Agostinho Batista de Freitas (1927/1997) |
“Sou Agostinho Batista de Freitas, 46 anos, nasci em Campinas, eletricista de profissão, mas hoje sou só pintor, faço uns 10 quadros por mês, vendo cada um a uma média de Cr$ 400,00, e assim dá pra viver, com minha mulher Helena e meus dois filhos Waldir e Hilda, nesta vida, nessa busca, pois um dia espero ser famoso com a pintura.
Baixo, miúdo, simples, observador, arguto, Agostinho Batista de Freitas está expondo numa coletiva de primitivos - mas ele se considera ingênuo - no Pepe’s Bar, muito conhecido da Galeria Metrópole, onde fazem ponto diário um grupo rumorejante de intelectuais e jornalistas da Paulicéia. Agostinho e seus colegas inauguram a mostra do GAP - Grupo de Amigos da Pintura - e fazem sucesso de público e de crítica. À noite, Agostinho está na Galeria A Ponte, de Isaac Krasilchik, que projeta uma exposição de seus trabalhos para o segundo semestre. Ele é um dos únicos pintores populares do país que figuram no Dicionário de Artes Plásticas de Roberto Pontual. Num verbete bem elaborado, que fala desde suas andanças e desenhos na Praça do Correio, em 1950, quando foi descoberto pelo professor Pietro Bardi, até suas exposições nos museus de arte e de arte moderna de S. Paulo e Rio, e ainda na Bienal de Veneza, em 1966. Agostinho foi então considerado “um ingênuo essencialmente urbano, documentador com precisão fotográfica dos pontos de encontro da cidade grande e da sua periferia, com uma pureza de linhas que reflete a inocência e o frescor de sua visão humana”. Ele fala devagar e sempre, conciso.
“Não quero nunca mais ser eletricista, só me interessa pintar, ganhar a vida, expor, vender, ser conhecido... nesse ponto, muita gente me ajudou e tem-me incentivado, o professor Bardi, Bety Chateaubriand, Israel Dias Novais - que me leva sempre à sua fazenda em Avaré para eu pintar cenas rurais, Renato Magalhães Gouveia, Isaac Krasilchik, o professor Mário Schemberg, que tem mais de 150 quadros meus... e também o Carlos Caiubi e o professor Carlos Von Schimidt... todos meus amigos e incentivadores certos.
Que tipo de arte faz, Agostinho?
“Popular.
Qual a sua tendência na arte?
“Pintura ingênua.
Que técnica utiliza?
“Desenho primeiro o que vejo, “rabiscunho”... depois passo cada desenho para telas maiores e pinto a óleo.
O que gosta de pintar?
Cenas da vida de Sã. Paulo, cenas da roça. Do homem do campo.
Que acha dos primitivos brasileiros?
Gosto deles, o principal, meu amigo, é o José Antonio da Silva, de São José do Rio Preto.
E a arte brasileira em geral?
É interessante, está progredindo...
Vende em praças públicas, em leilões?
Em praça não, há muita misturança, não gosto. Só vendo em galerias e tenho meus fregueses também... De leilões já participei, é bom, mas não depende de mim... Com minha arte vou me sustentando, vivendo no Imirim com a mulher e os filhos, o rapaz já é cobrador de ônibus.
Como eletricista, não poderia ganhar mais?
Poderia, mas não quero. Desde pequeno desejei ser pintor, já desenhava na escola primária, em Campinas, que abandonei no terceiro ano, para ganhar a vida... Como pintor estou fazendo o que gosto e o que quero, acho que essa é a minha vocação, e fico ligado ao povo também, não desejo deixar de pintar nunca.
A roda na galeria cresce. Alguém sugere que a pintura ingênua de Agostinho Batista de Freitas pareceria com a de Rousseau... Uma comparação que o artista não entende “já falaram nisso, mas não conheço esse Rousseau, não posso dizer nada”...
“Já expus em S. Paulo, no Rio, em Campinas, em Veneza, na Bienal, sempre fiz sucesso, mas nunca liguei muito do que disseram de mim... não entendo essas coisas... prefiro continuar pintando meus quadros, ganhando a minha vida... quem sabe, um dia, ganhar fama, ser mais conhecido... tenho muita fé, sou católico e sei que esse dia chegará.
Pinta muito?
“Sim, o dia todo, das 6 da manhã à noite... Não leio jornais - só as páginas de arte - não gosto de futebol, não acompanho televisão, não converso nas rodinhas da esquina, nada... Só me interessa a minha arte... só estudei um pouco de música, que sempre alegra a gente. Livro, então, nada, não gosto de ler coisa alguma... só estudei um pouco, entendo assim-assim de eletrônica, sei consertar rádio, televisão, até radioamador já montei.
No Pepe’s, os primitivos do GAP
É um barzinho que fica na Galeria Metrópole, fundado pelo saudoso José Brull Saez, espanhol, Pepe para os amigos intelectuais e amigos, que logo assim apelidaram o bar. O Pepe’s, onde se encontram diariamente o Almeida Salles - chefe da patota - e o Delmiro Gonçalves, Oswaldo da Palma e Clóvis Graciano, Giancarlo Palante e Jorge Mendonça, Tide Hellmeister e Joaquim Bento Alves de Lima, Fábio Porchat e a famosa Abadia, Di Cavalcanti quando em S. Paulo, mil gentes e artistas, num fuzuê democrático e regado a bom uísque. Pois ali funciona agora o GAP - Grupo de Amigos da Pintura - que inaugurou sua mostra com a exposição coletiva - de muito bom nível - dos primitivos Agostinho Batista de Freitas (texto principal da página), Fernando Lisboa (carioca, nascido em 1934), Heitor dos Prazeres Filho (carioca, 1942), Reginaldo Bonfim (baiano, 1950), Roman Dahbal (argentino, 1946), Terciano Junior (baiano, 1939) e Vidal (carioca, 1945). Francisco Luiz de Almeida Salles, um dos maiores poetas prosadores do país, apresenta o GAP, cujo lema em quadra é a bandeira reivindicatória do grupo - Adquirindo uma obra de arte, você propicia condições para um artista continuar suas criações. Seu texto enxuto e digno:
- O GAP no Pepe’s é um acontecimento. Pela primeira vez um grupo de artistas, duas vezes humildes primeiro porque não são conhecidos no registro de arte consagrada, segundo porque preferem trabalhar em silêncio e em pesquisa, trazem seus quadros para serem testados numa aferição popular. Por isso escolheram um local de convívio - um bar e um restaurante - aliás, dos mais credenciados de São Paulo, para que as paredes sejam julgadas, com as obras expostas, pelo rio humano que circula na Metrópole e não por visitantes experimentados que vão às galerias por decisão própria.
-Voto por eles, no calor e empenho, e adoto esta forma de comunicação como a maneira autêntica de o artista ofertar-se, rompendo a negativa da solidão.
A TRIBUNA
Santos, domingo, 12 de junho de 1973.
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