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segunda-feira, 5 de junho de 2023

OSWALD DE ANDRADE FILHO

OSWALD DE ANDRADE FILHO

Oswald de Andrade Filho não usa apenas o nome famoso que herdou. Aos cinquenta e poucos anos carrega já uma vida de muitas lutas e algumas vitórias. Escritor, folclorista, artista plástico, seus escritos, seus estudos e suas obras são todos peças sérias do melhor quilate. Nonê, como o chama o velho e famoso pai Oswald, quer agora criar o Museu de Artes e Técnicas do Mar “Renato Almeida”. No Guarujá, cujo turismo de alto nível poderia sustentar o Museu, que se destina a abrigar exemplares da fauna marinha, peças e instrumentos do homem do mar, habitações de pescadores, biblioteca especializada em assuntos marinhos, filmoteca e discoteca, um amplo restaurante turístico (com especialidade em peixes, ostras, siris, caranguejos, tartarugas do mar, etc.).

A Prefeitura do Guarujá já doou o terreno para o museu. O Governo do Estado, através do Conselho Estadual de Cultura, estuda a proposta de Oswald de Andrade Filho. E é ele mesmo quem explica sobre seu museu:

Há um homem do mar digno de homenagem: o nosso.

A costa do Brasil é imensa, imensas são as nossas praias, é nesse cenário que o nosso pescador nasce, vive e morre.

Não são poucas nem pequenas as lutas travadas de nosso país em defesa do imenso patrimônio marítimo, uma de nossas maiores riquezas. As indústrias pesqueiras multiplicam-se, tornam-se cada vez mais atualizadas, fazendo, aos poucos, desaparecer o velho e querido pescador primitivo, aquele que, no dizer de Dorival Caymmi, “não precisa dormir para sonhar”, aquele que vê o sol despontar no horizonte saindo, seja com sua jangada, saveiro ou canoa, que volta para o racho com o coração cheio de canções e de estórias que conta nas noites estreladas ao seu filho ou à sua namorada – Iemanjá, Alamoa, os monstros das profundezas que povoam a vida desses homens.

Homenagem

É esse homem que queremos homenagear, criando o Museu das Artes e Técnicas do Mar. Inicialmente será o trabalhador do mar que festejaremos, construindo um lugar em que seus instrumentos de trabalho possam ser conservados, guardados, protegidos, estudados; em que suas lendas, canções possam ser recolhidas e conhecidas por todos aqueles que queiram contar sua beleza, sua dor, sua alegria; onde elas possam ser estudadas artística ou cientificamente, e se conservar, para as futuras gerações, a sua imagem viva e heroica. E o que há de melhor para prestar essa homenagem do que um museu, um museu no qual as futuras gerações possam conhecer e sentir toda a sua vida, suas estórias, suas canções de amor ou desespero, sua religião, suas preces tão belas quanto a figura de Maupassant que, quando sua angústia ia diretamente ao coração de Deus, sem passar pela boca.

Depois, uma vez iniciada a viagem, ampliá-la-emos, sempre em direção maior, ao mais completo. Assim trabalharemos até transformarmos o Museu das Artes e Técnicas do Mar no grande Museu do Mar.

Local

Escolhemos Guarujá para localizar o Museu devido ao fato de ter aquela estância condições de sustentar uma organização como essa. Não somente a população local, mas também e principalmente o turista em baixa ou alta temporada tem poder aquisitivo e curiosidade suficientes para tornar o museu um dos pontos altos do turismo paulista.

Considerando, não somente a parte curiosa, mas também a parte do restaurante que será construído no edifício em lugar apropriado, assim como bar e piscina, no terraço, cremos que o museu não poderá ter melhor local do que Guarujá.

Sabemos que os frequentadores daquela cidade são apreciadores da boa cozinha, o que, certamente encontrarão nessa organização, pois ela será especializada em pratos do mar tratados da maneira mais requintada possível, o que auxiliará a manutenção do museu.

Despesas

Não tendo sido feitos estudos para a construção do museu, não poderíamos avaliar exatamente o custo da edificação. Temos, entretanto, que esclarecer que será necessário realizar-se um concurso para o projeto. O concurso será fechado (cinco arquitetos convidados), que realizarão os projetos apresentados a seguir ao júri, este composto de cinco elementos de reconhecida competência.

Para tanto será necessária uma verba especial e reduzida que custearia as primeiras providências.

Terreno

Dando grande demonstração de espírito de colaboração o então prefeito de Guarujá, Jaime Daige, atendendo a uma solicitação do FUMEST e do Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico Estadual cedeu um terreno em local magnificamente situado, com frente para uma pequena praça de onde se avista parte magnífica da cidade e da praia. Esse terreno situa-se em praça que, ajardinada, tornar-se-á um dos belos recantos da cidade.

O Museu

O Museu de Artes e Técnicas do Mar deverá, não somente apresentar o seu acervo no interior do edifício. O caráter sessa instituição já obriga os seus organizadores a colocar algumas de suas peças na parte externa e até ocupando a praia que fica em frente ao terreno. Somente assim teremos a possibilidade de dar vida e autenticidade à iniciativa. Essa parte inclui o aspecto turístico da realização que é dos mais importantes no caso.

1.       Será necessário ajardinar toda a praça em frente à qual o terreno se encontra para que, desde aí, o visitante posa encontrar-se em ambiente que prepare seu espírito para a visita que irá fazer no interior do edifício. Esse trabalho ficará a cargo de paisagista.

2.       Na praça serão colocados os diversos tipos de barcos do litoral, desde o norte até ao sul. Essas embarcações deverão estar sempre em perfeito estado e sob o cuidado de gente especializada que possa acompanhar turistas em passeios pelo mar. Não devemos esquecer-nos de que os passeios serão pagos, razão pela qual deveremos pensar num tipo de maneira de controlar a cobrança que deverá ser efetuada no local.

Safaris

Além desses passeios serão organizados safaris marítimos para possibilitar ao turista a realização de uma pesca bem orientada acompanhada por pescadores capacitados. Essa atividade também constituirá uma fonte de renda que em muito auxiliará a manutenção desse museu.

– Na praça ajardinada e preparada para esse fim, serão colocadas as diversas habitações praianas que serão construídas sob a orientação de elementos especializados; e conhecedores do assunto. Para tanto solicitamos das comissões de Folclore dos outros Estados, plantas e orientação indispensáveis para o bom êxito da iniciativa. Há como sabemos, diversos tipos de habitações e a sua presença é de grande efeito decorativo. Em alguns casos o plano deverá ser ampliado, pois, ao lado do rancho, existe às vezes, pequena construção de sapé na qual se guardam os instrumentos necessários tais como: covos, redes, cordas, etc.

– O interior dessas habitações deverá apresentar toda a vida cotidiana do homem do mar. Desde o seu amanhecer, seus primeiros passos, seus primeiros movimentos com sua família deverá ser mostrado por peças colocadas no rancho como se fossem habitados, incluindo-se, quando for o caso, altares de Iemanjá, mobiliário, cerâmica, fogão, panelas, etc. no interior dos pequenos ranchos onde os barcos serão abrigados estarão todos os objetos necessários para o trabalho.

Objetos

Passada esta parte estaremos entrando no edifício que será construído a fim de abrigar outros objetos de uso do homem do mar. Esta parte será estudada por museólogos e folcloristas. Os primeiros para que possamos dar arquitetos orientações sobre a organização do espaço. Os segundos para ter a certeza de possuirmos uma coleção de peças autênticas. Esta parte será dividida em painéis móveis que serão colocados segundo a necessidade de exposições que terão para enriquecer os ambientes, fotografias ampliadas ou outro qualquer elemento que auxilie a enriquecer o aspecto geral. Nesse local haverá um setor dedicado à realização onde ex-votos serão exibidos e apresentados conforme as necessidades.

Em ponto previamente estudado estará localizada a administração que funcionará independentemente do resto da exposição. Nesta parte haverá o gabinete do diretor geral, sala de espera, sala para o diretor museólogo.

O setor técnico dividir-se-á como segue: sala de pesquisa e oficina para reparos.

A biblioteca iria sendo formada conforme as possibilidades.

Assim também a discoteca que se comporia de coleções de fitas (pesquisas, levantamentos, conferências, etc.) e discos de músicas populares e eruditas inspiradas no homem do mar.

A filmoteca é outra divisão essencial para o bom funcionamento do museu. Nela estarão filmes sobre qualquer assunto do mar, assim como “slides” ou fotografias.

Para que tudo seja bem aproveitado, haverá um auditório aparelhado para a projeção de filmes e “slides”. Ali serão feitos simpósios, conferências e outras reuniões culturais.

Um dos elementos essenciais para que se possa efetuar um intercâmbio entre outras entidades, é um apartamento completo que possa hospedar cientistas que necessitam passar tempos estudando o homem do mar ou realizando algum trabalho sobre o assunto.

Restaurante

Em lugar apropriado será colocado um restaurante do qual duas paredes serão aquário que dará à sala grande beleza. Acima do restaurante haverá um grande terraço no qual poderá ser colocado um à beira de uma piscina que dará ao turista a possibilidade de descortinar o panorama que é dos mais lindos.

Coleta

Este é apenas um projeto, digo, anteprojeto. Temos a consciência das dificuldades que teremos que enfrentar por isso, poderemos realizar um trabalho por etapas iniciando-se modestamente na coleta de material até que se tenha atingido uma segurança econômica que nos permita desenvolver a ideia geral – concluiu Oswald de Andrade Filho.

A TRIBUNA, 11 de abril de 1971.

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