela tradição oral e impressa, e, por isso, pode ser também folclórica. Romances, estórias e ABC populares não influenciados por círculos eruditos ou instituições, são, assim, remanescentes legítimos da cultura popular. E podem, pois, ser estudados dentro da conceituação geral do fato folclórico, segundo a definição de Rossini Tavares de Lima. 
Alceu Maynard Araujo diz que a literatura de cordel é a literatura do povo para o povo. 

2. No Brasil 
Pelas notícias que se têm em nosso país, os folhetos de literatura popular impressa (cordel) aparecem em fim do século passado, Contavam histórias medievais e lendas européias. Depois vieram as histórias de cangaço, do misticismo religioso, de amor e de bichos e de profecias. Hoje, o cordel nordestino é um repositório desses itens e dos fatos da atualidade. A nossa literatura de cordel vem sendo estudada desde o início do século, como contribuição que ela representa para a história social, econômica, etnográfica, sociológica e folclórica do povo brasileiro. Leonardo Motta e Gustavo Barroso, não esquecendo Luís da Câmara Cascudo, são seus principais pesquisadores, Nos nossos dias os melhores estudos pertencem as Thiers Martins Moreira, Américo Lacombe, Eugênio Gomes e M. Cavalcanti Proença, este principalmente, da Casa de Ruy Barbosa, do Rio de Janeiro; Ariano Suassuna, Ewandro Rabelo e Vital Fernandes, no Recife; Antonio Martins Filho, em Fortaleza; Théo Brandão, em Maceió, Rodolfo Coelho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional de Cantadores e Trovadores, em Jequié; Eurícledes Formiga, em S. Paulo; e Sol Biderman, professor norte-americano, bolsista da Fundação Rockfeller, e Raymond Contel, em Paris. O melhor e mais completo estudo, compreendendo aspectos fundamentais do romanceiro brasileiro, é de M. Cavalcanti Proença e Orígenes Lessa, este o maior colecionador de folhetos de cordel do país. Ambos, com seus colaboradores, elaboraram um trabalho intitulado “Literatura Popular em Verso”, em dois tomos, editado pela Casa de Ruy Barbosa, do Rio de Janeiro. O trovador Rodolfo Coelho Cavalcanti, a quem se deve a realização de dois congressos de cantadores e trovadores, dirige da Bahia o jornal “O Trovador”, recolhendo de longa data achegas do nosso cordel. A literatura popular impressa tem servido de inspiração para escritores consagrados e eruditos. Dois exemplos: Jorge Amado, em cujos livros abundam citações do nosso romanceiro e, Ariano Suassuna, cuja peça mais famosa, “Auto da Compadecida”, é inspirada numa gesta popular. Isso para não citar Euclides, Amadeu Amaral, Afonso Arinos e, mais modernamente, Guimarães Rosa, que tantas vezes usaram as fontes populares orais e impressas para seus escritos. 

3. Generalidades 
O nosso romanceiro popular está contido em folhetos rústicos, impressos em papel de jornal e de embrulho, com capas em xilogravura ou de zincografia, estas reproduzindo geralmente clichês de cinema ou desenhos ingênuos. As estrofes são sextilhas (6 versos) ou martelo-agalopado (10 versos). Nos ABC cada estrofe é iniciada por uma letra do alfabeto, de A a Z. 
São encontrados nas feiras do Nordeste e nas “folheterias”, principalmente na cidade de Salvador, Recife, Juazeiro, Maceió, Belém, Caruaru e São Luiz. Os preços dos folhetos variam, atualmente, de 200 cruzeiros novos a 700 cruzeiros novos cada.
Muitas vezes o próprio poeta é o editor e o vendedor dos folhetos. Poetas percorrem o nordeste, raliando cantorias, e vendendo sua produção. Em muitas feiras já são anunciados por alto-falantes e microfones portáteis. Formam conjuntos, com viola e ganzá, e às vezes bumbo, para acompanhá-los. Há que distinguir, contudo, dos verdadeiros poetas populares, dos meros cantadores caça-níqueis e dos deturpadores semi-eruditos da música sertaneja, principalmente usando o microfone das rádios das grandes capitais. 
As tiragens dos folhetos variam. Afirma-se que o folheto “Peleja entre Cego Aderaldo e Só Pretinho do Tucum” teve uma tiragem, domada, de 500 mil exemplares. Orígenes Lessa diz que no nordeste até analfabeto lê folhetos (pois aprendem de cor as estórias, nos forrós e cantorias). 
Uma arte admirável da literatura de cordel, tão boa quanto a própria, é a gravura em madeira (xilogravura) dos folhetos, principalmente mais antigos. Revelou grandes artífices da gravura popular brasileira. Feita em canivete, gilete ou ponta de facão, permanece como arte ingênua. Muitas têm identidade com a gravura medieval, e, mesmo japonesa, segundo estudo do Museu de Arte Federal da Universidade do Ceará. Inclusive pelas cercaduras trabalhadas. Um estudo do assunto é de Aldemir Martins. 

4. O jornal do sertão 
A revista “Veja” disse bem. O CORDEL É O JORNAL DO SERTÃO. Hoje, dia 20 de novembro de 1969, deve estar sendo rodado, numa das capitais folclóricas do nordeste, um folheto popular sobre o mil-gol de Pelé no Maracanã. Em nossa coleção temos 5 folhetos diferentes sobre o feito dos astronautas pisando a Lua.
Os folhetos em grande tiragem e as cores no sul; a penetração do rádio e da TV e do radinho de pilha; o progresso que atinge o nordeste, com o plástico esmagando a borracha; o mocassino derrubando o couro; o arame farpado substituindo a cerca de mourão; a energia elétrica, a estrada, o jipe, o computador... Tudo isso atingem o mercado do folheto do cordel, que fenece dia a dia. Em muitas cidades já, antes focos de cantadores e violeiros, e Meca dos vendedores de folhetos, é difícil encontrá-los. Hoje são muito mais vendidos os folhetos impressos cá em S. Paulo, na Editora Prelúdio, que compra os direitos autorais dos poetas sertanejos, muitas vezes por ninharias. O poeta-garimpeiro Antonio Teodoro dos Santos, já veio morar em S. Paulo, contratado pela editora. Cuíca de Santo Amaro, que retratava “o escândalo do dia”, morreu em Salvador e não deixou substituto. 
“O trovador popular 
É um repórter ambulante 
Que escreve para o povo 
Toda hora e todo instante 
O que vai acontecendo 
E deste modo vai vivendo 
O Rodolfo Cavalcanti”. 
Luiz Ernesto Kawall

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