O pintor (ex-colono, ex-domador de burros, ex-ajudante de hotel) José Antonio da Silva abriu as portas de sua casinha (Rio Preto) para o povo entrar. Dentro, sobre o reboco das paredes, pintou cenas (25) da história do Brasil.
Silva está famoso, em todo o mundo, pela sua arte ingênua e pura. Agora, é o primeiro pintor brasileiro a transformar sua casa em museu (público). Ele mesmo se emociona:
– “Isto é uma beleza! Chego a chorar, no meio de tanta maravilha!”
O povo de Rio Preto também gostou. Até o prefeito foi ver sua arte. E ente simples, caboclos, meeiros, colonos de pé no chão – donde Silva saiu.
O Brasil do Silva
Os murais, do tamanho de telas comuns, são coloridos e vivos. Toda a história do Brasil, desde o “Brasil dos índios”, está visto do seu modo sincero.
O último mural, belíssimo, mostra o Brasil atual: são cruzes de desolação e miséria.
– “Fui feliz. Isto está uma beleza” – diz ele, sempre alegre.
E solta a frase no rastro do assunto:
– “Este Brasil será sempre assim, pobre até que o governo cuide dos colonos e das colheitas do campo!”
A história (ingênua)
Os murais, com seus títulos ingênuos, são estes:
1 – O Brasil virgem habitado pelos índios;
2 – Pedro Álvares Cabral, descobrindo o Brasil;
3 – Primeira Missa;
4 – Queimada;
5 – Carnaval tratado pelos escravos;
6 – Retirando toras com o carretão de boi;
7 – Engenho movimentado pelos escravos;
8 – Escravos no bacalhau, castigo público;
9 – Execução de Tiradentes;
10 – A independência;
11 – Casas de pau a pique;
12 – Colhendo café;
13 – Colônia de Barro;
14 – Pequeno arraial e cangaço;
15 – Casamento antigo de trole;
16 – Matadouro debaixo de uma árvore;
17 – Grandes arranha-céus e a burguesia;
18 – Revoluções;
19 – Devastação pela seca acompanhada pela miséria;
20 – Fome, desespero e grande suicídio;
21 – O caboclo abandonou a roça;
22 – Taperinha de barro;
23 – Só resta uma pequena lagoa;
24 – Um único pé de bananinha.
Os benfeitores
No último mural, Silva escreveu os nomes de seus “benfeitores”. Desde seu descobridor (o crítico Lourival Gomes Machado), passando pelo escritor Carlos Pinto Alves e o psiquiatra Theon Spanudis, e outros, até um repórter modesto (este, que fez esta notícia).
Sobre eles, diz pitorescamente o pintor:
– “No quadro de honra, estão os nomes dos que são meus amigos e Mecenas de verdade, e que vão figurar na história da arte (sic) per secula seculorum, amém”.
A lista não é grande: dr. Lourival Gomes Machado, João Cruz Costa, dr. Paulo Mendes de Almeida, Procópio Davidoff, Benedito Lacorte Peretto, Luiz Ernesto – jornalista – dr. Nivaldo CArrazzone, dr. Carlos Pinto Alves, dr. Theon Spanudis, dr. Coimbra, dr. Euphly Jales e major Léo Lerro.
Museusinho e Simeão
Muitas vezes, à porta do museu do Silva param carros de luxo. É gente de fora, de São Paulo, que chegou para ver as obras do artista. Silva continua morando – com mulher e os filhos – nas salas do fundo.
E já se acostumou com tanta agitação. Quando não está em casa (museu) é encontrado na Prefeitura, onde tem emprego modesto. Tem lutado com dificuldades. E tem vencido. Quer saber porque o Simeão Leal não cumpriu uma promessa: a de ver no Ministério onde estão os dólares (200) que ganhou na Bienal de Havana. É um esquecimento. Silva não se importa:
– “Vou ficando por aqui, no meu museusinho tão bonito e tão amável e que mostra o Brasil tão sofrido”.
O meu museu é do povo. Porque a arte (sua) também é.
Este artigo foi publicado no jornal “Tribuna da Imprensa”, Rio de Janeiro, em 1954.
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