quarta-feira, 9 de outubro de 2024

História mineira de um mineiro:

INSPIRADO NA VÍRGULA FEZ QUATRO SONETOS AMÉRICO 

Monteiro de Castro é o nome de um mineiro autêntico. Que nasceu em Tiradentes, estudou (direito) em Belo Horizonte e vive hoje em Ouro Preto. E com uma constante (tão mineira) na vida: jornalista, poeta, escritor. Pois Monteiro de Castro entra no jornal, hoje, porque virou notícia. E notícia boa. O nosso Américo é o autor de uma proeza única na língua portuguesa. Fez quatro sonetos diferentes (sic), com os mesmos versos! Apenas mudando a vírgula. 

(Os sonetos vão publicados ao pé da reportagem. Antes, temos de dizer ainda um pouco quem é Américo Monteiro de Castro, mineiro de Minas Gerais). 

Infância (estudos) 

Américo nasceu em 4 de janeiro de 1915, em Tiradentes. Na casa do padre Toledo, que é hoje a Prefeitura Municipal. É filho de Américo Olímpio de Castro (fiscal do consumo) e Estela Monteiro de Castro. Ambos falecidos. 

Estudou em Oliveira (curso primário) e em Belo Horizonte (curso secundário). Na capital, formou-se também em direito. E foi onde, também, foi picado por dois vírus. O literário e o gramatical. 

Literatura (e jornais) 

Traçando o perfil moral dos colegas, em Belo Horizonte, Américo Monteiro de Castro começou sua carreira nas letras. Eram publicações pequenas, nas revistas “Colégio Arnaldo” e “Montanhesa”. Depois passou a escrever sobre os estadistas da República. E fundou o Centro de Cultura “Justino Mendes”, a que serviu também como orador (duas vezes). 

Formado, veio a época das colaborações nos jornais mineiros. “Folha de Minas”, “O Diário” e a “Tribuna de Minas”, de Belo Horizonte. “Gazeta de Minas”, de Oliveira. “O Operário”, de Montes Claros. “O Norte de Minas’, de Teófilo Otoni. “Jornal do Povo”, de Ponte Nova. E, finalmente, “G. L. T. A.”, de Ouro Preto, onde se fixou. Fora da província, colaborou no “Correio da Manhã” (Rio). 

Fase de Ouro Preto 

Para Ouro Preto foi como funcionário federal. Na terra da Inconfidência, tinha de fundar a “Academia Ouropretana de Letras”. Mas não se sentou na cadeira número um. Preferiu a três. Tomás Antonio Gonzaga é seu patrono. Há pouco se elegeu secretário geral da Academia. 

Na “sua” Ouro Preto, começou a produzir. Exegeses didáticas e poemas em prosa. Estudos de sintaxe e versos líricos, ao estilo do patrono (Gonzaga). Por isso, agora, Américo Monteiro de Castro é uma figura conhecida na cidade. E na capital também. 

Obras (gramática) 

Américo tem uma gramática. Toda em versos. Chama-se “Pequena Gramática em Versos” e nela se destacam os sonetos: “Regência dos Verbos”, “Fundações do Quê”, “Verbos Defectivos”, “Infinito Pessoal”, “Sintaxe do Se”, “O jogo da vírgula”, “Dois Pontos”, “Metaplasmos”, “Figuras de Sintaxe”, “Tropos de um Coveiro” e “Vícios de Linguagem”. 

Os quatro últimos sonetos de sua gramática (em versos) foram tese de um concurso lítero-didático da Academia Ouropretana de Letras. 

Mas Américo não parou na gramática. Ele tem vibrações líricas. E históricas. Sua obra é também algumas vezes épica. Vamos acompanhá-la, pelos títulos dos seus poemas: 

“O Expedicionário”, “Vozes do Brasil”, “Esperança”, “Marília de Dirceu”, “O amor é a lei suprema”, “Filigrana”, “Invocações à Lua”, “Menino moço e homem”, “Bismarck e Darwin”, “8 de maio”, “Cérebro versus coração”, “Cidades de Minas”, “Estudante de Ouro Preto”, “Integridade de juiz”, “Por dentro de Georges Sand”, “O banquete de Van Der Helst”, “Símios” “Favos”. 

Referências e objetivos

Américo, o literato, tem preferências literárias. Ele mesmo vai enumerando. Os escritores preferidos são: Machado de Assis, Spinoza, Emerson, Buda, Afonso Arinos Dostoievsky e Balzac. Já os poemas de predileção são em menor número (e mais provincianos): Bilac, Cruz e Souza, Onestaldo Penaforte, Djalma Andrade e Tomás Gonzaga (sempre). 

Na “poesia da vida” Américo tem preferência pela sua mulher Maria Eugênia Lobato e Castro (também da Academia Ouropretana de Letras). Que lhe deu três filhos - a mais velha, Marília. 

Vejamos agora a proeza inédita (em língua portuguesa e no mundo) do mineiro de Ouro Preto, Américo Monteiro de Castro: os quatro sonetos iguais na forma e de sentido diferente. 

O JOGO DA VÍRGULA

EU AMO E ELA ODEIA!

Dentro de mim, meu Deus, que sensação
Tão boa, não é má, não tem a palma
Do amor, nunca está minhalma
No anônimo perfeito da afeição!

Se às vezes me estarrece a ingratidão,
Perdôo-lhe, jamais em mil se espalma
A víscera que amarga a doce calma
 Da maior doce calma a razão! 

De dentro dela, em que tu te enleias,
Tua alma, entretanto, má não duvido
 A cólera transborde-se nas veias...

Amor sentes jamais, eu esquecido, 
Pois dizes, sim, que me amas não, odeias 
Com esse coração mal escondido... 

II 
EU ODEIO E ELA AMA

Dentro de mim, meu Deus, que sensação
Tão boa não, é má, não tem a palma 
Do amor, nunca, está minhalma 
No anônimo perfeito da afeição! 

Se às vezes me estarrece a ingratidão 
Perdôo-lhe jamais, em mil se espalma 
A víscera que amarga a doce calma 
Da maior doce calma a razão! 

De dentro dela, em que tu te enleias, 
Tua alma, entretanto, má não, duvido
A cólera transborde-se nas veias... 

Amor sentes, jamais eu esquecido, 
Pois dizes, “sim”, que me amas, não odeias 
Com esse coração mal escondido... 

III 
EU AMO E ELA AMA!

Dentro de mim, meu Deus, que sensação 
Tão boa, não é má, não tem a palma 
Do amor, nunca está minhalma 
No anônimo perfeito da afeição 

Se às vezes me estarrece a ingratidão,
Perdôo-lhe, jamais em mim se espalma 
A víscera que amarga a doce calma 
Da maior doce calma a razão! 

De dentro dela, em que tu te enleias,
Tua alma, entretanto, má não, duvido 
A cólera transborde-se nas veias... 

Amor sentes, jamais eu esquecido, 
Pois dizes, “sim”, que me amas, não odeias
Com esse coração mal escondido... 

IV
EU ODEIO E ELA ODEIA! 

Dentro de mim, meu Deus, que sensação 
Tão boa não, é má, não tem a palma 
Do amor, nunca está minhalma
No anônimo perfeito da afeição!
 
Se às vezes me estarrece a ingratidão 
Perdôo-lhe jamais, em mim se espalma 
A víscera que amarga a doce calma 
Da maior doce calma a razão

De dentro dela, em que tu te enleias, 
Tua alma, entretanto, má, não duvido 
A cólera transborde-se nas veias...

Amor sentes jamais, eu esquecido, 
Pois dizes, sim, que me amas não, odeias
Com esse coração mal escondido...

TRIBUNA DA IMPRENSA, 8 de maio de 1956.

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