JÂNIO QUADROS SE PROPÕE A DESTRUIR O ADEMARISMO
A dobradinha popular Jânio-Porfírio, com seus 1.500 comitês de bairro e seus 350 núcleos de fábricas, ameaça a maior coligação de partidos já organizada em S. Paulo - Demagogo ou místico - Fala à nossa reportagem o candidato do PDC.
Ex-vereador mais votado, atualmente o deputado estadual mais votado, o sr. Jânio Quadros, com sua impressionante cabeleira e seu olhar vago, alterou completamente a fisionomia do pleito pela Prefeitura de S. Paulo, já que parecia vencido pelos ademaristas.
Ouvido sobre seu programa administrativo, numa reportagem que publicamos na página 10, o sr. Jânio Quadros teve impressões pouco concretas, revelando-se não muito seguro de sua linha de ação.
É verdade que o “sinhor” só tem um par de sapatos?
Meu amigo, para que mais se só tenho dois pés?
Mas o “milhão” diz que o “sinhor” anda mal vestido de propósito.
Escute bem, irmão. Certa vez li inteirinho um livro vazio, sem expressão, tolo, que se revestia, no entanto, de uma luxuosíssima capa. Desde esse dia resolvi cuidar-me mais por dentro do que por fora.
Foram debates que presenciamos entre um popular e o candidato Jânio Quadros, no Tatuapé, e que definem bem o sentido de uma candidatura nascida nas ruas e levada agora adiante por 1.500 comitês nos bairros, 350 núcleos (secretos) nas fábricas e pela realização diária de 6 comícios populares.
JÂNIO
Franzino, cabelos por fazer, bigode nietzschiano, olhos de Bette Davis, o cuidado mato-grossense de pronunciar cada sílaba, o terno simples em cima gola se destaca um colarinho que nunca assenta e, sobretudo, o olhar longínquo que esconde o grande místico ou o grande demagogo - eis Jânio Quadros, o candidato dos pedessistas, socialistas e getulistas (só parte), às eleições da Prefeitura paulista.
Como deputado mais votado à Assembleia, segue uma linha iniciada há 6 anos, quando vereador: é o deputado que mais apresenta projetos, indicações, requerimentos, protestos, moções e emendas.
Nunca faltou a uma sessão, quer na Câmara ou Assembleia, e atende diariamente a seus correligionários desde as 7 da manhã.
CANDIDATO
Escolhido candidato pelas convenções do PDC e PSB, o Sr. Jânio Quadros viu sua candidatura encontrar sólidas bases populares, manifestada através de quase 450 pessoas a quem ele recebe diariamente na sede daqueles partidos ou no comitê central, na Rua Augusta, paradoxalmente situado no centro de um bairro grã fino.
Seu dia de candidato começa às 7 da manhã, na chamada Casa Civil da Rua Sinimbu, pequena e feia (a Casa Militar, de seu pai, fica na Avenida Rebouças, tem jardim, é grande, quase aristocrática e reservada para os maiores contatos políticos), onde atende 70 a 80 pessoas até às 10,30 horas.
Até meio-dia, depois, está na sede do PDC, atendendo aos correligionários.
Almoça rapidamente e por isso, às 13 horas, já está no comitê central, na Rua Augusta, onde conversa com cerca de 300 pessoas até as 19 horas, quando então faz um lanche ligeiro e vai, com as caravanas, aos comícios de bairros.
COMÍCIOS
Os comícios são relâmpagos, duram menos de uma hora. Só podem falar moradores do lugar e os candidatos Jânio e Porfírio, evitando-se assim explorações políticas
Às vezes a propaganda adversária tenta obstruir os comícios da “dobradinha-popular” (apelido que o povo pôs nos candidatos), fazendo arruaças, apagando as luzes, colocando pessoas para apartar, etc.... Mas essa tática, posta em prática pelo chefe da propaganda do candidato adversário, ex-diretor da Policia Marítima, de Santos, tem refletido mal e mais entusiasma os adeptos da dupla Jânio-Porfírio.
Até agora, a “dobradinha” já realizou mais de 150 comícios. Quando o dia das eleições se aproximar, os candidatos distribuirão cédulas nas portas das fábricas.
O COMITÊ
O Comitê Central fica num prédio velho na Rua Augusta, com 4 andares e um terraço que, bastante isolado, é o local das conversas mais secretas dos candidatos.
Desde o porão, onde o retrato do sr. Getulio Vargas anima o trabalho do grupo trabalhista, chefiado pelos srs. Chaves Amarante e Roberto Pimentel, até o galpão, local do Comitê de Imprensa - veem-se pessoas pobres e humildes esperando por um “prosinha” com os candidatos.
Em meio à gente toda, Jânio Quadros, Porfírio da Paz, seus familiares (os melhores secretários de Jânio são sua mãe, o pai, a irmã e a esposa), deputados como Rogê Ferreira, Wladimir Piza, Scalamandré Sobrinho (que já fundou mais de 300 comitês pré-Jânio em Santo Amaro), e vereadores de vários partidos, têm uma faina constante.
Cartazes, faixas, dísticos, folhetos com variados dizeres (“Udenista: Paulo Lauro agradece o teu voto: Hoje, em Cardoso, Amanhã, em Adhemar”) são distribuídos profusamente.
Há um típico ambiente de manga-arregaçada, de “L’omo qualunque”, de inconteste revolta social (“Um tostão contra o milhão”- é o slogan de toda a campanha).
POR QUE “SE ELEITO”?
“Por que se eleito? Já estamos eleitos” - é a resposta do sr. Jânio Quadros à nossa pergunta sobre o papel que desempenhará, se eleito, em relação ao plano político nacional, quanto às futuras eleições presidenciais. “Já estamos eleitos - repete o candidato. Entretanto as nossas preocupações são marcadamente comunais. Dizem respeito a este município. Uma coisa é certa. O ademarismo como método, como processo e como intenção delituosa, será erradico de S. Paulo, o que vale a erradicá-lo do país. Para esse aspecto chamamos a atenção dos verdadeiros democratas, brasileiros de todos os partidos: se a fatalidade impusesse a nossa derrota, ninguém deteria a “gang” que intenta assenhorear-se da República. Mas o Todo Poderoso já determinou: nós a liquidaremos. Então, teremos possibilitado o ambiente para a solução pacífica dos problemas político-econômicos do Estado e da União, próximos e remotos, mesmo porque o que caracteriza nossa ação é o mais absoluto desinteresse pessoal pelas posições de comando.
S
SECRETARIADO
A entrevista se interrompe, Jânio Quadros, ex-orador do Centro Acadêmico XI de Agosto, ex-professor de português, é procurado por velhos amigos.
Aproveitamos a oportunidade para saber o “estado maior” do candidato a provável constituição do secretariado.
Ei-la:
Prestes Maia ou Francisco Gayotto, Secretaria de Viação e Obras; José Marrey Júnior ou Franco Montoro, Secretaria da Justiça; Antonio de Queiroz Filho ou Carvalho Pinto, Secretaria das Finanças; Alípio Correia Neto, Secretaria da Saúde; Helena Junqueira, Secretaria da Educação; na direção da CMTC, o udenista dissidente Juvenal Sayon e, como presidente da Comissão do IV Centenário da Cidade, o Sr. Afonso Escragnole Taunay.
DEMOCRACIA IGUALITÁRIA E JUSTA
A segunda pergunta (“Qual o significado social que empresta à sua eleição”) foi assim respondida pelo candidato democrata-cristão:
“Indicará a maturidade do povo, na sua plena politização. Marcará com nitidez a consolidação da democracia entre nós. Será a vitória do voto livre nas multidões livres, contra a violência, a infâmia, o favoritismo, a perseguição. Observe-se que, neste momento, todos os recursos de suborno, da brutalidade e da injúria estão sendo empregados pelo governo contra o movimento que integramos. Não importa. Temos fé no nosso pensamento de democratas-cristãos, temos fé na estóica firmeza dos nossos companheiros de jornada, filiados a outras legendas. Sabemos que esta é a hora do homem da rua e sabemos que somos a sua voz. O povo, aqui, como na Itália, na Alemanha ou em outros países, irá entregar-nos a responsabilidades de porta-bandeiras da democracia igualitária e justa que Maritain e Luigi Sturzo ergueram vitoriosamente na Europa”.
Alguém vem pedir que Jânio abra a lista em favor de um correligionário falecido na véspera. Jânio abre a carteira, dá 40 cruzeiros, mostra o fundo vazio e diz que não tem mais nada.
Em seguida responda a nossa última pergunta.
“Os principais pontos de meu programa são: recuperação moral, administrativa e financeira do município, cujo poder público se encontra corrompido e desprestigiado pelo ademarismo, responsável nº 1 pela dilapidação e malversação dos dinheiros comuns, pela exploração e pelos escândalos que nele se verificam.
SOBREVIVÊNCIA
“Essa recuperação - continua - é imperiosa a bem da sobrevivência do regime e das instituições cristãs, cujo patrimônio e cujos valores estão no risco de perder-se. Para isso será constituída uma equipe de homens honrados e capazes, com tal reputação e com tal prestígio que serão o penhor do restabelecimento da autoridade oficial. Um Marrey Júnior, um Franco Montoro, um Antonio de Queiroz Filho, um Francisco Preste Maia, Um Ataliba Leonel, um Olavo Fontoura, um Wladimir de Toledo Piza, um Alípio Correia Neto, um Cid Franco e nomes semelhantes serão convocados para órgãos de direção da Prefeitura”.
BAIRROS
“E os bairros abandonados, que ameaçam a ordem democrática, e o povo humilde receberão cuidados imediatos da municipalidade. A pavimentação, os transportes, a luz e energia, a água e os esgotos, o telefone, a assistência hospitalar, a educação, a recreação e o policiamento não serão apenas promessas mentirosas, mas realidade tranquilizadora, pois que a Prefeitura libertada executará essas obras e serviços, se da sua competência, se da competência do Estado”.
TRIBUNA DA IMPRENSA
10 de fevereiro de 1953.