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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

W. CORDEIRO

WALDEMAR CORDEIRO
Marginal, atuante, papa da art-computer 

Waldemar Cordeiro (1295/1975)
– A “computer art” está em relação à segunda Revolução Industrial como a arte concreta está em relação à primeira... A arte concreta criou linguagens para a produção “mecânica” da imagem, a “computer art” cria metodologias para o uso de meios eletrônicos para a produção e processamento da linguagem... Daí ser a arte concreta elaborada em função da programação mecânica, ao passo que a “computer art”, ou arte eletrônica, leva a sua programação às últimas consequências, lançando mão dos extraordinários recursos proporcionados pela cibernética. 

Alto, atlético, cara cinematográfica, queimado de sol, trajes esportivos, voz argentina reconhecida no leve sotaque italiano, Waldemar Cordeiro defende com desembaraço, dentro de gestos amplos, a arte eletrônica, achando fundamentakmente que “a cultura criativa brasileira lamentavelmente não descobriu o potencial da arteônica”. 

Pintor, escultor, “designer”, paisagista, professor, W. Cordeiro, como é conhecido nos mais afamados e adiantados centros de arte do mundo, estudou belas artes na Itália, onde nasceu acidentalmente, filho de pais brasileiros. Entre nós, desde a década de 40, foi incessantemente precursor da arte abstrata, cinética, mecânica, eletromecânica e com computador. 

Construtivismo
Não pertenço ao contexto, fui sempre “do contra”, todo o “sistema” da movimentação artística brasileira é pura ficção – diz Cordeiro que, com uma risada sonora, acrescenta considerar-se de há muito “um marginal atuante nas artes”. Critica galerias, museus, bienais, “a inexistência crítica de arte” (ele que também foi crítico de arte das Folhas). Ressalta, contudo, a extraordinária capacidade intuitiva dos jovens, e diz não se interessar pelo “folclore artesanal” da arte atual brasileira, procurando integrar-se aos contextos internacionais, informar-se com “a linguagem global e intercontinental de nossa época”, propiciada pela eletrônica e pela cibernética, deixando de lado “a tradição, o classicismo, o colonialismo, o falso humanismo de nossos dias”. 

Ele despede-se de sua mulher, Helena, funcionária do Departamento de Geografia da USP, beija as duas filhas já moças, Fabiana e Analídia. Elas estão às portas do ingresso na Universidade, cursam arte e dança moderna, acompanham Cordeiro em suas pesquisas visuais e com computadores. Dirige-se do apartamento de Perdizes para o escritório de planejamento visual e projetos paisagísticos da Vila Buarque. Estes dias – como sempre – anda ocupado, são encomendas oficiais e particulares, de parques públicos, praças, áreas ajardinadas, chegadas de cidades do Nordeste, Norte e Centro-Sul do país. São muitos os convites para conferências e debates, aos quais não foge com sua reconhecida disposição para uma boa briga verbal, numa guerra sem quartel, de mais de20 anos, dentro do “impasse cultural brasileiro”. 

– Por que fala numa crise geral da arte? – As variáveis da crise da arte contemporânea são a inadequação dos meios de “comunicação”, enquanto transporte de informações, e a ineficácia da “informação” enquanto linguagem, pensamento e ação. 


– Embora o uso das palavras “comunicação” e “informação” na literatura científica não assuma significado unívoco, entendemos por comunicação o transporte, processamento e mecanismo técnico utilizados para a transmissão da informação. Destarte, tanto o objeto artesanal quadro, como máquina que reproduz ou complementa algumas funções do sistema nervoso, do cérebro, ou do comportamento humano, na atividade artística, reproduzindo-as mediante um órgão artificial, integram sistemas de comunicação. 

– A obsolescência do sistema de comunicação da arte tradicional reside na limitação de consumo implícita na natureza do meio de transmissão. O número limitado de fruidores possíveis, os custos elevados, a área de atendimento e as dificuldades técnicas do sistema de comunicação da arte tradicional estão aquém da demanda cultural quantitativa da sociedade moderna. 

– As obras tradicionais são objetos físicos a serem apresentados em locais fisicamente determinados, pressupondo-se o deslocamento físico dos fruidores. Numa cidade como São Paulo, de oito milhões de indivíduos, cujas projeções populacionais para 1990 preveem uma cifra de mais de dezoito milhões de habitantes, essa forma de comunicação não é viável. E ainda menos o será para uma cultura a níveis nacional e internacional, básicos para o desenvolvimento harmônico da humanidade. Cordeiro arranja com dois dedos, o cabelo que caiu à testa. 

– Essas evidências simples não parecem ter sido suficientemente compreendidas. Artistas de formação basicamente tradicional pensam em resolver a crise comunicativa saindo das galerias e indo para a micropaisagem urbana ou para a micropaisagem regional, embrulhando montanhas por exemplo. Parecem não ter percebido que o obsoleto está na natureza da “coisa” e não na sua escala. – De fato, a arte tradicional é mais conhecida mediante ar reprodução dos meios mecânicos e eletrônicos da comunicação do que através do consumo direto. Essa tradução ou comutação comunicativa implica, porém, em perda de informação do ponto de vista da mensagem pretendida na origem. A recíproca é verdadeira: a tradução para a tela de mensagens de comunicação de massa (pop) não escapa do mesmo destino de degradação do nível informativo. A conversão “digital” da imagem “analógica” mediante a retícula ou RTC da TV pode alterar substancialmente a estrutura guestaltiana da mensagem. Concluímos então que a mudança de comunicação é também mudança de informação.

Labirinto

– A obra que implicitamente define o espaço físico do seu próprio consumo, setoriza o ambiente, pressupondo uma zona específica para a fruição artística. – Por outro lado, a crise de “informação” da are contemporânea deriva de uma problemática artística que parte de outras problemáticas artísticas. Daí resulta que a originalidade constitui, em última análise, o melhor dos elos para a continuação da tradição, perpetuando a alienação do desenvolvimento linear do processo artístico. Essa é também uma setorização, agora não apenas física, mas também semântica, na medida em que o consumo da obra de arte requer um conhecimento específico prévio de repertórios exclusivos A setorização comunicativa e informativa conflita com o caráter interdisciplinar e integrado da cultura planetária. Ele interrompe um pouco, atende uma ligação internacional feita à Computer Arts Society de Londres, da qual é o único membro no Brasil. Cordeiro participa dos mais importantes salões de arte contemporânea da Europa e tem a citação e crítica certa dos maiores nomes da crítica internacional. 

Broadway

– A utilização de meios eletrônicos pode proporcionar uma solução para os problemas comunicativos de arte, mediante a utilização das telecomunicações e dos recursos eletrônicos que requerem, para a otimização informativa, determinados processamentos de imagem. No caso da “arteônica”, o transporte não implicaria em transformação A utilização dos novos meios comunicativos pouco significaria, no entanto, se não levassem conta as mais diversas variáveis da cultura. Aumentando o número de fruidores, a situação da cultura se torna mais diversificada e o “feed-back” mais complexo. Na medida em que a compreensão das condições gerais esteja à base de todo esforço criativo, o ato de criar vem exigir métodos mais complexos e meios mais rápidos do que aqueles até agora utilizados. Nesse rumo é que a arte poderá reencontrar as condições ara o desempenho da sua função criativa. 

 – Sabe-se que a mera utilização do computador não significa por si só a solução para todos os problemas. Nota-se, por exemplo, uma tendência para o virtuosismo técnico, quase um “neoformalismo” visando a uma demonstração hedonística sofisticada. Essa tendência, embora não formule problemas novos no campo da arte, em virtude dos processos automáticos empregados, possui o grande mérito de desmistificar a arte tradicional e construir para a análise de processos da mente, na atividade artística. Se os problemas artísticos puderem ser tratados por máquinas, ou por equipes que incluam o “partner” – computador, poderemos saber mais a respeito de como o homem trata os problemas artísticos. A simulação reproduz com eficácia e rapidez a produção artística tradicional, exaurindo-a, fornecendo a radiografia e os elétrons do seu cadáver, o que vale por uma certidão de óbito do misoneismo. Essa tendência, embora lance mão de recursos vastos, se autolimita à setorização já por nós apontada a respeito do diagnóstico das possibilidades comunicativas da arte tradicional, embora nessa condição setorial promova inegavelmente uma operação iconoclasta altamente higiênica. O problema mais urgente não é, contudo, o de rivalizar com a arte tradicional, porquanto isso equivaleria a aceitar um campo de atuação já condenado á obsolescência definitiva. 

– Uma segunda tendência da arte eletrônica visa a realizar obras interdisciplinares aproveitando pesquisas e descobertas no campo da neurologia e da psicologia (Gestalt), processando nesse sentido imagens com a ajuda do computador. Tipicamente “sintáticas”, essa tendência se inscreve na faixa da arte concreta desenvolvida nas condições históricas da primeira revolução industrial (“suprematismo”, “neoplasticismo”, “construtivismo”, etc., até a “arte concreta”), que criou uma linguagem de máquina para a comunicação da sociedade urbana e industrial. A esse respeito podemos destacar as semelhanças evidentes entre a “arte concreta” e a “computer art”. 

W. Cordeiro fala do aparecimento de uma nova cultura popular de massa: 
– O fato de que as tendências sintáticas ( a arte concreta, a cinética e a programada), tenham sofrido no decorrer da década de 60-70 uma profunda crise, deu-se em virtude principalmente do aparecimento de uma nova cultura popular de massa, possibilitada pelos meios eletrônicos de comunicação (que se refletiu de diferentes maneiras no campo da arte, particularmente através de endereços conservadores – como o “pop”, o ”novo realismo” e a “nova figuração”), tornando-se responsável pela introdução no problema arte de novas atitudes humanas, do desenvolvimento da pesquisa sintática, elevada dos meios mecânicos para os eletrônicos. 

– Por fim, extraordinária significação assume para a cultura a utilização do computador no domínio da imagem com finalidades exclusivamente técnicas e científicas, notadamente no campo da leitura, reconhecimento e interpretação automáticas de “patterns”, proporcionando recursos imensos não apenas para a programação criativa como para a programação de estudos críticos das mensagens artísticas. 

– A “computer art” sucede a arte concreta? 
– No Brasil a “Computer Art” encontra antecedentes na “arte concreta” que apareceu no fim da década de 40 e teve seu maior desenvolvimento, atingindo o apogeu na década de 50-60. A “arte concreta” foi no Brasil a única eu utilizou métodos digitais para a criação. Coincidindo com o período que apresentou o maior índice de industrialização, a arte concreta no Brasil, principalmente nas áreas urbanas, forneceu algarítmos altamente utilizados para a comunicação através de meios industriais de produção. A arte concreta individual influi decisivamente sobre a vanguarda na poesia, na música e na programação visual. 

– Na visão prospectiva da importância dos meios eletrônicos para a cultura nacional, deve ser selecionada a variável da extensão territorial. Para os demais campos da atividade social, o sistema de telecomunicação, atualmente em processo de expansão, constitui um fator de relacionamento, aproximação e integração. Essa mesma macro infraestrutura da comunicação poderia oferecer os meios para o desenvolvimento de uma cultura artística de âmbitos nacional e internacional. A cultura enfrentou no passado dificuldades físicas provenientes de uma ocupação de território nacional por núcleos de diferentes dimensões, separados por distancias de milhares de quilômetros, áreas essas com densidades variáveis, que transcendem as impostações meramente sintáticas. Deve-se salientar, contudo, a importância, no domínio da conscientização das populacionais baixíssimas, às vezes praticamente vazias. Por outro lado, no interior desses núcleos, a proximidade excessiva chega a degradar as condições de vida, comprometendo as possibilidades comunicativas. Os recursos eletrônicos de comunicação poderiam corrigir essas duas anomalias, permitindo um melhor equilíbrio ecológico entre o fator físico e o comunicativo. 

Cordeiro finaliza professoralmente numa antevisão, rápido, seu “marchand” em Hannover, Kate Sroeder escreveu, paga 25 dólares pela reprodução em “offset” de cada trabalho de Cordeiro (300 cópias). Além disso, organiza sua exposição, este ano, no Instituto Goethe de Berlim. 

– O processo cultural pelas telecomunicações está ocorrendo – e é irreversível – sob a orientação de técnicos, que nem sempre possuem uma visão profunda, global e humanística dos problemas. Note, porém, que quando nos referimos a uma visão profunda, global e humanística, pretendemos desligar essa imagem chamada “cultura superior” acadêmica, que é mais enfadonha, medíocre e inexpressiva do que o “Kitsch” da comunicação de massa. Os meios eletrônicos no Brasil facilitam e aceleram a antecipação da cultura sobre a realidade socioeconômica. Através do espaço continental do país, a informação artística poderia atingir os lugares mais remotos e isolados do território, muito antes do que os equipamentos materiais da civilização. A esse respeito é altamente provável que as informações do rádio e de TV cheguem aos núcleos habitados da Amazônia antes do asfalto na Transamazônica.

Um amigo renitente telefona. Não, Cordeiro não vai e não quer sair esta noite. Não faz parte de grupos sociais ou “rodinhas” culturais. “Isso é uma fossa completa, não conduza nada”, diz severo. 23/1/72. 

O concretismo brasileiro 
O beijo

No Brasil, a arte concreta não é uma decorrência direta do movimento internacional. A exposição inaugural do Museu de Arte Moderna de São Paulo, denominada “Do Não Figurativismo ao Abstracionismo”, em 1949, foi o ponto de partida das contradições entre o abstracionismo “hedonista” e o “construtivismo”. As primeiras obras de arte concreta foram apresentadas por Waldemar Cordeiro, também em 1949, no Teatro Municipal e na primeira exposição do Art Club de São Paulo. A nova visão, que iria substanciar o conceito brasileiro de arte concreta, afirmava que o abstracionismo era um salto qualitativo determinado, um movimento de “ruptura” que pretendia reivindicar a linguagem real das artes plásticas. Defendia a linguagem da pintura como sendo expressa por linhas e cores, sem desejar ser nem peras nem homem. A tela deveria ser visa apenas como um plano, como um espaço definido onde a composição é uma prova de dependência, onde só não é valor o que não corresponde à relação com outros elementos e onde todos os elementos devem ser equivalentes na quantidade e na qualidade. Com o pressuposto de que o fascínio da máquina teria decretado o ocaso da beleza naturalista, os artistas forjaram uma nova linguagem que pudesse exprimir o individual, o coletivo, o nacional, o universal, a um só tempo. Essa linguagem foi chamada concretismo. 

Durante vários anos, entretanto, a arte concreta desenvolveu-se sob o rótulo genérico de Abstracionismo, com alguns qualificativos que pretendiam distingui-la das demais vertentes desse movimento. Na I Bienal de São Paulo (1951) foram apresentadas obras concretas de A. Maluf, Ivan Serpa, L. Sacilotto, A. Palantnik e W. Cordeiro; mas pose-se considerar como um período precursor os anos de 1949 até 1952. Este último assinalou o aparecimento da arte concreta como movimento, sendo formulados definitivamente os seus princípios teóricos e métodos operativos básicos na exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo e no manifesto Ruptura (de autoria de Waldemar Cordeiro e subscrito pelos participantes da exposição). 

DISCUSSÃO E CONSUMO 

As novas idéias não foram aceitas tranquilamente. Em 1952, por exemplo, por ocasião da eleição de artistas concretos para o júri do II Salão Paulista de Arte Moderna, acirraram-se as divergências entre os concretistas e outras correntes plásticas. Mas, apesar dos muitos ataques sofridos, o grupo “Ruptura” continuou seu trabalho. Numa linha semelhante, surgiu em 1953 o grupo carioca “Frente”, apresentado no Instituto Brasil-Estados Unidos. 

O apogeu do movimento concretista brasileiro foi alcançado com a Exposição Nacional de Arte Concreta (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1956; Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1957), que também apresentou a influência do grupo sobre outros pintores (como Alfredo Volpi) e poetas. 

Depois de 1956 veio a fase da diluição, das influências generalizadas, das revisões e das extrapolações. Foi, portanto, na década de 50 que a arte concreta ganhou no Brasil o seu maior impulso e diversificado consumo. Isso porque o movimento proporcionou métodos eficazes para a comunicação das informações por imagens num período em que o País alcançava índices elevados de industrialização e urbanização. O movimento concretista brasileiro estendeu-se a várias cidades do País, notadamente Fortaleza (Arialdo Pinho) e Campinas (a página “Minarete Experiência”, do “Correio Popular”). 

Finalmente chegou o reconhecimento internacional, como o de Max Bill, no catálogo da exposição de Enzo Mari, na Galeria Danese de Milão (27 de novembro de 1959): “Ai tenacipionieri dell’arte concreta altre si sono aggiunti in molti paesi: brasiliani Clark, Cordeiro, Fejer, Lauand, Lima, Mavignier, Serpa, Vieira...” (“Aos tenazes pioneiros as arte concreta juntaram-se outros artistas de vários países: os brasileiros Clark, Cordeiro, Fejer, Lauand, Lima, Mavignier, Serpa, Vieira...”). Enciclopédia Abril, “Concretismo”, 1971.

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