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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

JÂNIO ENCURTOU A NOITE PAULISTA

Nada além de quatro horas - O colunista Matos Pacheco descreve o noturno de São Paulo - Gasta-se a metade do que se gasta no Rio - Artista nacional: só no carnaval. 

SÃO PAULO, 24 (Sucursal) 

São Paulo também tem vida noturna. Quem não acreditar que venha ver. Ou leia a entrevista de Matos Pacheco (colunista social). Só que a noite paulista está reduzida à metade. O governador Jânio Quadros marcou para todos o fim da noite - 4 horas. 

Mesmo assim, diz o Pacheco, a noite paulista é noite porque em lua algumas vezes, estrelas, sono e... uísque falsificado, nos “inferninhos”. E tem também o Silvio Caldas. E a Aracy atravessando a madrugada com “feitiço na Vila”. E muita, muita coisa mais. Pitoresco também. 

Matos Pacheco é o “expert” da noite paulista. Responde tudo no diálogo improvisado. Por isso, essa entrevista sai como diálogo. Arrumada, perderia muito. 

- Como é a noite em São Paulo? 

- Lua algumas vezes, estrelas, sono e... uísque falsificado, nos “inferninhos”. 

- Quem são os “donos”? 

- A noite não tem dono. Tem “donas” em certos barzinhos, escondidos, da “Vila Buarque”. 

- O que se faz nas boates? 

- Eu bebo, pouco, mas bebo. Acho que é o que todo mundo faz. Alguns dançam, alguns fazem romance... Mas “boite” é mesmo para beber, principalmente. 

- Como se classifica os notívagos? 

- A noite é uma válvula de escape. Nas “boites” vai gente cansada do trabalho, fugindo de alguma coisa... Ou, simplesmente boêmios, gente que troca o dia pela noite, quando São Paulo readquire aspecto de cidade pacata, do interior. Vivo de noite porque é mais fácil atravessar a rua, sem tantos carros, sem tanta gente. Acho que muita gente que vai à “boate”, faz como eu: apenas procura um lugar para passar a noite. Se os cinemas estivessem funcionando, depois da meia-noite, talvez muita gente trocasse a “boite” pelo cinema. 

 - Quem se diverte melhor? 

- O dono da “boite”. No fim da noite quem está com o dinheiro é ele. 

- E as melhores “boites”? 

- Para mim, “Oasis”. O melhor bar seria o “”Michel”, que tem um grupo próprio. Ultimamente a “estrela” do “Capitains” começou a brilhar forte. É o bar do momento. “African” é uma “boite” nova, mas a decoração atrapalha muito. Tem muito “chifre” nas paredes. “Meninão faz força, mas já é antiga a história deque o “Esplanada”, onde ela está, tem caveira de burro. ‘After Dark” é a mais careira... O “Lord” está em reforma, sempre foi uma “boite” que viveu de “atrações”. Sem Silvio Caldas, não sei o que poderá acontecer com o “chicote”... 

- Os preços, qual a média de gasto? 

- Esse é um problema difícil de responder. O uísque anda pelos cem, cento e vinte. O “couvert”, médio, cem. Mas desde que eu virei cronista social, sempre aparece um sujeito para pagar a conta no fim da noite... “Cuba-libre” é bebida de pobre nas “boites”. Uma coisa é certa: para se divertir numa “boite”, em São Paulo, gasta-se a metade do que se gasta no Rio. É verdade que as “boites” no Rio, “Night an Day”, “Sacha’s” ou qualquer uma, oferecem mais que as casas de São Paulo, principalmente em matéria de “show’ e música. 

- E os grupos de frequentadores? 

- Há gente que só vai ao “Michel”. Outros, só ao “Oásis”. As “boites’ em São Paulo são na realidade freqüentadas por pequeno grupo, permanente. Quase não há movimento de turistas. Todas as noites, invariavelmente, as mesmas pessoas estão no “Oásis’, no “Michel”, no “Capitains”. Quando não aparecem, é porque estão doentes ou viajando. Fazem parte dos móveis, da decoração da casa. 

- Até que horas isso? 

- Jânio Quadros pôs um ponto final na noite paulista: nada além das quatro horas. Logo no começo do governo. A lei é dura, mesmo. Há contravenções, naturalmente, na Av. 9 de Julho, na Vila Buarque. Mas as casas grandes cumprem a lei.

- São feitos negócios? 

- Eu, pelo menos, nunca fiz. Não acredito em negócios feito em “boite”. O maior que vi, foi um figurão (não digo o nome) “pendurando” o relógio por vinte mil cruzeiros para pagar a nota. 

- Há “girls” famosas? 

- Não, “girl” é coisa de “boite” carioca. As que temos, são emprestadas do Rio. Rosinha Lorcal e outras. “Mulheres do Machado”, como dizem por aqui. Sem ter trabalhado num “show” do Carlos Machado, mulher nenhuma é famosa, dentro da noite paulista... 

- E as atrações? 

- Em geral, uma cantora argentina, cantando um tango bem velho. O bolero passou de moda. E não surgiu nada novo. 

- Houve jogos de futebol entre times de freqüentadores de “boite” 

- Houve um famoso, entre o “Michel” e “Robledo”. Mas parece que a febre esportiva passou logo. Futebol e “boite” não dão certo, a não ser na promessa da “boca livre”. 

- Rio e São Paulo diferem na sua noite? 

- A noite paulista não tem nada, nada, com a carioca. Acho que no Rio há mais boemia, mais naturalidade, na vida noturna. O boêmio carioca, dentro de uma “boite” paulista, deve se sentir um peixe fora d’água. 

- E os intelectuais, em “boite”? 

- Há o grupo que se reúne no “clubinho”, mas os artistas andam fugindo dali. Agora, quem sabe, com Pola Rezende e Flávio de Carvalho na diretoria, voltarão e o “clubinho” não será mais apenas um “inferninho”. Tenho impressão que é mais fácil encontrar intelectuais nos barzinhos abertos da rua São Luiz que dentro das “boites”. Clovis Graciano é o papa do “Michel”. Mas Acho que fica nisso, o “intelectualismo” das “boites” e “bares”. Di pode ser visto também, no “Captains”, mas não é figura de todas as noites. Deu para dormir cedo, parece.

- Qual é a figura mais típica das “boites” paulistas? 

- O freguês mais pitoresco das “boites” de São Paulo, para mim, é o capitão Juquita. Tem mais de setenta anos, ganha no “braço-de-ferro” de muita gente moça, vai ao “Oasis” todas as noites, desde a fundação (cinco ou seis anos seguidos), fica até as quatro horas. Bebe pelo menos três uísques, come meia dúzia de pastéis e, invariavelmente, oferece uma garrafa de champagne, para todas as cantoras que fazem o show no “Oasis”, logo na noite da estréia. Um cavalheiro à antiga, que leva muito a sério os cumprimentos. O capitão Juquita é a figura mais típica da noite paulista.

- Há “quatrocentões” nas “boites”? 

- Os “quatrocentões”, em plena forma, não vão à “boite”.

- E os cronistas, como são encarados? 

- Acho que os donos de “boites” se queixam de uma certa “inflação” de cronistas. Mas em geral, somos todos bem tratados. Não acredito muito na sinceridade de certas aproximações. No fundo, há um pouco de temor, nas relações entre as “boites” e os cronistas. 

- Há “boites” rivais? 

- No fundo deve haver. O dr. Eiras, do “Oasis”, nunca foi ao “Meninão”. Mas aparentemente todos os donos de bares e “boites” são amigos, trocam gentilezas e comem feijoada, juntos, no “Stork Club”. 

- E os artistas nacionais têm chance? 

- Só nas vésperas do carnaval é que as “boites” se lembram dos artistas nacionais. Mas em geral, preferem Gregório Bárrios à Aracy de Almeida, uma cantora argentina qualquer ao Lúcio Alves. Justificam dizendo que o público prefere gente de fora. Mas quando uma artista como Aracy, Inesita ou Silvio Caldas cantam numa “boite” paulista, a casa enche e há um entusiasmo novo. Não sei explicar. Se há uma reclamação séria, contra as “boites” é a má vontade com os elementos nacionais. Houve até um barzinho, o “Golden Gate”, que teve o “topete” de mandar Aracy embora, porque “Araca” não interessava. Ela, que atravessa a madrugada paulista, com Noel.

TRIBUNA DA IMPRENSA

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