segunda-feira, 5 de junho de 2023

GERALDO DE BARROS

GERALDO DE BARROS: a imagem consumível dos “out-doors” 

Meu trabalho é baseado nos pôster como elemento de comunicação de massa. 

Eis como define sua atual exposição – 12 anos de pintura, 1964/1976 – no Museu de Arte Moderna de S. Paulo, o artista Geraldo de Barros, pioneiro do movimento concretista, que agora volta à ribalta do público, mostrando 35 trabalhos em que utiliza outdoors (posters) como elementos básicos de cada obra através de colagens ou pinturas. 

Geraldo de Barros (Xavantes, 1923) iniciou-se nas artes em 1945, tendo estudado com Clóvis Graciano, Colete Pujol e Takaoka. E, Paris, em 1951, estudou litografia e gravura. Premiado em 3 bienais, Geraldo de Barros, com Wesley Duke Lee e Nélson Leirner, formou o conhecido Grupo Rex – exposições de rua, heppenings, introdução a pop arte no Brasil – hoje dissolvido. Sempre participou de movimentos de vanguarda, em fotografias, cartazes, artes plásticas e “desing”. Nos idos de 50, com Frei João Batista, dominicano, fundou a Unilabor, cooperativa de trabalho, hoje convertida na conhecida “Hobjeto”. 

A atual mostra de Geraldo do Barros no MAM, com inauguração dia 19 último, em obtido sucesso de público. Radhá Abramo, que apresente Geraldo no bem elaborado catálogo, diz do artista: 

– “Um dia, há uns oito meses, Geraldo de Barros leva-me para seu sítio em São Roque. O verde do percurso desfaz as imagens gastas da cidade e à noite as conversas despertam lembranças. Quando sol, no dia seguinte, se planta no pico do céu, Geraldo de Barros arrasta grandes aglomerados coloridos de madeira do ateliê para o jardim e encosta-os às paredes externas da casa. A pintura dos quadros enormes completa a paisagem. São out-doors que deixaram de sê-lo. Lembram aquelas imagens gastas das cidades mas são vivas, parecem respirar e prontas a saltar do espaço que as retém. As gigantescas pinturas são ambíguas. O artista, complacente, pergunta: “o que é isso?” Livro-me de ser pega em flagrante crise de ignorância e ensaio a resposta: “Talvez seja a subversão da mensagem publicitária; penso, mas não falo, porque esta mensagem coloquial me obriga a tecer considerações amenas sobre o uso da foto e a eliminação da retícula impressa no out-door. Falar do que não se leu ou se ouviu de alguém reputado é ousadia; frequentemente falta-nos a coragem de errar em brasileiro. Sinto, porém que a pintura de Geraldo de Barros bole com a estrutura da linguagem, mas custa para que a palavra subversão – a palavra precisa – surja para designar o significado latente da expressão plástica do artista.”

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 – “Passados alguns meses, Geraldo de Barros me solicita a apresentação de sua mostra no MAM. Uma frase de Proust, citada por Carlos Lacerda no seu livro “A Casa de Meu Avô” me assalta: “O bom escritor é aquele que escreve com os olhos enxutos”. 

– Se não me bastasse a advertência do autor da “Recherche” lembro-me de outro crivado da objetividade brechtiana e que me recomenda o consciente distanciamento para o registro dos fatos. Acredito e até mesmo postulo essa postura ante a ocorrência geral de todas as coisas do universo. Imagino também que a errata da história da humanidade, se um dia escrito dentro de um procedimento brechtiano, desnude não a sua face oculta mas a que temos “insistido” em ver. Acredito. Mas que adestramento metabólico infalível seria preciso manter para o equilíbrio de uma postura crítica e para conservar os olhos enxutos diante da obra de um artista?

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– “A empatia, os estímulos sensoriais, a referência cultural, a engrenagem do sistema e a definição ideológica configuram-se na visão e no gosto do homem porque fazem parte da Gestalt humana. Assim, por mais que nos esforcemos na análise científica do objeto de arte, o que se produz é a versão subjetiva, pessoal e parcial da aparência sensível de tudo aquilo que se convencionou designar como realidade. 

– “Pois que nossos olhos sejam úmidos e que o mergulho marcado por todas as vicissitudes existenciais me facilitem apresentar o artista e sua criação”.

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– “O artista usa a imagem consumível dos out doors e acima de tudo extrapola o sentido da mensagem original. Recupera a imagem do homem exposta e proposta como objeto de consumo. Frustra a trucagem publicitária e extirpa o subtexto destinado a despertar um estímulo e uma resposta. Depois que Geraldo de Barros toca um fragmento de out-door, a moça da Trevira reaparece jovial, descontraída, mais linda e doce que nunca; a outra, do cigarro Minister sorri mais livre. 

– “Como o artista é um homem solitário, só sabe criar quando estabelece uma relação com as pessoas. Por essa razão – simples e profunda demais – é que ele vem modificando, nestes doze anos, a imagem dirigida gratuitamente à massa anônima”. 

– “Cria um naturalismo sadio, mostra as pessoas como são, sem truques, sem demagogia. Humaniza a figura, restaurando-lhe a dignidade e despojando-a do supérfluo. Para isso, recorre ao velho instrumento da pintura e prova que as tintas sobre uma superfície são ainda fonte inesgotável de criação”. – “Geraldo de Barros subverte enfim a estrutura da linguagem publicitária, com a arte – porque não teme e sim deseja uma relação com o mundo”.

A TRIBUNA, 1º de maio de 1977.

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