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segunda-feira, 5 de junho de 2023

MADALENA, ALMA BOA DO SERTÃO

Desde que conheci Ubatuba, nos primeiros anos dos 50, descobri também que pessoas abnegadas cuidavam das gentes esquecidas e carentes da cidade e dos sertões inóspitos até Paraty. A cidade, na década de 50 ainda mantinha as características de uma pequena vila. O serviço de transportes era bastante incipiente, contando apenas com a velha estrada de rodagens até Taubaté, ainda com o mesmo traçado de mais de um século, a mesma que servia os tropeiros vindos do Vale do Paraíba. 

A principal via de transporte entre os caiçaras eram os caminhos do mar singrados por embarcações toscas, que num ir e vir atendia toda espécie de serviço, tanto os de cabotagem domiciliar quanto os do comércio do pescado. Eram traineiras, canoas de voga, impelidas por fortes pescador-remadores e uma grande quantidade de embarcações costeiras, transformando a foz do rio Grande de Ubatuba num constante ir e vir de pessoas e embarcações. 

Nesse aspecto merece destaque o trabalho realizado pelo padre João Bell, pároco de Ubatuba na década de 40, um alemão de aspecto forte, sangüíneo, muito saudável, que semanalmente saía no barco São Paulo, em serviço pastoral, partindo da Prainha, para chegar até a Almada, levando gêneros alimentícios e educação escolar com o transporte de professoras da rede municipal que serviam as comunidades caiçaras. Também socorria as famílias, levando assistência médica e social aos ermos dos sertões e praias distantes. Nessas visitas era recebido carinhosamente pelas populações esquecidas, praianos e sertanejos. 

Depois, conheci Virginia Lefevre, mulher admirável, que tinha casa de férias na praia do Itaguá. Radicando-se em Ubatuba desenvolveu logo, ao lado do seu ilustre marido, o engenheiro Waldemar Lefevre, trabalhos sociais ligados ao artesanato, higienização, educação e às ações de saneamento geral. As ações tiveram início no bairro do Itaguá. Em seguida, em toda a região a Ubatuba poderia se ver alguma intervenção de Virgínia Lefèvre. Em mais de 30 anos de atuação humanitária, Dª Virginia implantou as diretrizes de educação sanitária, tendo instalado até mais de mil fossas sanitárias no litoral norte, numa atuação exemplar que repercute até os dias atuais. Ao criar a SPES – Sociedade Pró-Educação e Saúde, deu um passo exemplar para que as questões ligadas à saúde, à educação escolar básica e ao sanitarismo das famílias caiçaras fossem encaradas em Ubatuba como ações de verdadeira responsabilidade social. 

Também na época que conheci Ubatuba, havia a ALA – Assistência ao Litoral de Anchieta – uma instituição católica comandada pelas Cônegas de Santo Agostinho, congregação de freiras fundada por madre Alix e com sede na Bélgica. Enquanto mantidas em Ubatuba, prestaram inestimáveis serviços na área da educação exclusivamente feminina, com regime de internato e externato bem como levavam assistência social a todos os pontos do município. Ali conheci, entre outras, a Irmã Inês, que posteriormente chegou a ser a superiora geral da congregação e a irmã Pedrina, superiora da congregação em Ubatuba. Entre outras freiras posso destacar a inesquecível irmã Maria da Glória, freira de notável cultura, que ministrava aulas de piano, canto orfeônico além de línguas estrangeiras, como o francês. Elas, as freiras, estavam em todos os lugares, vendo, assistindo, dando remédios e conforto aos carentes e às comunidades abandonadas. À época do prefeito Ciccillo Matarazzo as equipes da ALA se uniram às ações municipais para difundir e propagar a saúde em todo o município.

 Posteriormente, fruto dessa geração dos anos 40 e 50, surgiu no sertão do Ubatumirim a figura quase esquálida de Madalena dos Santos, filha de um pescador aposentado do Itaguá, Praxedes Mario de Oliveira e de Dª Ritinha, sua mulher. A jovem, de fala baixa e jeito simples de caiçara, foi trabalhar no posto médico do Ubatumirim, ao lado de Jorge, seu marido, marinheiro e plantador de bananas daquele sertão. 

Ali Madalena, a par de outros cursos que fez em São Paulo, Taubaté e outras cidades, num total de 30 (!), desenvolveu um tipo de trabalho pessoal, a começar em sua casa mesmo. Quantas vezes a vi na pequena saleta da casinha onde morava, atender moradores doentes, gente acidentada, mães grávidas, lavradores picados por cobras venenosas, “afogados” no rio Itamambuca,... etc, etc, a todos atendendo com carinho, e fazendo uso de sua imaginação de caiçara valente. Muitas vezes Madalena levava o pessoal, em casos mais graves, até Ubatuba, a 30 quilômetros do sertão, para uma consulta urgente com o dr. Juscelino, na cidade, ou com o dr. Chiaffarelli. O velho Chiaffa, como era tratado pelos amigos, antigo pediatra de São Paulo e fundador da moderna pediatria do Brasil., foi viver seus últimos anos em sua casa de praia nas Toninhas, ali atendendo aos mais necessitados, pobres e crianças, sempre de graça, até morrer, no início dos anos 80. Por proposta nossa seu nome foi dado ao Posto Médico do Ubatumirim, com o assente de Madalena – mas, depois de alguns anos, modificado por um prefeito eleiçoeiro qualquer. Coisas inexplicáveis que só explicam o que não carece explicação. 

Além do trabalho voltado para as lides da saúde, Madalena, como líder comunitária, desenvolveu também campanhas de alfabetização e incentivou o plantio de bananas, em especial com os bananicultores do sertão da região norte, de cuja associação foi defensora e presidente. 

 E seu trabalho continua na senda diária, ininterruptamente. Como mulher caiçara, esposa e mãe; como líder comunitária, orientando os caiçaras dos sertões e das praias, suas famílias, seus jovens, suas crianças. Pode até parecer trivialidade inventariar as inúmeras necessidades que ainda nos dias de hoje são vivenciadas pelos habitantes dos sertões e das praias distantes da região norte de Ubatuba. Mas não há como vencer esse estágio de carências múltiplas das populações distantes sem a atuação contínua e presencial de agentes verdadeiramente empenhados neste propósito como é o caso de Madalena de Oliveira. 

Luiz Ernesto Machado Kawall

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