Na Academia Paulista de Letras falaram sobre o mestre da paisagem, o presidente Israel
Dias Novais e o acadêmico José Altino Machado.
Rebolo Gonsales vem andando num gingado pela Rua São Bento. Anos 40. No
outro lado da calçada conversam animadamente o jornalista Israel Novaes e o mestre Mário de
Andrade. O Rebolinho atravessa a rua e pergunta:
- Como é Mário, gostou dos meus quadros?
- Gostei...
-... Não gostou, não; você gosta mais do meu futebol que dos meus quadros.
- Não é verdade, Rebolo... As suas paisagens paulistanas...
A conversa vai por aí. Israel assiste o diálogo e registra, memorialista nato que
é, vida afora.
Rebolo era uma extraordinária figura humana – alegre, sensível, saudável, capaz
de transformar qualquer reunião em agradável tertúlia.
E como sabia bebericar... Chegou até a ser um bom presidente do Clubinho dos
Artistas, entre 40 e 50. Andava então de motocicleta, a Galatéia, colocando à garupa artistas que
levava a jantares em sua casa do Morumbi – quando chegavam. (O célebre episódio com Djanira
já foi contado aqui por Paulo Bomfim, in “O Centenário de um moço”).
Na Itália, onde passou 2 anos, com bolsa de estudos do governo, posou junto à
Torre de Piza – que é inclinada,... segurando-a do outro lado, em foto famosa. Numa linha de
trem, namorava numa das tardes lácteas de Roma, quando vem o trem... a 100 por hora... com
agilidade saltou, salvando-se o romântico par.
Viajei 2 vezes com Rebolinho, em férias ambos, pelo Ceará, Maranhão e Piauí.
Em Teresina, causou rebuliço na cidade, pois um decorador oficial tinha descaracterizado a Igreja
da Vermelha, inteiramente esculpida pelo Mestre Dezinho. Deu entrevista, protestou até ser
chamado ao Palácio do Governo pelo governador.
-“Seu Rebolo, o senhor tem razão; diga como a igreja deve ser restaurada.
- É fácil. É só fazer tudo igualzinho como Mestre Dezinho pintou e esculpiu. Os
jornais deram manchetes, o governador nunca voltava atrás, em suas decisões. Mas, dia seguinte,
pra agradecer ainda mais o Rebolinho, colocou um carro à sua disposição... Era uma perua Kombi
velha, que chacoalhava sem dó pelas ruas da capital. O Rebolo ria sempre... e chorava, com seus
fígados em mau estado.
Em Fortaleza, pediu a um garçom “uísque sauer” – veio uísque com sal... Num
restaurante, onde comíamos todos os dias, peixadas sempre diferentes, um dia disse o garçom:
- Sr. Rebolo, hoje vamos fazer um peixe diferente!
- É, hoje gostaria de comer um peixe especial.
- Como é, sr. Rebolo?
- Pois é. Hoje eu queria um peixe... em pé. Na vertical!
E o mestre pintor foi homenageado pela intelectualidade local. O prato principal
era tatu. Tatu-bola, ou tatu-galinha. Nós tínhamos combinado que, se eu gostasse da primeira
garfada, piscava para o Rebolinho. (Os tatus eram espetaculares, enormes, em bandejas ricamente
decoradas, fumegavam). Experimentei o tatu-bola, gostei e pisquei, aprovando-o. O Rebolinho
entrou de cara no prato de tatu... Começou a fazer uma cara esquisita, a se contorcer. Tive de
retirá-lo de cena. Vomitava no banheiro... Depois, explicaram: o pedaço que ganhou era tatu -
galinha... Que come de tudo! Pobre homenageado.
Em São Luiz, num circo lotado, chegamos atrasados. Rebolo passava pelo
público para pegar o seu lugar junto ao picadeiro. Ele era parecido com o Paulo Gracindo, que
estava no auge, por causa da novela do Bem Amado na TV. Alguém gritou. “Olha o Paulo
Gracindo”! O circo todo aclamou. – O que eu faço? – Ernesto. – Agora não dá pra explicar, o
circo parou, ta todo mundo aclamando você. O Rebolinho assumiu, foi cortando gentes,
agradecendo... até o seu lugar. Assistimos, quietos, quase toda a sessão. Os artistas festejavam e
saudavam o “Paulo Gracindo”... Antes de acabar a noitada, o Rebolinho levantou-se... saindo
sorrateiramente. “Isso vai dar confusão”, disse, “se eu disser que não sou o Gracindo, é capaz de
baterem em mim!”.
Deu pra sair meio despercebido. Já lá fora, o porteiro teve dificuldade de abrir a
porteira do circo, havia umas 100 crianças que não puderam entrar. O Rebolinho se condoeu: - Ó
menino, deixa essa criançada entrar hoje... – O sr. falou com o dono do circo? – Falei. Ele
autorizou a criançada entrar. Em homenagem ao tal Paulo Gracindo... E a garotada luiziense foi
em atropelada, assistir o circo de graça.
O artigo de Antonio Gonçalves (“Rebolo, Santa Helena e futebol”,
Tendências/Debate, pag. A3, 5/6) faz recordar histórica reunião-jantar na residência de Rebolo, no
Morumbi, e, 1º/2/71, quando recebeu todos os integrantes do “Grupo Santa Helena”, lembrando
os bons tempos de convívio artístico. Durante a comemoração, em que estavam presentes artistas,
críticos e jornalistas, o ensaísta Paulo Mendes de Almeida historiou a fraternidade e a importância
do grupo. Os oito artistas do Grupo Santa Helena decidiram então editar um álbum comemorativo
– hoje, peça rara – no qual cada qual marcou presença com um trabalho.
Francisco Rebolo Gonsales foi um importante pintor e gravurista brasileiro, membro e fundador do Grupo Santa Helena nascido em São Paulo em 22 de agosto de 1902 e faleceu a 10 de julho de 1980, em S. Paulo. O texto acima for publicado pela ocasião do centenário do artista (2002).
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