JÚLIO MESQUITA FILHO: É JÂNIO
MAS ACHA DIFÍCIL AS ELEIÇÕES
Entrevista exclusiva a
Luiz Ernesto Kawall
– Declarando-se adepto da candidatura de Jânio Quadros, mas desesperançado de que as forças democráticas possam “evitar uma solução militar para o problema sucessório”, dada a situação “cada vez pior” do país, culpa da “politicagem e irresponsabilidade” que governa a nação, deu-nos uma entrevista exclusiva nesta cidade, para onde retornou após um roteiro internacional de três meses, o Sr. Júlio Mesquita Filho, diretor do “O Estado de S. Paulo”.
No plano internacional Júlio Mesquita Filho, que é um liberal romântico, na expressão de seus amigos Pereira Lima e Carlos Lacerda, regressa entusiasmado com o neoliberalismo europeu, ou “recuo do socialismo” segundo expressa com ênfase. Para nos ditar a sua entrevista o “Capitão” (assim é chamado pelos companheiros de jornal) recebe a TRIBUNA em seu gabinete do “O Estado”, numa sala totalmente tomada de livros sobre revoluções, temas sociais, políticos, arte, sociologia e economia.
Luiz Ernesto Kawall.
– Como encontrou o Brasil?
Dr. Júlio joga o braço esquerdo para a frente, indicador em riste, numa pose típica e começa:
– Como esperava, isto é, muito pior do que eu o deixei. Diante da determinação, que eu me recuso a classificar, do chefe do Executivo federal, de continuar, custe o que custar, os gastos fabulosos a que vem procedendo, ainda que isto leve à bancarrota a Nação. Não posso deixar de admitir que estamos às portas de um levante social de proporções inimagináveis. A paciência do povo tem um limite e se a desvalorização da moeda continuar na proporção de 45% ao ano, como se verificou até aqui, a perspectiva é de que muito dificilmente chegaremos às eleições de outubro do ano próximo.
Continua, após um telefonema cordial do governador, que pergunta de seu regresso e sua saúde:
– A Itália, em circunstâncias parecidas, foi levada ao fascismo. Hitler foi guindado ao poder pelas emissões de que todos de nossa geração se recordam. E o advento do comunismo na China ocorreu em conseqüência do oceano de papel moeda em que ela se viu submersa no governo Chiang-kai-Check. Por que seremos uma exceção à regra? As emissões do presidente Kubistcheck conduzirão fatalmente o país a uma catástrofe social. É essa a minha convicção e a convulsão não está longe. Diante do que se passa não vemos como evitarmos uma solução militar para o problema político brasileiro. Tudo isso, claro, é conseqüência ainda da ditadura Vargas. Os homens que nos governam são os mesmos que durante 15 anos aplaudiram os desmandos do caudilho da fronteira e diante da reação sadia da democracia brasileira, verificada nos últimos pleitos realizados no país, eles tudo farão para que a desordem imperante na administração pública provoque o colapso final das instituições. Diante, pois, da ameaça de uma derrota eleitoral, que parece inevitável, eles preferirão repetir o gesto de Sansão. Simplesmente isso.
O velho liberal, cuja mocidade foi marcada junto aos movimentos idealistas e revolucionários, com, Siqueira Campos, Prestes, Juarez, João Alberto, Armando Salles de Oliveira e outra volta agora suas palavras para outro campo – o “recuo” e não propriamente a “queda” do socialismo internacional, segundo seus termos exatos.
– Realmente o recuo do socialismo é um fato incontestável, como demonstra a fragorosa derrota do Partido Trabalhista inglês nas últimas eleições e a atitude do Partido Socialista alemão que no seu último congresso, realizado em novembro, deliberou rever totalmente o seu programa de ação banindo dele o que era um postulado absoluto, isto é, a ideia de continuar pleiteando a absorção pelo Estado de todos os meios de produção e de distribuição de riqueza. Suponho que diante de acontecimentos dessa ordem ninguém mais poderá afirmar que o mundo marcha inevitavelmente para o coletivismo. A função da iniciativa particular no desenvolvimento da riqueza das sociedades é indiscutivelmente reconhecida como essencial e insubstituível e isso, por exemplo, depois da Inglaterra ter chegado a consentir na invasão de praticamente ¾ da sua economia pelo Estado. Os resultados foram de tal ordem que, com o seu inabalável consenso e o seu instinto experimentalista, o próprio povo inglês deliberou, se não voltar atrás, pelo menos impedir que o processo continuasse. É esse o significado da esmagadora vitória do partido Conservador no último pleito.
– Quanto à Alemanha – continua a falar com agilidade o velho lidador democrático, agora entrado na década dos sessenta – a atitude do Partido Socialista foi ditada pelo espantoso resultado conseguido pela política liberal adotada corajosamente pelo governo Adenauer, desde o dia da sua posse. A volta ao regime da absoluta liberdade e do predomínio total do processo individualista determinando uma recuperação econômica que atinge as raias do milagre, levou o povo alemão a abandonar em massa os partidos coletivistas. E isso em tais proporções que o Partido Socialista deliberou remodelar totalmente o seu programa, por esse não corresponder mais, segundo as palavras dos próprios líderes socialistas, às aspirações das massas.
Perguntamos, interrompendo, se tais fatos poderiam repercutir junto aos movimentos de esquerda no Brasil. Julio de Mesquita Filho retoma o fio:
– Respondo dizendo que, o socialismo no Brasil, nunca passou de uma imitação muito superficial do que se faz ma Europa. E de uma propaganda sem nenhuma base científica levada a cabo pela displicência de nossos intelectuais. Se estes houvessem meditado melhor sobre o que se passa na América, verificariam que o socialismo é uma maneira de reagir das sociedades europeias, que teve um grande papel num determinado estágio da evolução dos povos do velho continente, mas que na América não passa de uma planta exótica e inadaptável. A prova disso está no fato de nunca haver medrado nos Estados Unidos o socialismo – ali que é um país onde as massas operárias atingiram um grau de “self control” notável. As conquistas extraordinárias obtidas pelo operariado norte-americano foram realizadas dentro do liberalismo clássico, sem que o trabalhador norte-americano precisasse dos tóxicos doutrinários que levaram o mundo a assistir os horrores do extermínio de classes verificados na Rússia, Lituânia, Estônia, Polônia, România, Bulgária, Alemanha Oriental e, sobretudo na infeliz Hungria.
O “Capitão” atende rapidamente ao seu filho Luiz Carlos, o qual, com seus irmãos Julio Neto e Ruy, mais a ajuda do secretário de redação Cláudio Abramo dirigiram o jornal durante a sua ausência e volta a falar:
– Há poucos anos o operário americano ganhava us$ 2 por hora e, hoje, segundo ainda o que lê agora nas colunas do “O Estado de S. Paulo”, esse mesmo operário ganha agora us$ 25, tem casa e todas as comodidades que a técnica moderna pode oferecer, possui automóveis de uma classe que fora das fronteiras da grande República, só os ricos podem adquirir e tem a certeza de que ainda não chegaram ao fim de suas conquistas. E isso é a glória do liberalismo. E é diante dum exemplo das proporções deste que a politicagem nacional persiste em querer destruir a economia do país, levando o nosso caricato Estado a intervir cada vez mais na sua evolução econômica e social. Eis aí, meu caro amigo, a resposta às sua última pergunta.
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