quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Vibrando, os arraiais de Euclides (II)

“Brotinhos evoluem com graça para homenagear “Os Sertões” 

Culpa de Euclides, que fez a obra em Rio Pardo - Portinari também comparece- O “casebre nacioná” vira folclore - O punhal do jagunço e um apelo a Juarez - Guerra Peixe, Joaquim Ribeiro e Edson Carneiro: três conclusões 
“Esta Semana Euclidiana está virando um verdadeiro congresso de... brotinhos” - na praça pública, onde as garotas aparecem como içás, a frase do promotor é uma definição. 
São as belas (tradição rio-pardense) garotas da cidade e das regiões vizinhas. Vieram visitar a choupana histórica. Mas à tarde e à noite evoluem pela praça e nos bailes públicos. 
Mas não há apenas a mobilização dos “brotinhos” na Semana Euclidiana. A cidade mesmo está transfigurada. O culto histórico convoca toda a população. Também, quem mandou Euclides escrever “Os Sertões” em Rio Pardo? 

PORTINARI TAMBÉM
Portinari também veio para a Semana. Não em pessoa. Mas seus quadros estão pendurados na Casa Euclidiana. Ao seu lado, Tarsila, Calixto, Malfatti, Visconti, Almeida Júnior, Pedro Alexandrino e outros. 
O povinho olha desconfiado aquela pintura moderna. Aparecem alguns exegetas. Euclides, ao fundo, em bronze, soberano e empenado. 
Há assim de tudo na Semana Euclidiana: conferências, competições esportivas, festival folclórico, concursos de viola e cururu, patinação, desfile de modas e exposição de pintura moderna. 
-“Todo este mundo de vibrações por causa de Euclides, que era tão quieto!” - o historiador H. B. Novak (Santo Amaro) se surpreende com o paradoxo que levantou subitamente. Com espontaneidade.

“CASEBRE NACIONAL” 
... “numa casinha modesta, o casebre nacioná!” 
É assim que termina sua moda de cururu, o modista “Parafuso”, de Piracicaba, no concurso de toadas populares. O “casebre nacional” é a choupana onde Euclides escreveu “Os Sertões”. 
Está situado à margem do rio Pardo, coberto pela redoma envidraçada. Vêm-se ainda as mesmas folhas de zinco e sarrafos que abrigavam o escritor. É pequeno e nele caberiam apenas algumas pessoas. A mesa tosca e o banquinho de Euclides lá estão. 
De 1899 a 1902, Euclides ali escreveu sua obra. Escrevia e ao mesmo tempo dirigia os trabalhos da construção da ponte metálica, sobre o rio. 
Era na choupana que recebia os amigos. Hoje, o ponto histórico é visitação obrigatória. 
Durante a Semana, ninguém deixou de vê-la. A redoma atrapalha um pouco. Mas é preciso proteger o “casebre nacioná” dos fanáticos. 

CASA EUCLIDIANA 
Foi fundada em 1946, na interventoria de Macedo Soares. Honório de Silos, rio-pardense, influente no governo, forçou a decisão oficial. Funciona no sobrado de esquina onde Euclides morou. A pequena escada e o terraço levam logo aos amplos compartimentos. O povo está apinhado pelas quatro salas. Numa delas é que estão Portinari e as demais telas. -“Só hoje passaram aqui mais de 400 pessoas, num movimento estrondoso” - diz o porteiro Dario Frutuoso, em meio ao entra-sai constante. Joaquim Ribeiro e Edson Carneiro lá estiveram. A Casa tem objetos de uso pessoal de Euclides. Numa vitrine, várias edições (em muitas línguas) do “Os Sertões”. Pelas paredes, quadros sinóticos completos da vida e obra de Euclides e do próprio “Os Sertões”. _ “Fizemos um trabalho completo sobre Euclides, para a nossa e demais gerações” - quem fala assim é o sr. Rubens Ortiz, secretário da Casa e renovador de culto (desde há 3 anos) em Rio Pardo. Noutra vitrine, com destaque, está o punhal de Macambira, jagunço autor de 14 mortes em Canudos. Na estante de Euclides, tem destaque uma coleção sobre a “História da França”. E os quatros volumes de Oliveira Martins: “Teoria do Socialismo”. 

APELO DOS EUCLIDIANISTAS 
Os euclidianistas mantém vivo o culto de Euclides. São eles quem patrocina, com ajuda do governo ou não, as Semanas. Isso há 20 anos. E talvez, esse, o maior culto de um vulto nacional. Nesta Semana, mesmo entre folclore e o esporte, os “brotinhos” e as conferências, eles se reuniram como sempre. O promotor, o médico, o juiz, o jornalista, o advogado, o prefeito, o industrial e outros - reunidos para as decisões práticas. 
Que pedem os euclidianistas, este ano? 
Isto: 
- à Editora Francisco Alves (Rio) que cuide mais das edições de “Os Sertões”; a última, tinha mais de 100 erros de revisão; e as ilustrações usadas, de um desenhista europeu, estão longe de representar o Nordeste, pois o desfiguram;
- à família do gen. Juarez, para que autorize a edição do original de “Os Sertões” (1905) que conserva (era de Benjamin Távora, tio de Juarez), toda anotada por Euclides; ou, se não, faça um microfilme da obra; 
- às autoridades públicas, sobretudo às responsáveis pelo SPHAN, para que filmem Canudos, antes de sua destruição (vai ser usina hidroelétrica no lugar). 

EXCERTOS DA SEMANA 
Encorpado, baixote, lá está o maestro Guerra Peixe entre os “índios” do grupo dos caiapós. A dança tem possível origem ameríndia. O conjunto toca e dança um ritmo sem melodias, infernal. 
 Ele procura elementos para sua tese (é da Comissão Paulista de Folclore): há belíssimas músicas populares, sem ritmos melódicos. 
Joaquim Ribeiro, na sua conferência, falou longamente: o Brasil continua dividido entre litoral e sertão. Ainda. Como escrevera Euclides. 
José Aleixo Irmão (o promotor) parece realmente fundamentado: Euclides foi socialista (não há dúvida); mas não foi socialista militante (a duvida era esta). 
Quanto a Edson Carneiro, analisou o folclore, na obra de Euclides. Conclusão: Euclides não fez folclore; mas usou do folclore instintivamente, ao recolher depoimentos e hábitos do Nordeste. 
A menininha saiu correndo com a boneca na mão. Atravessou a praça. Entrou esbaforida na sala ampla. Veio, como outras, inscrever a sua boneca no concurso. Houve até um concurso, para a escolha da melhor “Boneca Euclidiana”, na Semana. 
Rio Pardo é assim, estes dias. 
Vale. 

TRIBUNA DA IMPRENSA

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