sábado, 10 de outubro de 2020

SILVA PINTOU EM SUA CASINHA MURAIS DO BRASIL SOFRIDO

O pintor (ex-colono, ex-domador de burros, ex-ajudante de hotel) José Antonio da Silva abriu as portas de sua casinha (Rio Preto) para o povo entrar. Dentro, sobre o reboco das paredes, pintou cenas (25) da história do Brasil. 


Silva está famoso, em todo o mundo, pela sua arte ingênua e pura. Agora, é o primeiro pintor brasileiro a transformar sua casa em museu (público). Ele mesmo se emociona: 
– “Isto é uma beleza! Chego a chorar, no meio de tanta maravilha!” 
O povo de Rio Preto também gostou. Até o prefeito foi ver sua arte. E ente simples, caboclos, meeiros, colonos de pé no chão – donde Silva saiu. 

O Brasil do Silva 
Os murais, do tamanho de telas comuns, são coloridos e vivos. Toda a história do Brasil, desde o “Brasil dos índios”, está visto do seu modo sincero. 
O último mural, belíssimo, mostra o Brasil atual: são cruzes de desolação e miséria. 
 – “Fui feliz. Isto está uma beleza” – diz ele, sempre alegre. 
E solta a frase no rastro do assunto: 
– “Este Brasil será sempre assim, pobre até que o governo cuide dos colonos e das colheitas do campo!”

A história (ingênua) 
Os murais, com seus títulos ingênuos, são estes:
1 – O Brasil virgem habitado pelos índios; 
2 – Pedro Álvares Cabral, descobrindo o Brasil; 
3 – Primeira Missa; 
4 – Queimada; 
5 – Carnaval tratado pelos escravos; 
6 – Retirando toras com o carretão de boi; 
7 – Engenho movimentado pelos escravos; 
8 – Escravos no bacalhau, castigo público; 
9 – Execução de Tiradentes; 
10 – A independência; 
11 – Casas de pau a pique; 
12 – Colhendo café; 
13 – Colônia de Barro; 
14 – Pequeno arraial e cangaço; 
15 – Casamento antigo de trole; 
16 – Matadouro debaixo de uma árvore; 
17 – Grandes arranha-céus e a burguesia; 
18 – Revoluções; 
19 – Devastação pela seca acompanhada pela miséria; 
20 – Fome, desespero e grande suicídio; 
21 – O caboclo abandonou a roça; 
22 – Taperinha de barro; 
23 – Só resta uma pequena lagoa; 
24 – Um único pé de bananinha. 

Os benfeitores 
No último mural, Silva escreveu os nomes de seus “benfeitores”. Desde seu descobridor (o crítico Lourival Gomes Machado), passando pelo escritor Carlos Pinto Alves e o psiquiatra Theon Spanudis, e outros, até um repórter modesto (este, que fez esta notícia). 
Sobre eles, diz pitorescamente o pintor: 
– “No quadro de honra, estão os nomes dos que são meus amigos e Mecenas de verdade, e que vão figurar na história da arte (sic) per secula seculorum, amém”. 
A lista não é grande: dr. Lourival Gomes Machado, João Cruz Costa, dr. Paulo Mendes de Almeida, Procópio Davidoff, Benedito Lacorte Peretto, Luiz Ernesto – jornalista – dr. Nivaldo CArrazzone, dr. Carlos Pinto Alves, dr. Theon Spanudis, dr. Coimbra, dr. Euphly Jales e major Léo Lerro. Museusinho e Simeão 
Muitas vezes, à porta do museu do Silva param carros de luxo. É gente de fora, de São Paulo, que chegou para ver as obras do artista. Silva continua morando – com mulher e os filhos – nas salas do fundo. 
E já se acostumou com tanta agitação. Quando não está em casa (museu) é encontrado na Prefeitura, onde tem emprego modesto. Tem lutado com dificuldades. E tem vencido. Quer saber porque o Simeão Leal não cumpriu uma promessa: a de ver no Ministério onde estão os dólares (200) que ganhou na Bienal de Havana. É um esquecimento. Silva não se importa: 
 – “Vou ficando por aqui, no meu museusinho tão bonito e tão amável e que mostra o Brasil tão sofrido”. 
 O meu museu é do povo. Porque a arte (sua) também é. 

Este artigo foi publicado no jornal “Tribuna da Imprensa”, Rio de Janeiro, em 1954.

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