Marcelo Grassmann |
Acho que o que mais se sente aos chegar aos 50 anos é uma certa tristeza que baixa na gente quando se pensa ou se fala de Goeldi, Bonadei, Sérgio Milliet, Delmiro, Luiz Coelho, Arnaldo Pedroso d’Horta, Walter Wey, a falta que eles fazem, a solidão aumentando.
Premiado, afamado aqui e internacionalmente, Marcelo Grassmann está completando 50 anos. Trabalha com afinco em seu ateliê-residência de Santo Amaro, que pretende transferir para o sítio (3,5 alqueires) de Itapecerica da Serra, para fugir “à poluição física, ambiental e mental de S. Paulo”. Ao lado de sua mulher austríaca Sônia, que conheceu na Bahia, em 1950 - era proprietária da galeria Oxumaré e ex-artista de circo, - e do filho Paulo, de 16 anos, Grassmann elabora sua arte expressionista magistral, fugindo dos marchands e das galerias comerciais como o-diabo-corre-da-cruz. Sônia é também uma artista de mão cheia - pintura em acrílico - compondo suas produções “naives” com temas fidedignamente semelhantes aos do marido. Sua arte é disputada no mercado, Benjamin Steiner é um dos maiores compradores de “Sônia Grassmann”.
Grassmann cinqüentão, vai desfiando impressões e confissões, sem maior ordenamento, mas com a sinceridade de sua fala detalhada e enxuta:
AMIGOS
“Gostaria de falar de alguns amigos como Otávio Araujo, com quem convivo desde os 14 anos de idade, ou Aldemir, de quem sou amigo logo que ele chegou a S. Paulo, lá por 1945 ou 1946. Depois, em 1949, fui para o Rio indo morar no ateliê de um jovem pintor e gravador de enorme talento, hoje ator, Cláudio Correia e Castro. E de Stockinger, que na mesma época e no mesmo lugar começava na escultura, - juntos expusemos no Rio e em S. Paulo muitas vezes, numa identificação muito grande até hoje.
DIA-A-DIA
Acordo cedo, faço café, tomo banho, leio jornal. Vou para o ateliê mexer nas coisas, trabalhar, etc. Ao meio-dia assisto (notícias) televisão, almoço, cochilo (quando posso) e volto ao ateliê. Se vem algum amigo, converso (não consigo trabalhar com gente perto). Gosto de animais e tem sempre m gato ou cachorro à minha volta. A tarde saio um pouco para ver alguém ou alguma galeria. Volto para casa para jantar, ver TV (filmes, noticiários, documentários, sem medo de lavagem cerebral). Isto me lembra um bolsista brasileiro em paris, pintor acadêmico, que não ia ao Louvre para não se influenciar... Assim penso que aquilo que chamam lixo cultural ou comunicação de massas, ou o que quer que seja, me dá uma visão do dia-a-dia distorcida ou não (o problema é meu, julgar).
INFORMAÇÃO
Quanto à informação como artista, devo muito a Geraldo Ferraz, com quem trabalhei até 1949 no Suplemento do “Diário de S. Paulo”, ilustrando e absorvendo seus artigos e críticas. Havia o Clube dos Artistas e muita conferência. Não sou de escrever, no máximo de conversar, no entanto mantive correspondência (quando passei 2 Anos na Europa) com Arnaldo Pedroso d’Horta e Oswaldo Goeldi.
TÉCNICAS
Comecei com xilogravuras autodidaticamente, depois fiz água forte com Henrique Oswald no Liceu do Rio de Janeiro em 1949/50. Fiz litografia com Poty, que estava aprendendo e ensinando o que aprendia. Mais tarde (1954) passei um ano só fazendo litografias em Viena. Voltando ao Brasil, depois do prêmio de viagem à Europa, parei com a xilogravura e fiquei desenhando. E gravando em metal e pedra.
INFLUÊNCIAS
O mundo fantástico de Kubin me fascinava. Escrevia a ele que rendo conhecê-lo. Recebi uma carta maravilhosa em que ele me dizia que “onde houvesse um desenho seu estaríamos nos comunicando na linguagem internacional das artes”. Disse também que poderia ver coleções de desenhos seus e mandava ao seu velho amigo Goeldi suas lembranças.
PRODUÇÃO
Dificilmente poderia dizer quantas gravuras fiz; menos ainda quantas cópias. Assim, aqui vão alguns números. Xilogravuras: aproximadamente umas 200,com tiragens variando em 20 ou menos; litografias - cento e tantas com média de 6 a 8 cópias por matriz; água-forte - creio que cento e tantas, variando a tiragem por prova única - 20 ou 60 cópias. Restam poucas matrizes (menos de 1/3 do que fiz em metal). Das xilos, nem um décimo. E das litos, nada, pois foram apagadas depois de impressas.
HOMENAGEM
Carlos Oswald, Goeldi, Lívio Abramo são a base de tudo o que se faz em gravura no Brasil. O que se ensinou depois, inclusive Friedlander,. No Museu do Rio, são acréscimos dispensáveis e até prejudiciais onde a “cozinha de gravura” floresceu e ajudou a enterrar os menos avisados.
JOVENS
Os jovens hoje tem mais oportunidade que em qualquer outra época. Há facilidade de informação, de técnica, e até de mercado.
MUSEU
Seria interessante, não o Museu da Gravura, como já se propôs, mas um Museu de Gráfica, onde caberia também o desenho.
“Entre o visionário e o fantástico”
Ao apresentar Grassmann na galeria 4 Planetas, em S. Paulo, em 1966, Geraldo Ferraz fala da intransigente autenticidade do artista. “Não há aqui acontecimento, nem pops nem ops nenhum relevo estranho à verdade da gravura. Nenhuma coisa grudada nela. Sua grandeza irrecusável advém da própria coisa em si - arte, pois nenhuma outra coisa, passada por coisificação, pelo esforço do homem, é mais um fito em si que a arte”.
Marcelo Gassmann |
Agora, Geraldo Ferraz apresenta Grassmann na mostra da CCBEU, de Santos.
“De 1944 a 1946 dedicamo-nos à crítica de arte, no “O Jornal”, do Rio de Janeiro, e foi nessa quadra, já no fim, que deparamos com Marcelo Grassmann, e mais três companheiros, expondo na Cinelândia. A vinda para S. Paulo, logo depois, levaria a uma aproximação maior, a uma avaliação maior do desenhista e gravador, que hoje pela primeira vez se apresenta ao público de Santos.
“Marcelo Grassmann dispensa certamente que se fale de sua gravura. Os trinta anos quase decorridos daquela data acima assinalada, deram à sua vivência de artista uma continuidade ascensional, como pouco se têm verificado no país. Adstrito aos temas que se desdobravam na fidelidade de sua visão adstringentemente original, entre o visionário e o fantástico, Grassmann paira acima de qualquer discussão. Ele pertence à arte maior.
“Revê-lo, então, em sua mesma configuração física, em seus gestos de amarga perquirição, olhos cansados de contemplar as imagens que povoam sua noturnidade romântica, e que ele avalia e indaga e fusiona, é recordar como não se alterou essa individualidade, em sua evolução ao longo do tempo. Ilha Verde, Guarujá”.
Queijo e vinho
A fim de homenagear os novos cinqüentões Marcelo Grassmann, Aldemir Martins e Octávio Araújo, a diretoria do Clubinho está convidando artistas, intelectuais e jornalistas, colecionadores e público em geral para uma noite de queijos e vinhos, dia 28 próximo, às 21 horas. Entre os promotores o secretário da Cultura, José Mindlin, o professor Paulo Emílio Salles Gomes e o zoólogo Paulo Vanzolini. Convites a Cr$ 100,00 a adesão, desde já, na portaria do Clubinho, Rua Rego Freitas, IAB.
Folha de São Paulo, 24 de agosto de 1975.