O secretariado será técnico, mas não serão abstraídos os aspectos políticos
-Acha que Jânio merece o Catete
S. PAULO, 13 (Sucursal)
De camisa esporte e botas a meio cano, mais magro dois quilos, mas sempre “tremendamente simpático” como um adversário que o definiu durante a campanha, o professor Carvalho Pinto está à nossa frente, junto de Dª. Iolanda, sua mulher.
Estamos em Itu, junto a Campinas, onde republicanos históricos, há 70 anos, proclamavam a República. Ali, na fazenda do Sr. Joaquim Campos Bicudo, o novo governador oferece um churrasco aos amigos e jornalistas.
Carvalho Pinto, na fazenda, vive em ambiente muito seu - descende de família de fazendeiros como é. Posou andando a cavalo e tirando leite da gorda vaca holandesa.
Só não aceitou botar vara no rio e pescar.
- O Tietê tem pouco peixe, minha gente!
As crianças
- Professor, quero um distintivo do “pintinho”!
- Tome dois, um é para o seu pai.
- Dois não quero, quero três. Meu pai é do Ademar, mas meus dois irmãozinhos são do senhor.
Carvalho Pinto conta e informa: as crianças foram os grandes cabos eleitorais de sua campanha.
Isto e o “civismo das classes mais humildes” foram os dois fatos que mais o impressionaram durante toda a luta eleitoral.
Campanha dura
- Foi dura a campanha?
- Extenuante!
- Parece bem disposto...
- ... agora, mas perdi, eu que sou magro, dois quilos
- Quantos dias a campanha?
- Exatamente 85.
- Discursos?
- Fiz 680, fora os de porta de fábrica.
- Média de cidades por dia?
- Cinco, seis. Houve dias, contudo, que visitávamos 12.
Alguém oferece um limão doce ao novo governador. Ele o descasca com habilidade e o oferece aos presentes. Mas ninguém aceita. Sorrindo:
- Aproveitem, que, depois, só terei para oferecer os “abacaxis” do governo...
Vitória sem surpresa
Sentamos juntos à mesa lavrada, comprida e estreita.
Carvalho Pinto, cercado de amigos, correligionários e jornalistas, faz declaração solene:
1. A vitória não foi surpresa para ele;
2. Recebe-a com emoção e humildade;
3. Não lhe pertence, mas ao povo paulista;
4. Elegendo-o, o povo repeliu a impostura, a demagogia, a deslavada mentira e a corrupção, “métodos ultrapassados em nossa política”;
5. Não guarda quaisquer ressentimentos da campanha;
6. Não tem vaidades pessoais, não alimenta ambições políticas e sente-se em liberdade, diz, para mobilizar todos os seus esforços em favor dos interesses do povo.
Plataforma
Indagado sobre sua plataforma de governo, responde:
- Desenvolver as obras e serviços públicos da atual administração paulista, que constituem o mais espetacular programa de toda a história político-administrativa do Brasil.
- Terá secretariado técnico ou político?
- Dominantemente técnico, não se abstraindo, entretanto, os indispensáveis aspectos políticos que um governo como o meu, de natureza apartidária, mas de base pluripartidária, não pode desconhecer.
- Como tratará a máquina administrativa e o funcionalismo?
- Poucos homens públicos têm feito tanto para o funcionalismo quanto eu, desde os tempos da Prefeitura. Mas resumirei minha resposta assim: 1- dignificação da função pública; 2- descentralização administrativa; 3- racionalização da máquina funcional.
- E as relações com o Governo Federal?
- Serão as de um governo consciente dos direitos que S. Paulo deve reivindicar no seio da Federação brasileira, como os deveres do “nosso Estado, na promoção da prosperidade, do bem-estar, da justiça social e do desenvolvimento de todo o País.
Traço humano
Diz, a seguir, o prof. Carvalho Pinto que tratará a Prefeitura da Capital (Ademar) como as demais do interior, respeitará as forças políticas adversárias, terá preocupação especial com a educação primária e universitária e o “desenvolvimento de uma assistência técnica à agricultura mais adequada aos pequenos agricultores.
Definindo-se à frente do Governo, diz:
- O traço humano que marcou a minha política financeira na anterior gestão marcará, finalmente, a minha política administrativa à testa do Governo do Estado de S. Paulo.
Oposição sobre Jânio
Sugerimos a pergunta inevitável:
- “Que acha da candidatura Jânio Quadros à presidência da república?”
- “Jânio Quadros é a expressão mais alta de um movimento de recuperação moral e administrativo que alcança, com a minha eleição, mais uma vitória. É o homem que já demonstrou as suas qualidades, os seus atributos para a gestão da coisa pública e que nessas condições se encontra plenamente credenciado para aspirar e pleitear o posto dessa alta responsabilidade.
- “Na verdade, entendo que chegou o momento em que São Paulo refeito, recuperado, unificado em torno dos ideais que nos mobilizaram nesta campanha, passe a exercer os seus deveres com mais amplitude, com mais intensidade, com mais profundidade no seio da federação brasileira”.
Alguém insinua que, se eleito presidente da República, o Sr. Jânio Quadros, mais uma vez, escolherá o professor Carvalho Pinto para seu “mago das finanças”...
Carvalho Pinto faz “blague” e termina de uma vez a entrevista:
- “Há muito “mago” por aí.”
TRIBUNA DA IMPRENSA, 13 de outubro de 1.958.
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