Um cultor da verdade e da liberdade: Geraldo Ferraz
Foi-se do mundo dos vivos o nosso amigo, o nosso colega, o nosso companheiro de A TRIBUNA, Geraldo Ferraz, escritor e ensaísta, veterano do pós-modernismo de 22, desbravador e corajoso intelectual. Há três anos, no Palácio dos Campos Elíseos, ao receber um prêmio como o melhor crítico do ano, da ABCA, proferiu palavras estimulantes e instigantes sobre essa atividade, afirmando que a “crítica deve ser parcial, em favor da verdade”. Geraldo combatia a crítica dita imparcial, amorfa, sem raiz e sem espinha dorsal. Por isso, pela adoção desse primado da busca da verdade, GF tenha talvez se indisposto tanto, em seus 40 anos de atividades, com rodas e rodinhas literárias e artísticas.
Temido e respeitado, aberto e livre, Geraldo Ferraz continuará em nossa memória, inclusive como debatedor, lutador e trabalhador incansável, desde a juventude, quando, modesto gráfico, iniciou-se no jornalismo e nas letras. Mais que um pioneiro, um idealista, o brilhante e sarcasta Geraldo Ferraz, que conhecemos ao lado de Wega, em suas andanças em São Paulo, no seu refúgio do Guarujá, na Ilha Verde, onde morreu, deixa a esteira de seu pensamento por um socialismo utópico, e suas reflexões profundas do papel da arte na sociedade humana. Um cultor da cultura, um defensor da liberdade, eis, em suma, a fidelidade de Geraldo Ferraz a seu mundo, e, sobretudo, a si próprio.
A QUALIDADE DO MUNDO DEPENDE DOS JOVENS
Um dia após a morte de GF, a crítica Radhá Abramo publicou sentido texto na Folha de São Paulo, do qual destacamos estes trechos:
“Há quarenta anos Geraldo Ferraz escreve sobre arte, estética e política. As décadas de 30 e 40 e os movimentos de renovação artística a partir dos anos 50 até os dias de hoje, merecem do escritor diversas análises que por serem tratadas em profundidade facultam ao leitor uma visão de mundo muito densa, contraditória, porém, autêntica.
Fora os estudos das diversas tendências artísticas, desde o expressionismo até as atuais manifestações da arte, designada como realismo mágico, Geraldo Ferraz percebe na educação artística um meio pelo qual o homem pode libertar seus sentimentos, extravasar suas sensações.
“Esse aspecto da obra do crítico possivelmente seja o mais importante entre todas as propostas defendidas com rigor de uma formação humanística ampla, que sempre fundamenta seu pensamento filosófico. Geraldo Ferraz aponta inúmeros problemas decorrentes da falta de educação artística do artista militante e Da sociedade humana em geral. Quanto ao primeiro, acredita que o desconhecimento das potencialidades sensoriais não desenvolvidas impedem o artista de processar sua linguagem com a fluidez latente, fazendo-o vítima exclusiva do aprendizado das técnicas. Este perigo possivelmente levaria o artista ao exercício meramente instrumental, obrigando-o ao virtuosismo,ao preciosismo técnico e ao academicismo, ou seja, à repetição de fórmulas estilísticas. O fazer artístico implica descontração e descomprometimento com a técnica, mas para que isto ocorra é preciso que o universo sensorial do artista esteja presente e que o instrumento de realização da obra de arte tenha um relacionamento afetivo, íntimo, pessoal com a mão que manipula.
“A educação artística aplicada à infância e à adolescência facultaria, pensa Geraldo Ferraz, a emergência de sentimentos novos, harmoniosos “que precisamos preservar da barbárie e da extinção”. Para o crítico, portanto, a qualidade do mundo depende do aproveitamento dos recursos existentes nas crianças e jovens que ainda não foram deformados pelos modelos, sejam lá quais forem, que cerceiam e sufocam o que há de bom e belo e ainda não explorado na humanidade. Como Herbert Read, Geraldo Ferraz,encontra na arte um meio de transformação social que obriga o indivíduo a pensar em si próprio, nas suas emoções e sensações em, primeiro plano. A transformação, portanto, deve ser do homem para que em última instancia ele consiga realmente elaborar a transformação da sociedade.
“As idéias de Geraldo Ferraz, levantadas agora, nesse momento em que seu corpo pousa tranqüilo sob a terra de Santos que ele muito amou e a mais afetiva das homenagens porque elas revelam o espírito criador do homem presente, dando seu recado especial às crianças e aos jovens que ele soube em vida abrigar com ternura, com doces palavras, com pitos merecidos e polêmicas apaixonadas”.
A TRIBUNA
Domingo, 30 de setembro de 1979.
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