quarta-feira, 9 de outubro de 2024

HÁ 35 ANOS, RUY BARBOSA COMBATIA AS OLIGARQUIAS

Hoje é dia de aniversário da “Oração aos Moços” 

São Paulo, 28 (Sucursal) - Mil novecentos e vinte. Ruy Barbosa reúne num livro seus artigos sobre a intervenção federal na Bahia. E faz, então, seu cinquentenário jurídico. Por isso é escolhido paraninfo dos estudantes de São Paulo. Mas havia uma dificuldade séria. Ruy não era professor na velha Faculdade paulista. E o regulamento da Congregação era taxativo. Os 80 rapazes que se formavam estavam aborrecidos... Como trazer Ruy? 

Dois deles foram mais persistentes. José Soares de Melo e Cristiano Altenfelder da Silva vão recorrer ao diretor da Faculdade. A casa de Herculano de Freitas era no Paraíso. Ambos se dirigem para lá. Mas havia mais uma dificuldade. Herculano era antigo adversário de Ruy. Ministro da Justiça de Hermes, fora duramente criticado pelo baiano. Rivalidade que continuou pela imprensa, pelas tribunas. Melo e Altenfelder tremiam. 

O velho Herculano os recebeu com poucas palavras. Escutou-os também quietos. Súbito levantou-se e ergueu a voz: 

- “Não! Para Ruy, nesta Faculdade de Direito de São Paulo, abrem-se todas as exceções. Ele será o vosso paraninfo!” 

Foi paraninfando essa turma que Ruy escreveu sua célebre “Oração aos Moços”. Hoje, 35 anos depois, os rapazes de 1920 homenageiam Ruy e a “Oração aos moços”. Mas nenhum deles é mais rapaz. Nem são mais 80. Vinte e cinco deles já morreram. 

RUY NÃO ACEITA 

Mas quase que a “Oração aos Moços” não é escrita. É que Ruy, primeiro, aceitou a honra acadêmica. Esse dia foi dia de festa na Faculdade quando os emissários voltaram do Rio. Mas dias depois chega carta do mestre para Soares de Melo. Os acadêmicos deveriam eleger outro padrinho. Com 70 anos, Ruy andava enfermo (dois anos depois, a moléstia o abateria fatalmente). E deprimido. Ferido por injustiças e preterições. Iria viajar à Europa para curar talvez mente e espírito. Reservara mesmo um camarote na Royal Mail. 

Os estudantes, contudo, não se conformam. Chega ao Brasil, nessa época, o rei Alberto da Bélgica. Rei, estudantes e povo querem Ruy na capital do país. Ele vem do interior de Minas, onde convalescia. Mais uma embaixada acadêmica está no Rio. 

Ele os recebe na biblioteca de sua casa, em São Clemente. É junho de 1920. 

O PRESIDENTE “DEPURADO”

Ali estão, com ele, os jovens Soares de Melo, Cristiano Altenfelder da Silva, Carlos Pinto Alves, Urbano Rezende da Costa, Antonio Cattapreta, Valentim Gentil, Antonio Queiróz Teles, Horácio Lafer e Edgar Batista Pereira. Todos da turma da Faculdade. Alguns amigos de Ruy comparecem. Entre eles, o velho Palma e Sá Viana, mestre de Direito. Dona Maria Augusta e as filhas estão também presentes. 

A rapaziada insiste. Lançam argumentos. Há cinquenta anos (1870), Ruy se formara pela mesma Faculdade! As festas, ficariam para mais tarde. Em 1921. Mas que Ruy escrevesse o discurso. Se não pudesse ir, seria lido. A pressão é grande. Ruy cede. E acaba paraninfo de verdade. 

Então, vem uma meia hora de boa conversa. Ruy está lúcido naquela tarde de junho. Rememora fatos. Dá testemunho. E, quando fala da sua turma de 1870, surpreende os rapazes. É quando diz: 

- “Minha turma deu três presidentes da República. Rodrigues Alves, Afonso Pena e um “depurado”...

No animado da conversa, Ruy soltava uma verdade. O “depurado” era ele. Dois anos antes (1918) o governo lhe roubara um título conquistado nas urnas. O de presidente da República. 

O ano se concluiu, mas a festa ao se faz. A rapaziada da academia espera Ruy para a solenidade em março de 1921. Mas um telegrama avisa. Ruy estava pior. Não poderia vir. Soares de Melo volta ao Rio. Sobe a Petrópolis. Ruy lhe entrega o discurso. Ele lê sofregamente as palavras do mestre na viagem pelo diurno da Central. Na estação da Luz está Batista Pereira (futuro biógrafo de Ruy). Todos correm para um solar dos campos Elíseos. Reinaldo Porchat, o grande orador de São Paulo, concorda em ler a peça ilustre. 

Véspera da formatura. Ruy, de repente, telegrafa. Diz que virá para a festa. Os estudantes vivem horas de vibração. Horas antes de embarcar, porém, seu médico, Miguel Couto, proíbe a viagem. Novo telegrama. A formatura já chegou. Ruy não vem, mesmo. Mas todos bebem suas palavras de gênio. Alguns choram. A faculdade vibra com Ruy na voz de Porchat. 

Noite ainda, estão na estação telegráfica, professores e alunos. E Porchat reluzente. São os telegramas para Ruy que ficara no Rio. A Congregação o chama de o “máximo dos brasileiros”. Porchat diz que o auditório “aclamou delirantemente as palavras do mestre”. 

E Soares de Melo, o mais de todos telegrafa assim: “Beijo as mão excelso mestre cujas sagradas palavras me guiarão toda a existência como imperecível lição evangélica patriotismo e direito”. 

A “ORAÇÃO AOS MOÇOS”

No dia seguinte, lá está o discurso de Ruy no “Estado de São Paulo”. Amadeu Amaral foi quem reviu original e composição. O original fora, antes, revisto e emendado por Ruy. Carlos Pinto Alves publica logo depois toda a obra revista “Dionisius”. Revista de estudante. Carlos, o diretor. Por isso o título sai assim: “Oração aos Moços”. O nome pegou e vive até hoje. 

Ele mesmo vai levar 50 exemplares para Ruy, no Rio. O mestre o recebe carinhosamente. Veste um imenso sobretudo. A cabeça alva e grande se destaca do quadro. Ruy é ainda loquaz. Fala muito da Bahia. E diz, a certa altura: 

- “... pois na Bahia os velhos senhores de engenho tinham direito até à virgindade das negras”. 

Foi o suficiente para sua mulher por a criançada (os netos de Ruy) para fora da sala. Disse rápido: 

- “Vão embora, vão embora, vovô está falando!” 

Ruy continua a conversa. Diz que gostou do título “Oração aos Moços”. Bem aplicado. 

Hoje a “Oração aos moços é conhecida em todo o país. Muitas editoras lançaram edições de milhões de exemplares. E há tradução dela em meia dúzia de línguas. Fora do país, foi mais vendida na Itália. Entre nós, tem sido catecismo cívico. De duas gerações. 

A “TURMA DE RUY” HOMENAGEIA

É hoje a homenagem que a “turma de Ruy” fará pelos trinta e cinco anos da “Oração aos Moços”. Homenagem na Faculdade, claro. Missa, sessão solene e almoço aos remanescentes da velha turma. José Soares de Melo agora é professor de Direito na velha Academia. Ele mesmo fará o discurso oficial, perante a estátua de Ruy, sob as Arcadas. 

E se encontrarão os velhos amigos. Agora, Carlos Pinto Alves tem cultura imensa e escreve muito. Cristiano Altenfelder faz política (ex-candidato a senador) e cultiva café. Horácio Lafer fez carreira política, passando pelos estudos de filosofia. Queiroz Telles preside entidade da classe rural. Há advogados. Professores. Deputados. Um secretário de Estado. Faltam vinte e cinco que faleceram. Valentim Gentil quando morreu era presidente da Assembleia Legislativa. 

Nenhum deles, hoje, esquecerá de Ruy Barbosa: 

“Ora, senhores bacharelandos, pesai bem que vos ides consagrar à “lei”, num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento “da maioria”, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem, e dispõem, as que mandam e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, “não há lei”, não há, moral, política ou juridicamente falando”. 

O povo hoje deve lembrar-se muito do “depurado”. 

TRIBUNA DA IMPRENSA Rio de Janeiro, 28-29 de Abril de 1956.

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