sábado, 22 de agosto de 2015

GRASSMANN, 50 ANOS: confissões


Marcelo Grassmann

Acho que o que mais se sente aos chegar aos 50 anos é uma certa tristeza que baixa na gente quando se pensa ou se fala de Goeldi, Bonadei, Sérgio Milliet, Delmiro, Luiz Coelho, Arnaldo Pedroso d’Horta, Walter Wey, a falta que eles fazem, a solidão aumentando. 

Premiado, afamado aqui e internacionalmente, Marcelo Grassmann está completando 50 anos. Trabalha com afinco em seu ateliê-residência de Santo Amaro, que pretende transferir para o sítio (3,5 alqueires) de Itapecerica da Serra, para fugir “à poluição física, ambiental e mental de S. Paulo”. Ao lado de sua mulher austríaca Sônia, que conheceu na Bahia, em 1950 - era proprietária da galeria Oxumaré e ex-artista de circo, - e do filho Paulo, de 16 anos, Grassmann elabora sua arte expressionista magistral, fugindo dos marchands e das galerias comerciais como o-diabo-corre-da-cruz. Sônia é também uma artista de mão cheia - pintura em acrílico - compondo suas produções “naives” com temas fidedignamente semelhantes aos do marido. Sua arte é disputada no mercado, Benjamin Steiner é um dos maiores compradores de “Sônia Grassmann”. 

Grassmann cinqüentão, vai desfiando impressões e confissões, sem maior ordenamento, mas com a sinceridade de sua fala detalhada e enxuta: 


AMIGOS
“Gostaria de falar de alguns amigos como Otávio Araujo, com quem convivo desde os 14 anos de idade, ou Aldemir, de quem sou amigo logo que ele chegou a S. Paulo, lá por 1945 ou 1946. Depois, em 1949, fui para o Rio indo morar no ateliê de um jovem pintor e gravador de enorme talento, hoje ator, Cláudio Correia e Castro. E de Stockinger, que na mesma época e no mesmo lugar começava na escultura, - juntos expusemos no Rio e em S. Paulo muitas vezes, numa identificação muito grande até hoje. 

 DIA-A-DIA 
Acordo cedo, faço café, tomo banho, leio jornal. Vou para o ateliê mexer nas coisas, trabalhar, etc. Ao meio-dia assisto (notícias) televisão, almoço, cochilo (quando posso) e volto ao ateliê. Se vem algum amigo, converso (não consigo trabalhar com gente perto). Gosto de animais e tem sempre m gato ou cachorro à minha volta. A tarde saio um pouco para ver alguém ou alguma galeria. Volto para casa para jantar, ver TV (filmes, noticiários, documentários, sem medo de lavagem cerebral). Isto me lembra um bolsista brasileiro em paris, pintor acadêmico, que não ia ao Louvre para não se influenciar... Assim penso que aquilo que chamam lixo cultural ou comunicação de massas, ou o que quer que seja, me dá uma visão do dia-a-dia distorcida ou não (o problema é meu, julgar). 

INFORMAÇÃO 
Quanto à informação como artista, devo muito a Geraldo Ferraz, com quem trabalhei até 1949 no Suplemento do “Diário de S. Paulo”, ilustrando e absorvendo seus artigos e críticas. Havia o Clube dos Artistas e muita conferência. Não sou de escrever, no máximo de conversar, no entanto mantive correspondência (quando passei 2 Anos na Europa) com Arnaldo Pedroso d’Horta e Oswaldo Goeldi. 

TÉCNICAS 
Comecei com xilogravuras autodidaticamente, depois fiz água forte com Henrique Oswald no Liceu do Rio de Janeiro em 1949/50. Fiz litografia com Poty, que estava aprendendo e ensinando o que aprendia. Mais tarde (1954) passei um ano só fazendo litografias em Viena. Voltando ao Brasil, depois do prêmio de viagem à Europa, parei com a xilogravura e fiquei desenhando. E gravando em metal e pedra. 



INFLUÊNCIAS
O mundo fantástico de Kubin me fascinava. Escrevia a ele que rendo conhecê-lo. Recebi uma carta maravilhosa em que ele me dizia que “onde houvesse um desenho seu estaríamos nos comunicando na linguagem internacional das artes”. Disse também que poderia ver coleções de desenhos seus e mandava ao seu velho amigo Goeldi suas lembranças. 

PRODUÇÃO 
Dificilmente poderia dizer quantas gravuras fiz; menos ainda quantas cópias. Assim, aqui vão alguns números. Xilogravuras: aproximadamente umas 200,com tiragens variando em 20 ou menos; litografias - cento e tantas com média de 6 a 8 cópias por matriz; água-forte - creio que cento e tantas, variando a tiragem por prova única - 20 ou 60 cópias. Restam poucas matrizes (menos de 1/3 do que fiz em metal). Das xilos, nem um décimo. E das litos, nada, pois foram apagadas depois de impressas. 

HOMENAGEM 
Carlos Oswald, Goeldi, Lívio Abramo são a base de tudo o que se faz em gravura no Brasil. O que se ensinou depois, inclusive Friedlander,. No Museu do Rio, são acréscimos dispensáveis e até prejudiciais onde a “cozinha de gravura” floresceu e ajudou a enterrar os menos avisados. 

JOVENS 
Os jovens hoje tem mais oportunidade que em qualquer outra época. Há facilidade de informação, de técnica, e até de mercado.

MUSEU 
Seria interessante, não o Museu da Gravura, como já se propôs, mas um Museu de Gráfica, onde caberia também o desenho. 

 “Entre o visionário e o fantástico” 

Ao apresentar Grassmann na galeria 4 Planetas, em S. Paulo, em 1966, Geraldo Ferraz fala da intransigente autenticidade do artista. “Não há aqui acontecimento, nem pops nem ops nenhum relevo estranho à verdade da gravura. Nenhuma coisa grudada nela. Sua grandeza irrecusável advém da própria coisa em si - arte, pois nenhuma outra coisa, passada por coisificação, pelo esforço do homem, é mais um fito em si que a arte”. 

Marcelo Gassmann

Agora, Geraldo Ferraz apresenta Grassmann na mostra da CCBEU, de Santos. 

De 1944 a 1946 dedicamo-nos à crítica de arte, no “O Jornal”, do Rio de Janeiro, e foi nessa quadra, já no fim, que deparamos com Marcelo Grassmann, e mais três companheiros, expondo na Cinelândia. A vinda para S. Paulo, logo depois, levaria a uma aproximação maior, a uma avaliação maior do desenhista e gravador, que hoje pela primeira vez se apresenta ao público de Santos. 

“Marcelo Grassmann dispensa certamente que se fale de sua gravura. Os trinta anos quase decorridos daquela data acima assinalada, deram à sua vivência de artista uma continuidade ascensional, como pouco se têm verificado no país. Adstrito aos temas que se desdobravam na fidelidade de sua visão adstringentemente original, entre o visionário e o fantástico, Grassmann paira acima de qualquer discussão. Ele pertence à arte maior. 

“Revê-lo, então, em sua mesma configuração física, em seus gestos de amarga perquirição, olhos cansados de contemplar as imagens que povoam sua noturnidade romântica, e que ele avalia e indaga e fusiona, é recordar como não se alterou essa individualidade, em sua evolução ao longo do tempo. Ilha Verde, Guarujá”. 

Grassmann assinando seus trabalhos


Queijo e vinho 

A fim de homenagear os novos cinqüentões Marcelo Grassmann, Aldemir Martins e Octávio Araújo, a diretoria do Clubinho está convidando artistas, intelectuais e jornalistas, colecionadores e público em geral para uma noite de queijos e vinhos, dia 28 próximo, às 21 horas. Entre os promotores o secretário da Cultura, José Mindlin, o professor Paulo Emílio Salles Gomes e o zoólogo Paulo Vanzolini. Convites a Cr$ 100,00 a adesão, desde já, na portaria do Clubinho, Rua Rego Freitas, IAB. Folha de São Paulo, 24 de agosto de 1975.

A COSME VELHO E SUAS GRANDES EXPOSIÇÕES

Volpi - catálogo da Cosme Velho

A COSME VELHO só fez quatro grandes exposições em 73: Arnaldo Barbosa, Waldemar da Costa, Alice Brill e Alfredo Volpi.

Fundada em 1966 por Cesar Luís Pires de Melo, Artur Otávio Camargo Pacheco e Flávio de Almeida Prado, é dirigida hoje pelos dois primeiros, com a secretaria de Christina Faria de Paula. Galeria classe “A”, em promovido grandes lançamentos de arte e tradicionalmente, no fim do ano, edita um famoso calendário, muito disputado, anunciando as exposições do ano próximo e ainda com reproduções de obras de cada artista. Entre os artistas que tem realizado individuais na Cosme Velho se destacam Volpi, Di Prete, Mabe, Iolanda Mohaiyi, Scliar, Pennachi, Iracema Tamaki, Flávio de Carvalho, Ianelli, Isabel Pons, Carlos Lemos, Rebolo, Odriozola, Nicola-Douchez, Guilherme de Faria, Charoux, Graciano, Noêmia, Wong, Bernardo Cid, e outros. Seu acervo é de primeira ordem, contando com os citados  e ainda Ismael Nery, |Portinari, Goeldi, Di Fiori, Pancetti, Guignard,  Aldemir, Bruno Giorgi, Di Cavalcanti, Milton Dacosta, Darel, Fukushima e outros
.
Márcia Drucker, escritora, diz sobre a Cosme Velho:
Para usufruir da galeria que tem suas mutações, ela vai evoluindo, se transformando. Abrindo portas e descerrando cortinas vamos descobrindo seu interior.
– Aqui existem os mais estranhos mundos, construídos pelos mais estranhos seres, que vivem agora ou continuam através de suas obras. Na Cosme Velho não existe tempo. Já se apagaram da memória as ruas e praças revestidas de asfalto na cidade de cimento. Passa-se por um período de azul, de verde, de vermelho. Todos continuam dias e dias conosco. Os convites são muitos. Esqueça-se das horas pesquisando. O acervo, a biblioteca, filmes e conhecedores do assunto. Um pequeno museu. O jovem deve frequentar cada vez mais a galeria. Para voar precisamos experimentar devagarinho. É longo o aprendizado. “Toque a campainha”. Esta porta dá vontade de deslizar para o começo: Cidade carrossel, fragmentada louca, girando louca girândola, guizos engrinaldados, corcéis. Imaginação. Olhe para os lados. Tudo tem seu significado. Esta galeria também é arte.

A COSME VELHO só fez quatro grandes exposições em 73: Arnaldo Barbosa, Waldemar da Costa, Alice Brill e Alfredo Volpi.

Fundada em 1966 por Cesar Luís Pires de Melo, Artur Otávio Camargo Pacheco e Flávio de Almeida Prado, é dirigida hoje pelos dois primeiros, com a secretaria de Christina Faria de Paula. Galeria classe “A”, em promovido grandes lançamentos de arte e tradicionalmente, no fim do ano, edita um famoso calendário, muito disputado, anunciando as exposições do ano próximo e ainda com reproduções de obras de cada artista. Entre os artistas que tem realizado individuais na Cosme Velho se destacam Volpi, Di Prete, Mabe, Iolanda Mohaiyi, Scliar, Pennachi, Iracema Tamaki, Flávio de Carvalho, Ianelli, Isabel Pons, Carlos Lemos, Rebolo, Odriozola, Nicola-Douchez, Guilherme de Faria, Charoux, Graciano, Noêmia, Wong, Bernardo Cid, e outros. Seu acervo é de primeira ordem, contando com os citados  e ainda Ismael Nery, |Portinari, Goeldi, Di Fiori, Pancetti, Guignard,  Aldemir, Bruno Giorgi, Di Cavalcanti, Milton Dacosta, Darel, Fukushima e outros.

Márcia Drucker, escritora, diz sobre a Cosme Velho:
Para usufruir da galeria que tem suas mutações, ela vai evoluindo, se transformando. Abrindo portas e descerrando cortinas vamos descobrindo seu interior.

– Aqui existem os mais estranhos mundos, construídos pelos mais estranhos seres, que vivem agora ou continuam através de suas obras. Na Cosme Velho não existe tempo. Já se apagaram da memória as ruas e praças revestidas de asfalto na cidade de cimento. Passa-se por um período de azul, de verde, de vermelho. Todos continuam dias e dias conosco. Os convites são muitos. Esqueça-se das horas pesquisando. O acervo, a biblioteca, filmes e conhecedores do assunto. Um pequeno museu. O jovem deve frequentar cada vez mais a galeria. Para voar precisamos experimentar devagarinho. É longo o aprendizado. “Toque a campainha”. Esta porta dá vontade de deslizar para o começo: Cidade carrossel, fragmentada louca, girando louca girândola, guizos engrinaldados, corcéis. Imaginação. Olhe para os lados. Tudo tem seu significado. Esta galeria também é arte.

SEPP no Brasil: reintegração à realidade


Sepp Baendereck, 56 anos, iugoslavo de ascendência austríaca, desde 1948 no Brasil - em sua terra, na Áustria, como aqui, detentor de uma vida rica de sucessos e frustrações, fugas e decepções, falências, terapias, até o “renascimento e o reencontro” com o homem e o mundo - está expondo, no Museu de Arte. São 38 óleos, últimas obras, resultado de pesquisas e elaboração, dentro de uma temática brasileira, sobre nosso povo, nossas raízes e nossos costumes. A exposição “Brasil terra e gente”, abriga também fotografias da irlandesa/brasileira Maureen Bisilliat, de índios Xavantes, Suia, Txucarramãe - e que inspiraram muitas das telas hiper-realistas de Sepp. Catálogo bem elaborado - não fosse Sepp, entre outras atividades, publicitário de renome atualmente ativa grupo de colegas e empresários num movimento para a constituição da Fundação Empresarial Pró-Artes, cujo objetivo é estimular a participação ativa de empresas e indústrias em programas de desenvolvimento das artes. E ainda com críticas de Pierre Restany e André Laude, listagem de exposições, resumo biográfico, bibliografia (Geraldo Ferraz, seu primeiro apresentador, 1964), relação das obras e reprodução a cores das 38 obras expostas. 

Paisagem colorida - serigrafia /1985

No MASP, crítica e público vêem um Sepp diferente, que aboliu em suas obras as articulações abstratas, os signos cabalísticos, os símbolos domésticos e os grafismos visuais, para regredir ao figurativismo do cotidiano indígena, do interior caipira, “pintando prosaicamente, sem lirismo, a realidade brasileira”, como diz seu apresentador, o diretor do MASP, prof. P. M. Bardi. Um Sepp cultivador da realidade exterior, hiper-realista (ou, realista a caminho de um hiper-realismo total), sensível com visão subjetiva, um artista que programa e sente agora uma pintura quase verista, como quer Restany. Capaz de compreender o milagre da natureza brasileira e abolir de vez a alquimia da cultura européia. Como se sente, assim, esse Sepp Baendereck liberto e humano, vero e ele mesmo capaz de erguer sinfonicamente sua música de cores e temas à nossa gente, à nossa terra, ao nosso índio, ao nosso meio? Sepp nos responde. 

O que o levou a pintar terra e gente brasileira? 

Foi a percepção. Geralmente, as pessoas bem integradas submetem a sua visão e a sua percepção sensorial à conveniência de esquemas pré-estabelecidos e perdem o sentido da realidade, “Como vai?” “Tudo bem, tudo azul”. Cultiva-se o que convém e ignora-se o que não convém. Estou pintando há trinta e três anos. Há dois anos, mais ou menos, encontrei um livro de fotografias de Maureem Bisilliat que me tocou. Aquelas fotos da gente das Minas Gerais, evocando Guimarães Rosa, de repente ganharam uma tremenda importância para mim. Decidi fazer quadros representando essa gente. Já há algum tempo tinha voltado à figura humana e agora creio ter encontrado a motivação certa para minha obra. Que melhor assunto poderá haver do que as faces e os corpos dessa gente de nossa terra, tão ignorada e desprezada, porém tão digna de sua simplicidade humana e inata cordialidade? Geralmente, quando falamos em índio, caiçara, caboclo, bóia-fria, colocamo-nos fora de qualquer possibilidade de uma reação pessoal com um deles como personagem única. Quando pinto um índio, procuro retratar o indivíduo, exclusivamente ele, insofismavelmente distinto dos outros de sua tribo ou comunidade. Acho que isto é o importante. Gostaria que meu quadro ajudasse a perceber e a sentir que, antes de mais nada, existe a pessoa humana. Retratando a realidade, mexendo com as características físicas do objeto, disperso as conotações para enxergar as coisas como são e não como estamos condicionados a pensar que são. 

Percebo nos artistas plásticos o despertar de um grande interesse pelas coisas do Brasil. O seu trabalho, ora em exposição, confirma esse fenômeno? 

- Existe no mundo inteiro um enorme movimento de volta ao realismo na pintura. Inegavelmente, essa tendência já se percebe também no Brasil. Um grande número de artistas, principalmente os jovens, já não se encanta em seguir modelos importados de criação abstrata e conceitual e sente uma tremenda vontade de representar em seus trabalhos aspectos da realidade. Essa tendência será cada vez mais forte à medida que o esforço do pintor realista for mais gratificante. É óbvio que uma vez que o artista se ocupa com a percepção da realidade, forçosamente terá que atuar como observador e intérprete da realidade brasileira. E aí está a enorme oportunidade e desafio para a criatividade plástica. Este imenso Brasil desconhecido, ao mesmo tempo infinitamente belo e rico, é fascinante como paisagem humana. Realmente, não faz mais sentido continuar ignorando essa realidade, como não faz mais sentido continuar enchendo salões e salas de exposição com quantidades enormes de obras à la Paris, Londres e Nova York - algumas mesmo já fora de moda - quando podemos sentir em nossa própria casa essa inesgotável riqueza de inspiração: nossa terra, nossa gente. Até há algum tempo atrás eu mesmo ignorava essa fonte de motivação. Hoje viajo pelo Brasil, fotografo e pinto meus quadros o quanto poso. Estou muito feliz em verificar que outros pintores cultivam o mesmo interesse. 

Como se processa a elaboração de seus quadros? 

- Sempre parto de uma fotografia. Como já disse antes, em 74 pintei uma série de quadros baseados em fotos de Maureen Bisilliat. Depois, usei como referência fotos do Rei Leopoldo de Bélgica, depois fotos de dois ingleses que participaram de uma expedição ao Xingu da Royal Society e Royal Geoghaphical Society. Em 75, comecei eu mesmo a fotografar. Agora, uso apenas fotos minhas. Às vezes projeto a fotografia na tela, para facilitar o desenho. Outras vezes, faço-o livremente. Depois de definido o desenho com pincel e tinta, começo o trabalho usando a cor, em camadas sucessivas, aumentando gradativamente a sua intensidade. Este processo de elaboração é tão importante quanto a própria idéia criativa. Enquanto decorre o trabalho, mil decisões se sucedem relacionadas com a minha vontade inicial de retratar uma determinada cena. Realmente, um número inacreditável de decisões racionais e irracionais, lógicas, intuitivas, filosóficas, teóricas e técnicas entra em jogo quando escolho uma fotografia para pintar um quadro. Quando digo que neste meu trabalho o processo de pintar é importante - e isto é parte integrante do conceito criativo - quero explicar que jamais poderia chegar a um resultado final que não tivesse a disponibilidade de tempo e paciência ao dizer que, acho fascinantemente bonito pintá-la. 

Como se sente, deseuropeizado em sua arte? 

- Liberto. Oxigenado. Consciente. Evoluído. Reintegrado à ordem humana, como disse Laude, citando as próprias palavras do anarquista francês, colaborador do “Le Monde”: “Nem deus, nem rato. Nem mago, nem macaco. Homem. Este Brasil, que há longo tempo ele (Sepp) contempla, ele o escolheu, este Brasil de vigor solar, de segredos profundos, este pais colorido como uma partitura de freejazz, onde flamejam certos dias, certas noites, os sangues esplêndidos, este país veste como pele meu amigo Sepp”. Folha de São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1976. 

óleo sobre tela - 1965


UM ESTETA À PROCURA DA MELHORA ESPIRITUAL 

As vanguardas aparecem mais pelo lado destrutivo... A arquitetura atual visaria não tanto a destruição da cultura, mas a sua ressurreição... Coloco-me diante das vanguardas, proponho alguma coisa... Se isso é honesto, é o que sou... Essa a minha forma de expressar, de viver... Se estou nesse mundo é porque faço parte dele... Não filosofo antes de agir. Ajo, depois penso... Posso exagerar em certas telas, mas não ao longo de minha arte... Essa minha exposição criou um impacto no público, ela o tocou, conflitou... De crítica, não, nossa crítica, com raras exceções, está de férias, também com essa enxurrada de zeros à esquerda que ha por aí... Sim, ofendeu-me profundamente quem disse que minha obra é “tropical” e “decorativa”... Tendo ora para o figurativo, ora para o abstrato; a minha arte é sempre um objeto de valor estético... Busco sempre a síntese, nelas entram forças contraditórias em conflito, conflitos que estão dentro do meu eu... Também enveredei pelo mágico, pelo surrealismo. Tudo é válido dentro dos juízos que faço da arte e do que ela representa para mim. 

Seep Beandereck nasceu na Iugoslávia em 1920. Estudou direito na universidade de Belgrado, Desenho em Berlin e Pintura na Academia de Belas Artes de Zagreb. Em 1948 juntou-se ao Grupo Sezession, em Graz, Áustria, onde, em 1947, faz sua primeira individual (desenhos e xilogravuras). No ano seguinte migra para o Brasil. Em 1955 naturaliza-se brasileiro.

DINÁ LOPES COELHO, pastora fiel dos artistas do Brasil


Di Cavalcanti liga do Rio e quer saber detalhes sobre sua monumental exposição no MAM (Museu de Arte Moderna) em fins de setembro. Carlos Paes Vilaró está chegando do Uruguai, com problemas de hospedagem, entrevistas. Novo telefonema. É Paulo Mendes de Almeida, não quer atravessar a cidade às escuras. Da casa do presidente, querem saber se Joaquim Bento (Alves de Lima) já chegou. Arnaldo Pedroso d’Horta que está no barzinho, toma seu uísque à espera da reunião. Chega da “Cosme Velho”, apressado, com novas idéias, Arthur Octávio Camargo Pacheco. Diná Lopes Coelho atende a todos a tempo e hora.

Aqui no Museu é sempre assim, e em casa também. Hoje posso dizer que vivo para a arte e os artistas. 

Uma verdade bem dita, ou bendita, como diria a McCann. Diná é a pastora fiel dos artistas do Brasil (Francisco Luís de Almeida Salles). Na sua antessala, no MAN, no Ibirapuera, bem grande, este slogan: 

O artista não é convidado porque é um dos donos desta casa. 

E ali estão afixados bilhetes, cartões, convites. José Antônio da Silva, primitivo preferido de Diná informa estar no Hotel Santa Terezinha, com suas telas prodigiosas. A Escolinha de Arte Pimpolho quer alunos. As galerias Ars Nobile e Rosa Filho anunciam exposições. Ely Bueno ensina a preços módicos gravura e desenho. Michel Veber, da Bahia, está em São Paulo e quer vender Raimundos, João Alves e Caribés – e de troco, ensinar ginástica chinesa (sic). Diná não pára. 

Gosto de ajudar todos os artistas, sem distinções de cara, arte, filosofia, ideologia ou religião. Respeito a arte de cada um. Os artistas são seres privilegiados, criadores de beleza num mundo tão ruim e cruel, cheio de guerras e horrores. O artista enfeita, ilumina, anima a vida da gente, e, só por isso, ou melhor, por isso mesmo, os respeito, admiro e ajudo. 

– Quando começou o seu trabalho no MAN? 

Eu fui secretária geral da 7ª e 8ª Bienais, sendo que esta, montada por mim, sem verbas, dizem ter sido a melhor até hoje... Há três anos vim para cá, quando o MAM recebeu esta sede do nosso inolvidável prefeito Faria Lima. 

Diná é morena, não esconde a graça portuguesa em seus traços. Viva, alegre, inteligente. É casada com o advogado e intelectual Luiz Lopes Coelho. Um grande praça, como ela o define, “bom, alegre, com muito calor humano, com a segurança e a tranquilidade dos homens que tem a consciência e a alma limpas”. 
Luiz Sacilotto, Diná e Flávio Shiró

ARTE BRASILEIRA 

O MAM expõe atualmente o Panorama da Arte Atual, uma noção do que se faz no Brasil nos campos do desenho e da gravura. A mostra tem figurativos, abstratos, arte ingênua – a excelente Eurydice está ali – como o notável Otávio Araújo – e arte cinética. A mostra faz sucesso enorme e Diná está contente. 
Parece que o nosso Museu vai progredindo com a ajuda de bons amigos, como o pessoal do Conselho Estadual de Cultura, da Loteria Federal, o entusiasmo do presidente Joaquim Bento e dos diretores, dos artistas e dos críticos, do público enfim. Já temos um acervo considerado de bom nível – ainda vamos alcançar um dia o museu de Arte, formado por Assis Chateaubriand há muitos anos, em suas andanças internacionais e o Museu de Arte Contemporânea, que era nosso antigo acevo, doado por Francisco Matarazzo Sobrinho à Universidade de São Paulo. Por enquanto somos ainda um museu pobre, embora tão rico de amigos. 

IDEIAS E REALIZAÇÕES 
Esse “museu pobre” já realizou, nestes três anos, três monumentais exposições do panorama da arte atual brasileira. Mostras de grande porte, as obras de Sergio Milliet, Grassmann, Di Cavalcanti, Djanira, Tarsila, Flávio de Carvalho, Charles Delporte, Ítalo Cencini, Seep BArndereck, Bianchetti, Chang Dai Chien, Scliar e outros. Em todos os interregnos, entre uma e outra exposição, explica Paulo Mendes de Almeida, o Museu exibe os exemplares do seu acervo, entre os quais se encontra a “Coleção Tamagni”, importante repositório de obras de determinado período da pintura nacional.

 Diná pede licença. Vai à entrada do MAM, onde está a onça granítica de Brecheret e os “bambus coloridos” de Ione Saldanha. O numeroso o ruidoso grupo de jovens quer entrar, checar o panorama da arte atual brasileira. Diná não opõe objeção alguma: 

A casa é de vocês. Aqui estão os melhores e mais conceituados gravadores e desenhistas do país. Somos um museu moderno, atual, de nível, aberto a todos, principalmente à juventude. 

São 10 da noite. Ela pega o carro e vai para casa, no centro da cidade. Sua empregada já anotou uma dezena de telefonemas, recados. Di continua aflito, no Rio. Mas ali está, feliz e alegre, Luiz Lopes Coelho. Ali estão pelas paredes, outros amigos, Pancetti e Silva, Grassman e Tarasin, Alice Brill, Marina Karam, Flávio de Carvalho, Saavedra e o parisiense Laval. São os amigos artistas que, agora, vão velar o sono da pastora.