Nova tempestade sobre o litoral paulista - Choveu 13 horas sem parar - A população nas ruas, à luz das velas, teme novos desabamentos
SANTOS, 26 (por Luiz Ernesto, enviado especial, pelo telefone)
-25 dias depois da tragédia do morro e Santa Terezinha, Santos está novamente abalada em consequência das chuvas torrenciais que fizeram desabar parcialmente cinco morros causando, até agora, 39 mortos e cerca de 50 feridos.
A cidade está quase sem luz. O povo, nas ruas, com velas na mão. Os bares usam lampiões. Nos morros, centenas de casas estão abandonadas, pois se temem novos desabamentos. Na Central de Polícia, reúnem-se autoridades, repórteres e centenas de populares. A Sala de Imprensa, de onde falamos, é iluminada por um gerador a gasolina.
Mais mortos
Calcula-se que ainda existam mortos nos escombros dos morros que desabaram. Cinco deles estão situados propriamente em Santos, um em São Vicente e o outro em Guarujá.
Nas três localidades, as famílias desabrigadas percorrem as ruas com aspecto triste.
Duração da chuva
As chuvas começaram a cair às 22,30 horas de sábado, prolongando-se até as 11 horas da manhã de ontem, quando cessaram, cedendo lugar à garoa.
As águas desceram dos morros e transbordaram pelas ruas centrais, já que os canais não deram vazão ao escoamento.
Centenas de veículos ficaram encalhados. Na parte central da cidade, as águas não atingiram mais que quarenta centímetros. Na faixa do cais, porém, ultrapassaram um metro de altura.
Presos no cinema
As pessoas que foram à última sessão de cinema. Na noite de sábado, ficaram presas nas salas de projeção até domingo pela manhã, quando puderam sair.
Até as dez horas da manhã de domingo a cidade esteve bloqueada, sem luz, sem telefone e sem condução. Devido ao bloqueio, a Central de Polícia não atendia a qualquer ocorrência.
As primeiras notícias de desmoronamento começaram a chegar pouco depois a meia-noite e todos os desmoronamentos foram confirmados mais tarde.
Ruíram parcialmente os seguintes morros: Marapé (perto da praia), dos Ingleses (na saída para São Vicente), Santa Terezinha (o mesmo da tragédia anterior), Mont Serrat (no centro), Santa Maria (ruiu duas vezes), Sítio Grande (em Guarujá) e um junto a São Vicente.
Morro do Marapé
Seu desabamento tragou perto de 100 residências, causando, até o momento, 19 mortos, na sua maioria crianças.
Morro dos Ingleses
Morreram nove pessoas e quatro casas ficaram soterradas no seu desmoronamento. Espera-se encontrar mais vítimas.
No morro de Santa Terezinha, o mesmo da tragédia anterior, sofreu pequeno desabamento, sem vítimas.
Mont Serrat
No Mont Serrat, no centro da cidade, o deslocamento de terra atingiu a estação de bondes, de um lado, e uma fábrica de gelo do outro. Também não existem vítimas a lamentar.
O maior desabamento
O principal desabamento ocorreu no morro de Santa Maria, que desabou em parte. Ruiu por duas vezes, na parte da manhã e pela tarde, supondo-se que existam soterradas no local umas vinte pessoas Elas estavam no sopé do morro, numa parada de bondes, esperando condução e assistindo o desabamento lento do outro lado do morro.
Num segundo desabou uma avalanche de terra, lama e pedras soterrando todos os que ali se encontravam. Populares acudiram e entre gritos lancinantes tiraram do monturo mortos e vivos.
Até a tarde de ontem existiam 20 corpos empilhados ao lado dos escombros. Trinta e dois feridos foram socorridos no Hospital São José, em São Vicente.
Guarujá e S. Vicente
Em Guarujá, onde caiu o morro do Sítio Grande, haviam sido encontrados três cadáveres e o Pronto Socorro atendera a oito feridos. Faltam maiores detalhes da tragédia.
Em São Vicente, junto a Santos, perto da Ponte Pênsil que existe ali, desabou o morro do Itararé ameaçando um conjunto de edifícios de apartamentos. Também a barreira do Matadouro desabou.
No necrotério
No necrotério de Santos entraram, até as 19 horas de ontem, 39 cadáveres, na sua maioria crianças.
Os trabalhos de salvamento prosseguem e deverão continuar por 10 dias. Quem chefia esses trabalhos é o delegado auxiliar da cidade, Sr. Pinto de Castro, auxiliado por vários delegados de Santos e São Paulo.
Jânio na cidade
O Sr. Jânio Quadros, governador do Estado, esteve em Santos, comparecendo, de início, à Delegacia Auxiliar e percorrendo, depois, com o prefeito, os locais da tragédia. Negou-se a falar à imprensa.
O prefeito Antonio Feliciano quando se dirigia para um dos locais atingidos sofreu um acidente, pois seu carro caiu num buraco, tombando parcialmente.
O prefeito ficou levemente machucado nos braços e recolheu-se à sua residência, procurando evitar contatos com os repórteres que o procuraram.
Os socorros médicos
No Pronto Socorro da cidade passaram, ontem, 50 feridos. Os casos de maior gravidade foram encaminhados à Santa Casa local, onde mais de vinte médicos se desdobram atendendo os feridos que chegam a todo instante.
De São Paulo para Santos vieram várias ambulâncias e viaturas do Corpo de Bombeiros. Duas outras ambulâncias com médicos e enfermeiras chegaram de São Caetano.
Mais de dez viaturas do Corpo de Bombeiros ajudam nos trabalhos de desentulho.
A Via Anchieta, ontem, cedo, foi interditada para ônibus e carros, de modo a permitir que os carros de socorro tivessem sua ação facilitada.
Cinco crianças
Em São Vicente ocorreu talvez, o mais triste quadro de toda a tragédia. Um casal residente no sopé do morro de São João foi ao cinema, onde as chuvas o retiveram. Ao voltar para casa, encontrou-a soterrada e mortos os seus cinco filhos.
Está havendo verdadeira romaria ao local, pois todos os populares desejam ver a casa sinistrada.
Os primeiros cadáveres conduzidos por bombeiros chegaram à Polícia Central, pois as águas não deixavam ir ao necrotério. Envoltos em lençóis, ficaram nos bancos da Central de Polícia.
Duas causas são apontadas para a tragédia de Santos. A primeira é a incúria da Prefeitura e a segunda a maré alta.
Quando de desabamento do morro de Santa Terezinha, a Prefeitura estava avisada de que o morro tinha rachaduras agravadas com os trabalhos de uma pedreira no seu sopé. Houve grande movimentação para que as autoridades estudassem a situação de todos os morros e tomassem medidas de proteção aos milhares de habitantes dos “chalés” (barracos).
Ela se limitou a enviar engenheiros que apenas aconselharam que esses moradores deveriam procurar novas residências.
A questão foi agitada na Câmara e pelos jornais, mas sem novas habitações os morros continuaram apinhados de gente. Agora, repete-se o fato com a morte de crianças, homens e mulheres, além do desabamento de centenas de casas.
A maré alta não permitiu que as águas das chuvas torrenciais saíssem para o mar. O sistema de esgoto não pode dar vazão ao volume d’água e a cidade ficou inundada.
Ruiu o prédio
Um prédio de 8 andares, localizado à Rua Amador Bueno, ruiu. Felizmente, não houve vitimas, pois as autoridades, prevendo a ocorrência, providenciaram a evacuação do edifício.
Afogados
Falava-se, com insistência, que na cidade de São Vicente haviam perecido afogadas cinco pessoas nas ruas que se encontram completamente alagadas.
O desabamento do Mont Serrat começou às 13 horas, com uma avalanche de lama e água descendo pela encosta, pondo em perigo o prédio da Santa Casa, em cujo interior se encontram internadas várias vítimas do aguaceiro.
Reina verdadeiro pânico entre os moradores do centro da cidade, onde está localizado o moro.
Outra parte do morro está ameaçada de ruir em face do aguaceiro caído essa madrugada. Por isso, as autoridades policiais providenciaram no sentido de que todos os moradores da Rua Regente Feijó e imediações do morro abandonem os seus domicílios.
Ônibus soterrado
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Embora sem confirmação, acredita-se que um ônibus lotado de passageiros esteja sob os escombros do Mont Serrat, na Rua Senador Feijó.
Outro morro
Ainda em consequência do temporal, o morro das Caneleiras começou também a desmoronar, cerca das 16 horas de ontem.
Prevendo o desabamento, as autoridades fizeram evacuar todas as famílias residentes nas imediações, não se registrando, por isso, qualquer vítima.
Em perigo, a ponte
A Ponte Pênsil que liga São Vicente à Praia Grande também está em perigo, em virtude dos fortes aguaceiros.
Todos os esforços estão sendo feitos no sentido de preservá-la. Como medida preliminar foi interditado o trânsito entre São Vicente e Praia Grande.
Restabelecida a energia
Alguns cabos de energia elétrica foram estabelecidos. As linhas de São Jorge foram as mais atingidas, ficando completamente destruídas.
Nessa localidade as águas subiram a cerca de dois metros. Os moradores se utilizaram de barcos para fugir do perigo do temporal.
No Jardim Santamaría, cerca de 100 casas foram atingidas pelas águas, que causaram enormes prejuízos materiais.
Os serviços telefônicos, em alguns lugares, estão restabelecidos, mas os diretores da Companhia Telefônica informam que ainda há perigo de novas rupturas nos cabos.
Recomeçam as chuvas
Às primeiras horas da noite de ontem recomeçou a chover, temendo a população que novos desabamentos venham a ocorrer.
Durante a tarde, a chuva caiu fraca, sendo que à tardinha parou completamente, tendo saído um sol muito fraco, que logo se escondeu, dando lugar a nuvens negras e ameaçadoras.
Identidade dos mortos
É a seguinte a relação dos mortos:
Odila Estefani Perali; Julio Perali; Oduvaldo Perali; Odete Perali; Odair Perali; Manoel Francisco; Dulcinéia Maria Torres; Leide Barnabé Marieto; Lourival Barnabé Marieto; Valdemar Perali.
Iza Barnabé Silva; Alfredo Silva; Isabel Cristina Silva; Valfredo Silva; Adriano Almeida; Eliana Praides; João Tiburcio da Silva; Maria Aparecida Silva; Valdemiro de Jesus; André Trajano Lima; Gustavo Barbosa Candido; Ida Matos; Francisco Matos; Lidia Matos; Claudete Matos; Emanuel Matos; José Pedro da Silva; Valdemiro Amâncio e Jeovana Jesus Amâncio.
TRIBUNA DA IMPRENSA
26 de março de 1.958.
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