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quarta-feira, 22 de julho de 2015

CAMPELLO: ARTE MÁGICA E FEÉRICA

A pintura não é para ser entendida, não importando a escola, o estilo, a tendência, o nome ou a idade do artista – alto, loiro, bonito. Vestindo a última moda masculina – “blaser” inglês listrado, gravata borboleta, cabelo grande basto, quase pelos ombros, Mário Campello domina amplamente sua “vernissage” na Cosme Velho, cercado de críticos, “marchands”, artistas e mil fãs. Campello não quer que se pergunte – mas todos perguntam – sobre se sua pintura é “naif” ou ingênua, se ela tem parentesco com o surrealismo onírico. Ele não aceita rótulos para sua pintura, ou mesmo para qualquer outra expressão artística. As 26 telas de Campello estão ali nas paredes galeria, seus parques feéricos. Duma luminosidade mágica, quase transcendente, tudo minuciosamente elaborado, coma composição perfeita e técnica apurada, muito próprias do artista baiano. 


Não sou “naif”, insisto e amanhã, inclusive, posso mudar meu estilo de pintura e não ser acompanhado por esse rótulo... Meu trabalho no momento pode ser visto mais como um realismo fantástico... Já fui figurativo, no início da minha carreira, e quanto às fases de um artista, acho que não se deve forçar mudança alguma, mas, sim, sua vinda ocasional, pelo trabalho constante e pelos mais diversos fatores, criados pelo meio ambiente... Penso que estou atualmente numa fase de depuração, os elementos que uso na composição de um quadro já foram por mim utilizados anteriormente e maneira isolada. 

Mário Campello não dá para a encomenda dos abraços e das felicitações. É a estrela da noite, todos os quadros estão vendidos, mesmo antes do vernissage. Tica Rivetti o cumprimenta afetuosamente, Regina Magalhães chegou com “A” a “Z” da sociedade. De Salvador veio a dondoca Lícia Reis, uma das 10 mais da Bahia. A vistosa manequim Rosely posa espalhafatosamente ao lado do artista. Maria Cecília Pereira do Lago faz sucesso com seu vestido paetizado que brilha no lusco-fusco da Cosme Velho. Até um velho amigo de Nova Iorque, Danilo Ramires, veio dos Estados Unidos para abraçar Campello. Campello sorri e conversa. Educado, duma finura de berço, afinal, seus pais são também quatrocentões da Boa Terra. À sua volta estão agora muitos artistas, Paulo Wladimir, Moraes, Roni Brandão, Ivonaldo, Charroux, este achando que Campello tem boa, muito boa técnica, o colorido dom esse dégradée, uma beleza.

Campello explica que na sua pintura atual, foi eliminando elementos, desde a figura humana até outros e outros. Não sabe, mas admite que um dia caia no abstrato total. 

A figura humana, por exemplo, deixou de existir, porque a natureza exuberante em cores e formas, eliminou-a, mas a sua presença muitas vezes não está totalmente abolida, mas pressentida... 

– Muita gente classifica sua pintura de decorativa... 

– Isso não me atinge porque se uma pessoa compra um quadro meu para decorar uma parede, isto é com, ela, não é comigo. Minha pintura reflete, apenas, minha vida interior... Ou que eu expresso através de minha arte é apenas isso. 

– Segue ou seguiu alguma escola? 

 – Iniciei-me, como todos sabem, com Carlos Bastos... De uns anos para cá a maior e melhor escola de pintura é o trabalho... Na minha arte, 80% é transpiração, 20 % é inspiração... Sabe que o ritmo de pintar, para mim, é muito importante, só pinto sentado e de pernas cruzadas, ouvindo rádio, quando até a respiração ritmada é importante... E assim lá vão 16 horas por dia, uma loucura. 

– Afirma-se que sua arte é irreal... 

– Exato... Gosto de ouvir Mozart e Vivaldi o dia inteiro, às vezes Morgana King, que é mais popular... As leituras são as de ficção ou do gênero espiritualista, estórias da Índia, dos iogues... Sempre me interesso por tudo que é irreal... Não gosto muito da matéria... Tenho medo de gente reunida, apartamento, povo, multidão... Minha pintura, assim, é mais irreal do que real, e pode até ser espiritual – essas bolas que faço em cada quadro não sei se são sol, lua, ou pode ser a Terra, vista de outros mundos? 

O quadro da arte brasileira está meio tumultuário atualmente... Não aceito modismos, nem arte com tendência comercial... A arte conceitual, os múltiplos, onde se pretende chegar?...Tudo me diz alguma coisa e ao mesmo tempo não me diz nada... Às Bienais não concorro, nunca mandei quadro para bienais ou salões, nem mandarei, detesto premiações e badalações... Mas tem gente boa, por exemplo, Mário Gruber, sem favor, é o maior pintor brasileiro... Reinaldo Fonseca, pernambucano que mora no Rio... Humberto Espíndola, o da bovinocultura crítica... Guilherme Faria, o desenhista... Juarez Magno, tantos outros... Acho importante que se difunda arte, a nossa pintura, como agora está fazendo a Editora Vecchi, fotografando quadros e pintores para sua nova revista... A pintura tem de ter ritmo, tem de ter harmonia. Estudei música durante 15 anos. A música permite devaneios e criação solta... É claro que tudo também vai da sensibilidade, da observação, da técnica de cada artista... Eu gosto de pintar na solidão, e sozinho, às vezes levo 20 dias fazendo um quadro... Mas a arte brasileira vai progredindo, sim. 


Campello fala de São Paulo, acidade é muito cinza, daí, talvez, ao vir para cá mudou sua pintura para um colorido intenso, que recordava a Bahia. Não quer comentar sobre os primitivos. Afirma que o Brasil tem bons primitivos, mas alguém já viu os tchecos e iugoslavos? E fala agora da escolha de revista alemã “Stern”, que o colocou entre os 10 maiores primitivos (embora não se julgue tal) do mundo e que comentou seu contrato com a organização norte-americana “Findly”, por 4 anos. Ela paga por mês religiosamente e promoverá 4 exposições suas, proximamente, nos Estados Unidos e na Europa. Campello conta também das inúmeras encomendas que já tem aqui, não sabe nem se vai dar tempo para passar os Finados em Ubatuba, tomar sol, tostar um pouco na praia espetacular do Tenório, ou das Toninhas. Nesses tempos de uma folguinha, Campello tem, entre outras habilidades, a de cozinhar, faz uma misturança de verduras e carnes, um laboratório revolto de pesquisas gastronômicas...

Falta pouco para a meia-noite, o luzido Sérgio engalanado hoje, de uniforme bordô, já se prepara para fechar o portão colonial da Cosme Velho. O sobradinho amarelo da Alameda Lorena viveu mais uma noite concorrida de arte.

A mocidade de hoje é sensacional e inclusive tem mais oportunidade na arte, mais facilidades, que eu, por exemplo, não tive... As crianças dos colégios me fazem perguntas ótimas, têm um interesse incomum, uma agudeza inteligente e prática... Recebo cartas, telefonemas, acho que quem tem imaginação criadora e muito talento hoje em dia não somos nós, artistas, mas a nossa juventude sensacional.

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