segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Diálogo intemporal das vozes Segallianas

Alta, espigada, inteligente, crítica, 15 anos: Berta Arnaud Segall é a neta mais velha do velho Segall, Lúcia, 13 anos, Oscarzinho, 7, são seus irmãos – os três filhos de Raquel Arnaud e de Oscar, um dos filhos do pintor. Maurício, o outro filho, casado com Beatriz Toledo, tem também três filhos: Sérgio, 15 anos, Mário Lasar, 11 e Paulinho, 7. Berta está agitada, acaba de assistir ao musical “Hans Staden”, com Irina Grecco e Cazarré, no teatro de seu tio Maurício, o “São Pedro”. 

- Nenhum de nós com exceção do Paulino, vai ser um grande artista, como o vovô. O Paulinho, apesar de ter apenas 7 anos pinta casas e gentes muito bem. 

Berta não se recorda bem de Lasar, quando ele morreu tinha apenas 2 anos. “Lembro-me dele deitado, já doente, olhando para mim sem dizer nada”. Ela cursa a Escola Graduada, 2º colegial, e gosta, nestes dias, de ir ao Museu de Artes “Assis Chateaubriand” onde seu diretor, Pietro Maria Bardi, organiza uma retrospectiva excelente das obras de seu avô: “Cem pinturas de Lasar Segall”.

- Gosto da pintura de meu avô – diz Berta – gosto mesmo, não distingo nela nada de especial, nem acho melhores uns quadros que os outros. Quando crescer mais quero estudar melhor a pintura dele.

Segall redivivo 

O saguão de linhas modernas do Museu de Arte está repleto de gente importante. Berta não se assusta. Desde pequena que aquele nome- Lasar Segall – é um grande e misterioso mito familiar para ela. Carlos Lacerda, amigo velho da família, chega: 

- “Lasar tem a inspiração, a disciplina, a liberdade e o método nas mãos. É um dos grandes pintores de nossa época. Artista, ele é quase olímpico ou pelo menos intocável. Humanamente, se assim se pode dizer, ele pode ser até vulnerável. Com sua incessante indagação. Com suas agonias que ninguém jamais terá percebido”.

Oscar Segall concorda: 

Muitas vezes papai parecia um ressentido. Sentia a política e a divisão nas águas. Mas era antes um sensível, um homem afetuoso e um artista humano. Recebia a todos indistintamente em nossa casa da Vila Mariana e ajudava especialmente os jovens”. 

Com Bardi, Brecheret, Mário e Oswald, Geraldo Ferraz, Tarsila, o esguio jornalista Murilo Miranda é um dos maiores amigos de Segall. 

Depõe: 
Lasar era um humano antes de tudo. Fala a linguagem ardente do coração. Lírico, sutil, trágico, inquieto, profundo, Segall é um mundo”. 

Luiz Martins, mascando um charuto, acrescenta com entusiasmo ser Segall “precursor e mestre”. Lasar é um pintor brasileiro, um cidadão, brasileiro, um admirável condutor de energia espiritual europeia transformada em experiência brasileira. “A posição histórica de Segall na arte brasileira não pode ser disputada. Um Gauguin menos sensual e mais místico”.

Paz e guerra segallianas 

Quem chega sisudo debaixo de suas grossas sobrancelhas?

Rubem Braga: 
“Grande, monótono, forte, Segall é um pintor que ficará. Viu a mulher, vê a opressão, vê o massacre. Sua arte é mais que um grito de protesto, é uma acusação. Esse judeu não impreca desesperadamente, ele mostra. Sua arte é o dedo de um homem apontando o que vê no mundo e o que sente dentro de si mesmo doendo. E pinta sem histeria: com força, com vagar, com uma dura contenção. Sua pintura tem – coisa rara, e grande sinal de um artista – hombridade. Amando a paz da Lua ele, entretanto a vê no chão, refletida em pus e sangue humano”. 

Grande e maravilhoso rosto oval, cabelos à espanhola, puxados para trás, Tarsila concorda. Também o solene Gilberto Freyre, o solitário, chegado imprevistamente dos Apipucos. Como também o Almeida Salles e o doutoral Sergio Buarque de Holanda. A conversa cai para o campo social e ideológico. 

 Jeitão caipira, baiano, Jorge Amado diz: 
“Segall é uma trincheira. É um símbolo. Símbolo da dignidade e da irredutibilidade da arte brasileira. A alarmada quinta-coluna se levantou contra ele. A parte mais reacionária e imbecil. Na arte a liberdade luta contra o fascismo e o obscurantismo”. 

Grandalhão, sanguíneo, com sua minissaia rendada, diz Flávio de Carvalho: 
“A arte desse grande pinto foge ao abstrato mentalista para mergulhar nos problemas humanos e emotivos, exprimindo com vigor extraordinário o espírito angustioso da nossa época”. 

É Segall quem chegou 
A roda amplia-se. Luiz Ossaka está agitado, pois avisaram que o governador Natel vem mesmo inaugurar a exposição. A seu lado, Raquel Arnaud é a beleza morena que comanda os cordéis do Museu. 
O caipira Clóvis Graciano está elogiando “Progrom”.
Geraldo Ferraz, o açougueiro da antropofagia, fala da técnica de Segall uma “mestre da plástica”. Paulo Mendes de Almeida, afável, terno, é o príncipe da crítica que não tem palavras para elogiar Segall taxando-o de “pintor escafandro”. Profundo no íntimo das tintas, profundo nas telas, na dor e na grandeza humanas. 
Agora é Oswald de Andrade que aporta, com sua cara redonda infantil. Vem do Circo Piolim, conta uma piada, mas ninguém ri. Quer depor: 
“Em 1913 conheci Segall na Vila Kirial. Enquanto nessa época eu fazia um jornalzinho tumultuário, Segall realizava cronologicamente a Primeira Exposição de Arte Moderna no Brasil. Hoje só posso oferecer a Segall o meu entusiasmo”.

Dando o braço à sua mulher Jenny – nascida Klabin – elegante, com um vistoso, sobretudo, de boina, perfumado (“Pour um homme do Caron”), Lasar Segall sobe as escadas largas do museu. Abram alas todos, que ali está o trágico, lírico, bizantino, hirsuto, olímpico, sofredor, alegre, angustiado e humano mestre Lasar. Fala arrastado e grave, com sua voz de sotaque russo: 

“Não faço quadros para agradar os outros. O que importa não é agradar, é realizar, é criar... Procuro nas almas o que há de mais íntimo dentro delas – a verdade profunda das suas aspirações... Estou feliz quando estou pintando... Cada um deve ser livre para trabalhar. Para o verdadeiro artista a arte é tão importante tanto como o ar, a luz e a própria vida... Cada homem é filho desdeu tempo e a sua expressão é a expressão de seu próprio tempo... Necessitamos de arte que encerre profundos pensamentos humanos, pois sem elemento humano a forma tornar-se-ia meramente especulativa... Aluta dos artistas deve continuar sempre, com uma obstinação indomável, no caminho da perfeição inatingível, para a tentativa da realização dos superiores destinos do Homem”. 

E o velho, nada soturno e jovial Segall, recém-chegado de outros estágios, afaga carinhosamente a netinha. Para Berta, ele deixava de ser, naquele momento, ali no Trianon, junto à roda intemporal que se desfez, o mito sagrado familiar. Era, sim, o artista genial de nosso tempo. 

SONETO A LASAR 
De inescrutavelmente no que pintas 
Como num amplo espaço de agonias, 
Imarcescível música de tintas 
A arder na lucidez das coisas frias – 

Tão patéticas sois, tão sonolentas, 
Cores que o meu olhar mortificais 
Entre verdes crestados e cinzentas 
Ferrugens no prelúdio dos metais! 

Que segredo recobre a velha pátina - 
Por onde a luz se filtra quase tímida – 
Do espaço silencioso que esculpiste 

Para pintar sem gritos de escarlate 
Na profunda revolta contra o crime 
Daqueles que fizeram a vida triste?! 
Rio, 29-9-1943 – VINÍCIUS DE MORAIS 

NOTÍCIA DE SEGALL 
Segall desaparecido 
Ressurge no preto-e-branco 
Da linha pura lacônica exata 
Conta a gravidade de ser 
Perdido 
Numa aventura sem explicação 
Se não existisse o amor 
 Antecâmara da piedade 
E a poesia 
Erva renitente no ar sem raiz 
Poesia que elimina o som 
E volta à linha 
Como as criaturas voltam a si mesmas 
Na visão de Segall perspectivo-nostálgico. 
A seu gesto 
A madeira o cobre o ácido revelam 
Entre sulcos aquele
Que conduz à negação do labirinto 
Ao essencial das coisas 
Cicatriz Relâmpago 
Tristeza depositada no quarto 
De velório 
No florir da moça 
No estar sentado 
No ver 
No simples ver o visto todo dia
Em seu coração de rude e mel 
No objeto exposto 
No desespero contido 
Filtrado 
Pacificado 
Sobre a dor bíblica intemporal 
E a dor contemporânea 
Que podemos pegar de tão doendo 
E te pressentir a doçura do conhecimento 
Solitário. 
Somos chamados 
A compreender e a amar num ato 
Único
As formas as gentes os animais retirados da noite 
Para a festa de serenidade melancólica 
No coração-estúdio de Lasar Segall 
Aberto em confissão 
Aos murmúrios da terra.

Carlos Drummond de Andrade/ Rio/1966

SILVA, CAIPIRA, MAS NÃO TONTO.

A Benedito Paretto, velho companheiro nas artes.
L.E.M.K. 

 – Acho as Bienais horríveis, os críticos de arte mais horríveis ainda; se estivesse nas bienais estaria morto como artista, ainda bem que saí delas há muito tempo. Hoje minha arte corre o mundo, é uma beleza! 

José Antonio da Silva abre uma gargalhada franca Ele está sem gravata (raro) e de óculos escuros (habitual) no seu quarto “atelier” do Hotel Santa Terezinha. Cabelos penteados para trás, não aparentando 63 anos. De 15 em 15 dias o primitivo de São José do Rio Preto desce de trem até a capital. Aqui – a contrário o do que acontece na sua cidade, onde vive num ambiente de hostilidade oficial e gratuita, dada a sua fama nacional e mundial –, tem amigos certos, tem compradores habituais para suas telas tão coloridas de matas e plantações, boiadas e carreiros, queimadas e assombrações, o universo de lendas e vivências roceiras e José Antonio da Silva. 

 – Como é o seu dia em Rio Preto, Silva? 

Acordo com o galo cantando, às 6 da manha, tomo um copo de leite, uma xícara de café, me apronto, e vou pintar até às 11 horas. Almoço com minha mulher Rosinha e meus 6 filhos, como arroz, feijão, verdura, carne, gosto de tudo – mas não abuso, para não engordar. Depois do almoço vou repousar duas horas, ninguém me tira da cama. Levanto-me e vou para o Museu de Arte Contemporânea de São José do Rio Preto, que fundei e que continua sendo de minha propriedade, e lá fico até às 17 horas. Volto para casa, tomo um lanche às 18 horas e então gosto de ver as novelas da televisão e o Ultra-Notícias, para estar bem informado. Não saio à noite, não, também não pinto. Não bebo e tampouco leio, durmo cedo às 21 horas. 

 – Qual a inspiração de suas pinturas? 
Silva diz que se considera “folclórico” - já editou dois discos com nossas lendas e músicas da roça e “caipira autêntica”. E que sua maior inspiração são os temas da vida rural, da nossa vida do interior, onde passou grande parte de sua infância e da juventude, como domador de burro, colono, camarada, meeiro, empreiteiro, pintor de cemitério, limpador de poço, guarda noturno, fiscal de fazenda, violeiro, garção, quarteiro de hotel, etc. 
Silva gosta de dizer que não é só pintor. É também desenhista, escultor, folclorista e músico. Já escreveu "A História da Minha Vida, editado pelo Museu de Arte Moderna (esgotado) e o romance "Maria Clara" - ganhando um e outro, respectivamente, elogios rasgados de Carlos Pinto Alves e Antonio Cândido.. Que saudaram os escritos autobiográficos e cotidianos de José Antonio da Silva, como literatura popular espontânea e autêntica, de um sabor de gabolice admirável,  bem brasileiro. Atualmente ele revê os originais do romance de sua vida, rascunhando praticamente uma história nova. E ainda escreve, febrilmente, dois novos romances, "interpretando o meio rural onde se formou, num esforço tremendo, sozinho, derramando a impetuosidade do meio rural, o tumulto das emoções que lhe agitam a sensibilidade" (Benedito Lacorde Paretto).

 – E como vai o Museu? 

Vai bem, adoro receber visitas, umas 50 a 60 por dia. O Museu tem mais de 250 telas de pintores como Volpi, Mabe, Caribe, Aldemir, os maiores pintores do Brasil, cujas telas troquei de graça por quadros meus. Agora, a Prefeitura quer oferecer uma bagatela pela coleção, foi um choque, nesse caso prefiro doar tudo para uma universidade... Em Rio Preto só quem me apóia é o padre Jansen, redentorista, que até encomendou uma Via-Sacra minha para a sua igreja. 

Ele dispara: 

Sou caipira, mas não sou tonto. Poderia sair do Brasil e fazer sucesso lá fora. O crítico francês Leon Degand e vários críticos italianos elogiaram minha arte. Nem sei em quantos museus do mundo há quadros meus, até em Nova York tem. Já pintei umas 2.500 telas – uma beleza! Mas não saio não. Tenho de lutar contra os que não me compreendem em Rio Preto, tenho de sustentar os meus filhos solteirões... Já nasci pintor, se não pinto, fico doente. Estou já sessentão e me sinto muito bem. Tenho pouca ajuda, pouca gente me entende, estou sempre sozinho... Creio só na criação, amo a ciência, acho que Deus é a própria natureza, e o resto é embrulho. Cristo é o maior, mas ninguém quer ser o cristo. 

 – E a vida, a morte? 
A vida é pra quem sabe viver e tenha amor. Não temos outra vida no mundo, morreu, acabou; desejo viver em paz e seguir a minha arte. 

– O que acha da pintura brasileira hoje? 
Pinturas temos muitas, pintores, muito poucos. E dos primitivos, prefiro calar-me. Às vezes, aos domingos, vou à Praça da República, prestigiar alguns colegas, trocar quadros. Há alguns bons, mas a maioria faz uma arte enganosa. Sofrem influências más, naquela misturança na praça. 

Pede licença, vai ao telefone. Faz ligações para frei Benevenuto, editor de seus livros; Artur Camargo Pacheco, Lídia Alimonda, Sylvia Sodré Assumpção, Diná Lopes Coelho, que comprara sempre quadros seus; e José Mauro de Vasconcelos, Paulo Chaves, Maria Eugênia Franco, Volpi, seus amigos “contados nos dedos” Procura os jornalistas, Pacote, Gonçalo Parada e Hideo Onaga, “pintei uns quadros aqui no hotel, venham ver, uma beleza! São de entretela de alfaiate. Uso tintas holandesas”. E José Antonio da Silva volta ao tema, confessa de novo sua frustração com bienais, ressalvando Lourival Gomes Machado e Paulo Mendes de Almeida, seus descobridores, Lívio Abramo, “que se arrependeu de me cortar” e “Ciccillo” Matarazzo Sobrinho, “um homem bom, mas vítima, envolvidos pelos lobos daqueles críticos da Bienal”. 

Entrei nas primeiras bienais, os críticos não me premiaram, depois me rejeitaram, quando vejo o nome Bienal até tremo, com tanta injustiça que fizeram comigo... 

E Silva repete uma passagem de seu livro, com tiradas bíblicas: “quem for contras minha arte, está contra mim”, vá “pro quinto dos infernos”. Lúcifer está esperando os críticos das bienais. Os críticos têm de prestar contas à ele e aos demônios. E os diabos reservaram lugar para os críticos, “nos tachos mais quentes do inferno”. José Antonio da Silva ri. Grave, sério. O pintor sai com andar firme pela Rua Vitória, vai comprar quatro vestidos de chita bem vistosa. “São para Rosinha, pra minha mulher me deixar sossegado, deixar eu fazer a minha arte, uma beleza!”

Dionisíaco e demoníaco 

José Antonio da Silva, o pintor autodidata do interior paulista, descoberto em 1946 por Paulo Mendes de Almeida e consagrado por Lourival Gomes Machado, foi, desde o início, definido como um pintor primitivo pela totalidade da crítica de arte. Posteriormente, raras vezes a assim chamada crítica de arte exaltou-se com tantas discórdias, com tantas mudanças repentinas de julgamento e com tanta irresponsabilidade, como no caso de José Antonio da Silva. José Antonio da Silva começou como um verdadeiro primitivo e continua sendo um autêntico primitivo de altas qualidades. Suas primeiras exposições impressionaram muito, principalmente pela audácia de seu vivenciar e pela riqueza de suas emoções, tão diversas e variadas, tão marcantes em seu ritmo e em suas bruscas mudanças. Lírico e dramático, cômico e levemente humorístico, outras vezes triste e angustiado ou então exaltado, mas principalmente rítmico em sua perpétua e quase coreográfica movimentação emocional-intelectiva, esta riqueza caleidoscópica ofereceu desde o início provas de uma personalidade muito rica, inquieta, exuberante, meio dionisíaca, meio demoníaca. Seu sucesso foi absolutamente justificado. A sua produção é sempre instantânea e espontânea, sendo justamente esta a característica que mais nos surpreende. É grande a riqueza de sua improvisação, de tão alta qualidade artística, ainda que carente de qualquer preparo sistemático. A sua capacidade compositiva é imensa. Há quadros que são verdadeiras sinfonias problemáticas e extremamente complexas, resolvidas com facilidade e felicidade espantosas. Silva é um híbrido, em parte dionisíaco e em parte demoníaco, às vezes barbado, cruel, irônico, mas sempre dramático e exuberante. A sua vivacidade e participação eletiva é de alta dramaticidade. Sua grandeza atinge não raro exaltações bíblicas. Ele soube surpreender-nos como ele mesmo se surpreende com as coisas e acontecimentos, principalmente com tudo o que é vivo na natureza: árvores, homens, animais, toda a criação e seu destino. Neste ponto difere muitíssimo, sendo quase o oposto de Douanier Rousseau, que exalta a vida em sua estática e firmeza, em sua solidez monumental. Silva é muito mais dinâmico, movimentado, inquieto, muito mais fugitivo, oscilante, brincalhão e delicado. É mais a dança e a música do que movimento; profundamente brasileiro, verdadeiro filho do Brasil sincrético e palpitante, do Brasil barroco e bárbaro, do Brasil das danças populares, dos ritmos complexos, das mitologias suburbanas e das festividades exuberantes. Nas várias bienais de São Paulo tivemos a oportunidade de conhecer primitivos de vários países do mundo, mas achamos sinceramente que José Antonio da Silva pode figurar entre os maiores, sendo um dos mais interessantes de todo o mundo. Theon Spanudis (crítico de arte e psiquiatra – “Diálogo”, n. 5)

IANELLI

Procuro sempre a síntese da cor, a forma e do espaço. A cor, no sentido puro e limpo, sem recursos de quaisquer outros meios, que possam encobrir o problema fundamental e real a pintura pura. Sem artifícios que possam eventualmente iludir e enganar os olhos do espetador menos experiente... Creio que o importante é procurar dizer o maior número de coisas com o menor número de palavras. Falar demasiado, usar inúmeras frases, um vocabulário imenso, para pouco ou nada dizer, eis um problema sério que defrontamos muitas vezes, na própria vida cotidiana e, consequentemente, na Arte... E de grande importância a simplicidade. Dizer o máximo na obra de Arte, com o mínimo de recursos. E com o mínimo, deixar o trabalho resistir e crescer com o tempo. 

Arcângelo Ianelli está completando, este ano, 50 anos de idade e trinta de pintura. Ele próprio abre o grande portão antigo de madeira, na modesta rua da Vila Mariana onde mora. Até chegar à casa, o corredor é comprido, com vegetação dos lados, uma verdadeira alameda tropical. Tem, confessa, o raro hobby dos homens ocupados e conscientes: a jardinagem. Afora isso, a busca incessante, a procura da sua pintura-verdade, uma luta que dura três décadas. O pai, construtor e comerciante, queria que o “giovanott” tão arguto se formasse em Engenharia. Arcãngelo deixou o comércio, os estudos, a arte era sua verdadeira vocação interior. A casa e o ateliê despontam agora, o jardim tropical invade a ampla sala de entrada, a lareira e o ateliê; sofás de tijolo aparente, peças pré-colombianas pelas paredes, quadros de Charoux, a bela peça de Stockinger, amis esculturas, entalhes de madeira pintada (o filho é o autor), o ambiente é de quietude, lembrando um velho mosteiro. Pintando, Ianelli exige silêncio de familiares e amigos, até dos vizinhos – gosta da tranquilidade para trabalhar, produzir e viver. A exceção é a vitrola moderna tocando Bach ou Vivaldi, colocados por sua mulher, Dirce, - 28 anos, confessa, de uma feliz união. 

O quadro deve falar apenas por si sem necessitar de dissertações. Deve transmitir algo às pessoas sensíveis, somente pelo conteúdo pictórico. Nunca com a finalidade de “contar uma história revelar estados psíquicos”, est. Devemos deixar esse problema aos literatos que se expressam muito melhor em seus livros... Um pintor deve ter em mente realizar, antes de mais nada, pintura... Um quadro não é um livro contador de histórias, descritivo, ilustrativo ou explicativo. Pouco importa o que possa representar. Antes de mais nada terá que ser observado e alisado como pintura, na correlação das formas e das cores, em suma, os valores plásticos na sua visão maios pura e mais profunda... E o essencial é que deva irradiar aquela sublime sutileza, aquela misteriosa mensagem, tão difícil de descrever, mas que se sente através dos olhos e da sensibilidade que se chama simplesmente: Arte.

Ianelli vai justificando na pintura, teses. 

Não é apenas o “suporte” ou o material que determina ou modifica o sentido do novo e da criação. O que realmente conta é sempre o artista, que poderá usar desde o óleo e a tela tradicional e realizar um trabalho novo e de vanguarda, até os plásticos, alumínios, ferro, madeira, etc. No entanto, na obra, é preciso ter vivência, coerência e diretriz... Em Arte, nada se improvisa levianamente. As mudanças constantes, em desabalada corrida, interminável e sem sentido, apenas para se colocar a qualquer preço na posição de “vanguardista”, arriscam deixar tudo somente na superfície e sem continuidade. Cada artista difere do outro, no temperamento, na sensibilidade, no caráter, etc. Essa é a razão pela qual se devem aceitar quaisquer manifestações de Arte, reveladoras de temperamento tão diversificados, e até mesmo contrastantes, pois a importância na Arte reside justamente na sua infinita amplitude e variedade. 

Ianelli trabalha muito, desde as oito da matina. Toma um café simples, lê o “Estado” e a “Folha” – tudo, artes, política, internacional, só não gosta de futebol e polícia. Almoça em casa, pina também à tarde, e seguramente também à noite, “se o silêncio ao redor foi completo”. E antes de pegar no sono, lê, atualmente está mergulhado em Hesse. Pinta, diz, como necessidade interior e também como tentativa de comunicação. 

Por outro lado não possuímos nenhuma autoridade para poder prever e afirmar tão categoricamente, no dia de hoje, o que é válido ou não... Que certos meios de expressão estão mortos e que é certo somente o que está indicado no “cardápio do prato do dia”... Acredito que o tempo poderá confirmar ou desmentir esse julgamento... Deve o artista optar pelo que melhor possa condizer com o seu temperamento, escolhendo e usando os materiais que posa satisfazê-lo. Mas, nunca, ser um simples “robô”, seguindo inconscientemente o que se apresenta de “mais novo”... Sabemos que o “novo” corresponde sem dúvida à etapa atual da civilização, à era tecnológica que se inaugura nos dias em que vivemos. A arte atual, seja qual fora sua expressão, retrata e deve refletir o caráter e as tendências desse novo estágio em que o homem penetrou, desde as duas revoluções industriais... Apesar disso, o homem não se desprende completamente do passado. Na opinião de Francastel, a “angústia do homem contemporâneo reside em estar ele com um passo no renascimento e outro na idade tecnológica"... O artista como um “sismógrafo”, capta, antes de qualquer outro, esses sinais dos novos tempos. 

O crítico Paulo Mendes de Almeida telefona, é o maior amigo de Ianelli, sem desmerecer outros, críticos, intelectuais ou pintores. Camisa esporte, de óculos que põe agora para ler melhor, a calva consagrada, Ianelli folheia os três álbuns que organizadamente contam suas histórias e andanças pela arte. Ali estão as fotos e suas entrevistas de artista premiado e viajado. Dirce conta episódios pitorescos, viajaram com os filhos durante dois anos pela Europa, num carro-reboque, aproveitado os dólares de Premio Nacional. 


Ianelli já fala que acha esplêndido o movimento das artes no Brasil de hoje. Mais cursos, mais jovens no campo artístico, mais salões, mais prêmios, mais exposições, mais galerias, mais leilões... Só a Bienal, responsável por grande parte desse avanço, está precisando de uma reestruturação... Aparecem novos de valor, valores mais antigos se firmam e se beneficiam com um mercado maior. Agora entram no ateliê adentro, dois jovens, Franz e Toshi, são colecionadores de telas de Ianelli. O pintor só não é professor – já foi convidado – porque tempo não tem. Alguém situa o avanço dos primitivos como uma das características da arte brasileira dos dias atuais. Ianelli ri e contesta. Ele não gosta dos primitivos, com poucas exceções: 

A Arte é universal. Quando ela se limita a um regionalismo ou a um folclorismo vulgar, ela desce ao anedótico e ao documentário sem sabor. Goethe já se expressou num pensamento lapidar: “Não existe arte patriótica, nem ciência patriótica – ambas pertencem, como tudo que é excelso e belo, ao mundo inteiro”. 

UM ARTISTA MADURO E LIBERTO 
... Arcângelo Ianelli ingressa de maneira definitiva no grupo dos melhores pintores brasileiros. As telas que apresenta são obra de um artista maduro, sereno, que encontrou a sua linguagem pessoal e que não se utiliza de artimanhas de matéria ou de efeitos de técnica para chamar a atenção. A sua pintura é direta, simples e despojada na maneira de execução na cor – torturado, angustiado, frenético, cheio de dúvidas e de premeditações, a pintura de Ianelli representa um intervalo de equilíbrio sereno, de fé na beleza. – Nesta sua fase atual, Arcângelo Ianelli mostra clara e definitivamente que é um dos grandes pintores de sua geração. – MARC BERKOWITZ. 

No panorama da Arte Brasileira, Arcangelo Ianelli é uma figura de primeiro plano, que ainda jovem, chegou ao auge de sua maturidade artística. É a sua arte, uma arte pura, liberta do trágico como a desejava Piet Mondrian. Pesquisando e desenvolvendo desde muitos anos a sua linguagem pessoal, ele chegou nos seus últimos trabalhos a um equilíbrio total da forma e da cor. As cores intensas nascem com a monumentalidade das formas, criando uma harmonia e majestade únicas na Arte Contemporânea Brasileira. É para nós cada quadro de Ianelli um coral triunfal no qual a forma gera a cor e a cor a forma – LISETA LEVI – 1972. 

... Essa perseverança de um homem na investigação daquilo que é a sua íntima verdade pessoal, infenso às inovações passageiras, é o que lhe permite, como bem assinalou Mário Pedrosa, “um crescimento interno em profundidade”. Ele é o contrario da biruta, sempre dócil às variações do vento. Porque é um artista necessário, um artista convicto e fiel como foi Segall, buscando sempre num mesmo veio, recôndito e inesgotável – bem certo de que o ouro não está na superfície e que para extraí-lo é imprescindível cavar, até que sangrem as mãos...– PAULO MENDES DE ALMEIDA – 1970. ... 

Esse artista, na plenitude de seus meios, chegando a uma maturidade que raros encontram entre nós. – Personalidade forte e confundível de um pintor ainda moço e já de tal proeminência em nosso meio artístico. – JOSÉ ROBERTO TEIXEIRA LEITE – 11.4.63. 

... A força do artista está toda em sua fidelidade de tratamento e t ema, num tempo em que tanta moda leva para qualquer lado os pintores – a de Ianelli permanece excelente pintura, valorizada e vincada por uma experiência arduamente vivida... – GERALDO FERRAZ – 7.11.69. 

... Para mim é uma revelação o alto nível da pintura atual de Arcangelo Ianelli. O que me prendeu a atenção, antes de tudo, na arte do jovem pintor paulista, foi a profundidade da sua visão pictórica. É inegável que obriga o observador ou o crítico a debruçar-se sobre os seus trabalhos com uma curiosidade aguçada, que não deixa margem a nenhuma gratuidade. – ANTONIO BENTO – 1961. ... 

Eis aí um raro artista jovem de nossos dias que ama o métier, o qual lhe parece necessário como um órgão manipulador num sistema orgânico sadio. Pode-se dizer que fez o curriculum acadêmico para, pouco a pouco, perde-lo, no seu exercício, e se achar a si mesmo. E daí para partir para um crescimento interior em profundidade, e fundir, afinal no seu espírito, os meios de expressão que na sua prática criou para si (e não os aprendeu nas receitas acadêmicas) e a finalidade a que mira e que, misteriosamente, se vai desvendando à sua frente... – MÁRIO PEDROSA – 1961.

...Já em 1961, Mário Pedrosa escrevia que Ianelli não se preocupava muito com as inovações, às quais opunha “um crescimento interno em profundidade”, o que é sem dúvida mais difícil. Ianelli pode ser incluído no elenco daqueles que trabalham para salvar a pintura, contrariando os manifestos que já há vários anos anunciam o seu fim. – MURILO MENDES – ROMA, 1966.

Arcangelo Ianelli nasceu em São Paulo em 1922, filho de imigrantes italianos de Nápoles. Desde cedo iniciou-se em desenho, para posteriormente, em meados de 1942, dedicar-se a estudos de pintura, mural e afresco. Estudou 6 meses com Waldemar da Costa e fez parte saliente do Grupo Guanabara, com Mabe e Fukushma. Durante 15 anos seus trabalhos foram figurativos, passando por lenta evolução, chegando sucessivamente ao expressionismo e ao abstrato quase geométrico atual. Passou os anos de 1965 e 1966 na Europa, com o “Prêmio de Viagem ao Exterior”, obtido no Salão Nacional de Arte Moderna.

ESPÍNDOLA

– Vivo trabalhando ou amando sempre com o sentido quase faminto de encontrar-me a cada segundo... Vivo onde estou no momento, para a arte, com meus amigos e para meus amigos. Tenho minha casa e meu atelier em Campo Grade... Gosto de trabalhar lá... Minha equipe, isto é, meu carpinteiro João Amorim; meu ferreiro, o cuiabano; João Sebastião, amigo e fazedor de crachás, talvez por serem mato-grossenses como eu, frutos da sociedade do boi, entendem perfeitamente o que quero exprimir e criam também em suas mãos, o que minha cabeça quer. 

Espíndola não tem 30 anos e estudou Jornalismo, Filosofia, é inteligente e perspicaz. Sua primeira mostra individual em S. Paulo na galeria “Portal” foi um sucesso. 

– O que vem a ser a “Bovinocultura”? Literalmente, “Bovinocultura” seria a cultura do gado, isto é, a criação do animal, pura e simplesmente. Todavia, em minha obra, a palavra “cultura” deve ser sentida em toda a implicação semântica que ela contém, ou seja, aquilo que avança sobre o social. Seria melhor dizer, a cultura de uma sociedade que vive às custas do boi – explica, na roda formada. 

– Por que escolheu o boi como “personagem”? 

 – Não seria propriamente “personagem”, melhor dizer assunto. Naturalmente que o assunto é um mero pretexto para fazer arte, no sentido de forma e cor. Mas a arte não pode ser desligada e nunca o foi, do meio social. Consciente ou inconscientemente a criação artística traz, em sua revelação, as fundas marcas das circunstâncias de ambiente social que envolve o artista. Às vezes o artista é mais objetivo em seus temas, como no meu caso, onde coloco o assunto de minha arte em evidência nítida, tendo em vista que minha região mantém-se e progride através do boi. A primazia desse animal, como personagem em meus temas, quase que se impôs sozinha. 
Espíndola diz que não separa a arte da sociedade. “Isso não chega a ser propriamente uma filosofia na arte, mas é sua própria realidade. Quanto ao expectador, ao deparar-se com uma obra cujas características sejam evidentemente sociais, não deve ficar apreso apenas ao âmbito generalizado que o assunto revela. Ele deve ter olhos também para, em cada forma e em cada sugestão recôndita, penetrar no social mais intrínseco, que é o próprio universo individualizado, enfim o homem, indefinível e inconceituável no que ele traz dentro de si próprio”. 

 – Sua arte é regional? 

– O assunto de minha arte é encarado como regional. Construo minha arte em moldes regionais. Uso o couro, o ferro e a marca de minha região, mas, absolutamente, o boi, a carne, ou seja, o “pecuspecunia “ não é privilégio de Mato Grosso. “Pecus” é uma característica econômica e vital em quase todo o mundo e sua amplificação em “Pecúnia” é absolutamente imprescindível e universal. Mas também poderia dizer que do regional se atinge o universal, pois todo o assunto da arte, em seu âmago contém o interesse, a procura e a essência do próprio homem seja qual for o momento que o circunstancie, e o homem, somente ele, é universal. 

 Um crítico carioca afirmou que Espíndola, em algumas telas, faz um erotismo muito da vaga atual. Ele contesta, acha que a relação talvez esteja na sensualidade das linhas e das formas. Diz que já associou em alguns quadros. Telas de vacas com seios de mulher, quartos de boi com ombros de homem “e evidentemente o chifre é nitidamente fálico”. Diz que sua técnica procura dar a precisão que a obra a ser comunicada requer. “Como minha obra tem muitos aspectos de expressão, minha técnica é múltipla e vária, desde o óleo sobre tela às camadas superpostas de telas de arame, ou desde o ferro em brasa sobre o couro e do arame farpado, ao ambiental, com a participação sensorial inclusive”. 

– Que acha da arte brasileira? 

– Creio que desde a queda do abstracionismo no Brasil, fruto do advento da Pop Art e através do movimento iniciado com a Nova Objetividade em 65, a Arte Brasileira tem procurado caminhos para reatar sua comunicação em moldes mais profundos e nacionalistas, tendo-se voltado e reestudado o antropofagismo iniciado por Tarsila. 

– E as bienais, salões oficiais, galerias e “marchands”, como os encara? 

– Acho que bienais e salões oficiais ainda são muito importantes para o artista brasileiro, principalmente para aqueles que trabalham em cunho sério de vanguarda. Não desaprovo o trabalho das galerias e “marchands”, acho inclusive necessário, porque o artista deve viver daquilo que faz. Muitas vezes, porém, as galerias e “marchands” vão mais ao encontro do gosto já existente no público consumidor (que nem sempre é erudito), achando, portanto mais cômodo não impor uma arte de vanguarda a esse público. Dessa forma, quase que não existia, além dos salões e das bienais, oportunidades para o pesquisador de vanguarda exibir e sentir-se apoiado no valor de suas pesquisas. A Bienal de São Paulo, embora todas suas contradições e incongruências é ainda a única oportunidade que o artista brasileiro tem de confrontar o seu trabalho, e de ver nas delegações estrangeiras o fruto real dos novos conceitos artísticos. 

Espíndola responde a nova pergunta: 

– Mais importante que o “rumo” é o vigor da arte feita por jovens no Brasil. Qualquer que seja o rumo da pesquisa jovem ela vem sempre acompanhada de uma qualidade inovadora. Agrada-me o interesse pela pesquisa dos novos materiais. Acho de interesse e importante o desenvolvimento de toda a possibilidade tropicalista para então depois partir para novos rumos, brasileiros explicitamente.

– Planos futuros? 

– Planos futuros e projetos são sequencias das consequências. Enquanto tiver algo desconhecido a dar a conhecer sobre o boi, ou como sua pergunta, enquanto o boi for um “mito” e eu tiver capacidade de exprimir, sem reprimir-me, continuarei, não por fidelidade, mas por necessidade ou obrigação. 

– Como vê esta sua primeira individual em São Paulo, na “Portal”? 

– Vejo como possibilidade de apresentar ao público trabalhos posteriores à minha obra na XI Bienal, bem como demonstrar através de trabalhos datados de 67 a 72 o processo evolutivo de minhas manifestações. Também a pesquisa de como será aceito meu trabalho no mercado consumidor da arte. Além disso, a “Portal” é uma galeria ampla e moldável. 

– Está tentando morar num grande centro artístico como São Paulo ou Rio? 

– Não estou nem vou tentar, muito pelo contrário, sou a favor da descentralização do ambiente artístico. A arte tem como finalidade atingir a todo ser humano, de modo que seria interessante a permanência de alguns artistas no interior do país. Quanto ao problema da atualização do artista do interior, lembro que atualmente os meios de comunicação são instantâneos e as distâncias já quase não existem. Creio até que em viver num grande centro seja um tanto quanto dispersivo. Isolado, pelo menos eu, particularmente, tenho mais capacidade de concentração; porém são necessários mergulhos periódicos na vida, na cultura e nas ideias que um grande centro propicia. 

– Não tenho hobbies, gosto de tudo que provoca emoções, mental ou sensorial, gosto de mistério e da magia, gosto de ver e sentira força telúrica das coisas e dos acontecimentos, gosto ainda e, primordialmente, de gente. 26/3/72. 

Humberto Espíndola nasceu em Campo Grande, aos 4 de abril de 1943. Em 1966 integrou-se ao movimento cultural de Aline Figueiredo. Criativo, consciente, hábil artesão, participou com suas telas a óleo e esculturas totêmicas de várias exposições em Corumbá, Cuiabá, Curitiba, Rio, Vitória, Campo Grande, Belo Horizonte e Paris. Instituiu o boi, símbolo da riqueza de Mato Grosso, como tema de suas obras – cujo conjunto, denominado “Bovinocultura” expôs na XI Bienal, ganhando o prêmio Viagem ao Exterior do Júri Internacional. É sem dúvida um dos artistas mais pessoais e criativos do Brasil. Através de sua obra intensa e autêntica, o boi tornou-se um personagem marcante da arte brasileira... O boi de Espíndola não é mais o vitorioso e selvagem lutador de chinfres erguidos, mas a vítima na sociedade na qual vive e de que traz na sua carne as marcas do sofrimento. (Lisetta Levi). 

Espíndola antepõe aos seus temas atmosferas de ritos de contágio ecológico, como se as terras, as águas e os bichos que pinta ainda estivessem em potencial de totem e tabu, aquém da civilização de consumo, na era ainda dos clãs. (José Geraldo Vieira). 

O artista inova com perfeito domínio técnico e manipula sua temática em profundidade... Bovinocultura, caso raro no Brasil, corresponde a um autêntico exame crítico, em termos altamente estéticos, na chamada civilização do boi em seu Estado natal. (José Roberto Teixeira Leite). 

Humberto Espíndola é uma das mais vigorosas afirmações de uma arte autenticamente brasileira. ... O boi é o dia e a noite, a realidade e o sonho, a história e o mito, a miséria e a riqueza... Não se trata apenas da realidade de Mato Grosso, é o Brasil, nas suas contradições, que aparece em seus quadros. (Frederico Moraes). 

Satanismo bovino 
Muito antes da badalada Semana de 50 anos – ou seja, a Semana de Arte Moderna, que acaba de tornar-se cinquentona – já se falava muito, com toda razão, em uma arte autenticamente nacional, que fosse livre, é claro, de academicismos e de programas ostensivos incompatíveis com a real invenção artística. Depois da Semana veio a Antropofagia de Oswald; recentemente, a Tropicália, depois de Portinari. A obra de Humberto Espíndola representa um capítulo importante no movimento cultural citado. Humberto, jovem ainda, começou a compô-lo, e ainda continua, sem filiação oficial a um grupo. Não expõe programas, nem lança manifestos. Sua expressão é toda plástica. Mesmo antes do artista apresentar usa estupenda criação de um ambiente na XI Bienal de São Paulo, já não seria possível, entretanto, encará-lo como “pintor” simplesmente. Espíndola inclinava-se ao “quadro-objeto” e aos “combine-paitings” em geral. O arame farpado, o crachá e o chifre de boi – estes dois últimos os elementos de base da contundente composição da bienal – já se haviam tornado típicos da produção do artista. Com estes elementos adicionados aos recursos propriamente pictóricos, Espíndola criou através da “cultura do boi” – retrato acentuadamente crítico dos planaltos e sertões do Brasil Central. 
Vivência 
A opção temática de Espíndola nada tem de gratuita. Nascido e vivido em Mato Grosso, Espíndola, depois de consagrado, insiste em permanecer ali, seduzido sempre pelo tipo de vivência sobre o qual elabora em sua atividade artística. O Setor por ele coberto não é estranho à produção literária brasileira. Pelo menos um setor a ele afim, no encontro de Minas e Bahia, foi cenário e objeto de um dos monumentos da nossa literatura – o Grande Sertão, Veredas. Mato Grosso não é igual; está e esteve em outra. Mas o boi, o campo aberto, o convite ao galope, a voragem, tem nele elementos de profundo contato com a terra que Guimarães Rosa transfigurou. Na verdade, há ainda algo mais em comum entre Guimarães e Espíndola. No Grande Sertão, o tema fáustico introduz a componente satânica; as Veredas às vezes levam pelo menos à tentação de um pacto diabólico. Nas composições de Espíndola há também algo de diabólico, que nos é dado através de indicações d e magia negra e de uma certa insistência sobre o fúnebro e o luto . O chifre do boi é uma quase feitiçaria. A paisagem do planalto que Humberto Espíndola nos dá muitas vezes apresenta-se calcinada como que por fatores malignos. Espíndola os identifica, parece, com males sociais; mas não de maneira primária e superficial. Ele reserva-se sempre um elemento de mistério, um imponderável, uma pergunta crítica que vai além do óbvio, para situar-se quase em um terreno metafísico, quase em um território existencial. 
Fidelidade 
Recusando-se a efeito literal e imediato, mas ao mesmo tempo apaixonado por todo um ambiente muito concreto e bem definido, Espíndola torna-se o retratista mais fiel de sua cena. Seus registros, ao mesmo tempo muito pessoais e muito objetivos, não se encontram afetados por modismos. Sombrios em seu mistério, são, entretanto, arejados. Indicam a vastidão do planalto, a possibilidade de aventuras livres. Bem poucos artistas nacionais jovens definem uma curiosidade tão grande acerca de seu futuro quanto Humberto Espíndola. Assim sendo, é natural a expectativa em torno da nova mostra que quinta feira será inaugurada na Galeria Ipanema. Ela certamente marcará um ponto bem alto logo no início da temporada de 72. Devido talvez à reserva de seu temperamento, Espíndola tem sempre preferido comparecer a coletivas. O que veremos agora é apenas a sua segunda individual carioca. A justa consagração já recebida por Humberto Espíndola não o abala de seu Mato Grosso, nem mesmo para mostrar-se com maior frequência nos grandes centros culturais do país. Congratulamo-nos com o premio que lhe demos em 68, em Campinas, num júri com Schemberg, Amaral, Moraes, Geraldo Vieira, ao lado das bananas antropofágicas de Antônio Henrique Amaral. (Jayme Maurício – Correio da Manhã, 23-3-72).

NIOBE XANDÓ E SUAS TENDÊNCIAS DE SÍNTESE

Niobe Xandó, artista dos mundos fantásticos, inaugurou a 18 de abril exposição de seus trabalhos na Art Gallery of the Brazilian-American Culture Institute, em Washington, EUA.

A propósito desta mostra, José Neistein, nosso adido cultural na capital norte-americano, disse: 

“Autodidata, Niobe Xandó começou a pintar e a desenhar em conseqüência de uma necessidade premente de libertar-se de seus sonhos e pesadelos, dando-lhes forma. Nesse processo de objetivar sua subjetividade, algumas das vertentes primordiais, e que constitui o celeiro que se abastece de imagens, reaparece com maior constância máscaras de inspiração africana ou indígena e estruturas mecânicas. 

“Essa aparente contradição entre imagens tribais ancestrais e complicadas máquinas define o conteúdo de sua arte, que é ao mesmo tempo tentativa de síntese de dois mundos opostos, o rural arcaico e o urbano industrial, ambos exercendo igual fascínio sobre a artista, e constante fabricação de símbolos, cuja natureza mágica e incantatória desencadeiam as energias, disciplinando-as ao mesmo tempo. 

“No processo de configuração mágica, várias outras vertentes subjacentes se evidenciam: o impacto telúrico do emaranhado vegetal, a busca de segurança nas sólidas estruturações de tabas, aldeias ou cidades fantásticas. 

 “Seu mundo plástico reúne, portanto, coordenadas de esferas díspares, à primeira vista, mas que se articulam numa linguagem inconfundível nessa visão plástica. Tanto o mundo vegetal, como o animal, as máscaras e as máquinas, as aldeias e as cidades, corporificam, cada qual a seu modo, as forças irracionais e as forças contidas, racionalizadoras; os mistérios amorfos, inquietantes, indefinidos, e as estruturas claras, funcionais; medo e a coragem, a angústia e a segurança, na experiência arcaica como na experiência moderna. 

“Esse jogo de opostos reflete-se também nos aspectos estritamente técnicos e formais, onde recursos primitivos e ingênuos coexistem com os sofisticados e autoconscientes. Em algumas telas o espaço é explorado em toda a sua complexidade, quando é notória a busca de unidade e integração de todos os fatores componentes. Em outras, a fragmentação do espaço apresenta compartimentos, que servem de nichos para imagens individuais e isoladas, ás vezes de interação, outras vezes sem qualquer relacionamento aparente. 

“Quando suas telas são monocromáticas, alternadas com o branco, elas não se diferenciam substancialmente dos desenhos, sendo o resultado freqüentemente gráfico, mas também próximo dos tecidos e das tapeçarias bidimensionais, sem contrastes de texturas. Intelectualmente, são descritivos e sublinham as qualidades lineares das imagens. Emocionalmente, são sóbrias, rigorosas, austeras. 

“Quando, porém, faz uso da cor, explora texturas, atinge o volume, preocupa-se com o ritmo, varia a composição: é pictórica. Dá rédeas à imaginação, fértil e solta. Afasta-se da descrição, vira festiva, inquieta, dionisíaca. É quando junta o Céu e a Terra, o angelical e o demoníaco, o fiel e o ímpio, a vida e a morte, o sagrado e o profano. 

MÍTICA E MÍSTICA NIOBE 

Na Azulão, da artista/marchand Sofia Tassinari (foi aluna de Anita Malfatti), Kaminagai, Mabe e Niobe Xandó são os destaques. 

Logo se vê, que Niobe subverte com suas pinturas, colagens e múltiplos, como sensitiva que é, multiculturalista, simbólico-religiosa, de inspirações variadas, como a arte africana, pré-colombiana e até a pintura temática e sofrida dos internatos no Juqueri. 

Muitas vezes vai visitá-los, sua doce figura, recebendo as lições do psicólogo Osório Cesar, diretor do Instituto, (segundo marido de Tarsila do Amaral, com quem viajou para a Rússia - 1929/1931).

Uma arte fantástica, que surpreende a todos - nanquim, papel, colagem, pintura, panos e rendas, serigrafias. 

Viveu no interior, em S. Paulo, Rio, Bahia, Iugoslávia, já casada - participou de centenas de mostras, ganhou prêmios e louvores, participou do abstracionismo geométrico e do concretismo e “até do dadaísmo”, completa sua filha Lourdes Xandó Rosa. 

Para uma coletiva no Museu Afro-Brasileiro, este repórter fez esta apresentação para Niobe Xandó e se desculpa, de novo, pelo entusiasmo pela pintura, “coisas da alma”, acho. 

Niobe Xandó é uma sensitiva intimista, caso para-único na arte brasileira e capaz de fluir e registrar, em seus trabalhos, co sentimento criativo, a busca espiritual, a magia transcendental, de que é possuída. Acho que Niobe representa, assim, com sabedoria e melhormente, o meio sócio-cultural brasileiro, acima da arte ínsita, bruta, popular e folclórica. 

O espaço que a 1ª Bienal Latino-Americana abre a Niobe faz justiça, pois, a uma artista paciente, séria, e altamente dotada, dona de técnica igualmente correta e variada temática onde os signos têm significado real, dentro da inspiração afro/indígena que capta em sua alma. Finalmente: mulher-gente, Niobe alcança plenitude na terra, por sua capacidade terna de sentir e doar, afetuosa e humana, grande amorosa que é. 

NIOBE: mostra é tomada de consciência 

Niobe Xandó, paulista de Campos Novos do Paranapanema, autodidata, artista ligada em sua primeira fase à nossa imaginária, expõe 3 telas religiosas/populares na mostrado Paço das Artes. 

– “São meus Santo Onofre, Cosme e Damião e São Lázaro”, pintados com sua técnica pura e cores ingênuas, lembrando o Volpi, “do quarenta”. 

– A inciativa de Lourdes Cedram – diz ela – é importante; não me lembro de exposição desse gênero no Brasil. Ainda mais numa época em que a religião é algo íntimo e pessoal que transcende e até confunde cada um. Por isso é do interesse essa mostra, que justamente faz o público tomar consciência, discutir os problemas dos artistas, gente sensível que, no íntimo, procura uma palavra de ajuda para as suas inquietações. 

Niobe confessa: 

– De minha parte, deixei a arte dos santos, ou santeira, há muito santos. De santos, passei a outro estilo, outras formas, outra maneira de sentir. Mas, os santos, nunca me abandonaram e sempre desejo voltar a pintá-los. A sensação de textura e amizade que sinto pelos homens sofredores do campo, por exemplo, é que me levou a pintar santos, no início de minha carreira. Minha arte atual, contudo, é mais ligada à pesquisa e à simbologia das palavras. 

A artista, muitas vezes premiada, mas que se recusa a uma participação mais grupal, ou política nas artes, o que a leva a não ter alcançado, até hoje, o renome que sua arte consciente e de alto valor merece, termina: 

 – Esta exposição do Paço vai despertar muita curiosidade. O que os artistas fazem está nas galerias e museus. Mas, os santeiros não tinham oportunidade de expor numa grande cidade, num centro cultural como este. A oportunidade é única e o nosso público deve ir ver como é bela e rica a arte dos santeiros brasileiros. É uma exposição que traz uma mensagem, da devoção e da fé. E ainda mais, pelo seu sentido didático-cultural, seu âmbito nacional.”

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CICCILLO


A Bienal é um marco de paz e de confraternização entre os povos. 

– O que acha da representação brasileira nesta Bienal? 
– Muito boa, o resultado assimilado dos movimentos das outras. 

– E o público, como tem reagido às Bienais? – Muito bem, aumenta de ano para ano. 

– E os jovens? 
– É para eles, principalmente, que as bienais são feitas. Tem colégios e universidades que comparecem em peso às Bienais. 

– Vai deixar, afinal, depois de 20 anos, a presidência da Fundação Bienal? 
– Cosa o fato... Os jornais me entenderam mal. Estou com 73 anos, poderia deixar para outro... 

– Aposto que já pena na décima segunda Bienal... 
– Sim, sim, sim... Talvez o Cícero Dias traga de Paris a retrospectiva do Kandinski... Bene, ciao. 

Francisco Matarazzo Sobrinho corta a conversa. Roupas largas, óculos de aro de tartaruga, a famosa bengala, nó grande na gravata do termo cinza. Pega a volumosa pasta de couro, que carrega dia-inteiro por toda S. Paulo, sem esquecê-la em lugar algum, e dirige-se ao elevador. Ele mora só, no 22º andar dum prédio nobre na Avenida Paulista. Passa pelo telefone, lembra-se de um recado para um amigo. Uma das manias de Ciccillo – onde quer que vá, procura o telefone, tira um caderninho do bolso, liga para este ou aquele, dá ordens – às vezes não dá recado algum, mas telefonou. 

– O melhor patrão que tive na minha vida. Estou com o “seu” Matarazzo há 40 anos. Tenho setenta, não vou deixá-lo nunca – é a camareira-governanta Luisa Golias quem fala. Ela cuida dele como se “Ciccillo” fosse casado com cinco mulheres. Também, já foi três vezes à Itália, como prêmio. “Ciccillo” acordou às 6 da manhã. Tomou chá e comeu duas maçãs. Leu os jornais matutinos principais de São Paulo. Às sete e meia já está vestido e de gravata, esperando o secretário, o Neco (Manoel Esteves da Cunha Júnior). Ele chega, “Ciccillo” repete uma velha pergunta, gosta de perguntar assim: 
– Qual é o problema? 

Na Metalúrgica Matarazzo, chega pontualmente às 8 e pouco. Apesar do “staff” ali organizado e a direção eficiente dos irmãos e dos sobrinhos, “Ciccillo” parece sempre um dos primeiros e mais pontuais “boys” da grande firma (a maior do Brasil, em produção de latas). Sobe ao 7º andar, vau saber as novidades e os problemas administrativos. Ouve e é ouvido. O respeito por aquele chefe simples e bom, capaz de dar sempre a melhor e mais elevada sugestão, é evidente. “Ciccillo” desce ao 5º andar, onde tem o gabinete de empresário. Agora, está pendurado de novo ao telefone. 

– José Humberto, quero que você convide todos os críticos da Bienal para um almoço, amanhã lá em casa. Todos, hein!? 

Os almoços de “Ciccillo”... Ele sempre os organiza por grupos de amigos, de pessoas com interesses comuns: de literatos, de artistas, de arquitetos, do pessoal de Ubatuba, dos amigos. Com a turma de Luiz Lopes Coelho o cardápio é sempre fuzzili, cabrito e vinho tinto “Vezuvino”, de Castelabate, terra da família Matarazzo. Ele ri à larga das brincadeiras dos amigos... que fazem troça de sua deselegância folgazã, da tela acadêmica da sala do almoço... dos seus cochilos quando assiste a uma palestra chata... Aos sábados, “Ciccillo” almoça rigorosamente com Yan de Almeida Prado, na casa deste, e gosta de encontrar outros amigos fraternos, como Frei Benevenuto de Santa Cruz, Maurício Verdier, tantos outros, milhares. Mas, sempre, de regime, à base da maçãzinha. E nunca se senta à mesa onde haja 13 pessoas. 

No Brás, apitam as fábricas, são 11 horas. Este ano é ano da Bienal, ele apanha seu Dodge, senta-se ao lado do motorista (um velho hábito) e toca para o Ibirapuera. Cumprimenta os porteiros, fala com Geraldo Ferraz, responde a Di Prete, atende Edoardo Bizzari. Vai direto à telefonista: – Alguém telefonou? 

Na sala de Mário Wilches, jornalista que colocou na direção técnica, este ano, da Bienal, inteira-se dos fatos acontecidos, dos maiores problemas. Dá respostas e ordens. Não hesite, pede explicações. Com Heitor Garcia, diretor administrativo, que está com ele desde a primeira Bienal, o mesmo. Quer saber se os quadros do Peru, da Venezuela, tiveram algum problema com a alfândega. 

– O “seu” Matarazzo é uma criatura única, não briga com ninguém, atende a todos indistintamente, dor porteiro ao embaixador, diz Heitor. Não humilha e não deixa ninguém à sua frente ser humilhado. Ajuda anonimamente a centenas de pessoas. Não gosta de recepções, nem de bota-foras, nem de homenagens. Atribui sempre aos outros o sucesso que alcança. Mas, também, passa por cima de tudo, das próprias conveniências, da família, dos amigos, de tudo, pela Bienal. “Ciccillo” está ouvindo pacientemente uma jovem. É do Mackenzie, quer passe-livre para todos os mackenzistas nesta Bienal. “Claro, a bienal é de vocês”. Lá esta a Baby, sua sobrinha, para dar a permanente. Nesta Bienal, o custo elevou-se a quase um bilhão de cruzeiros velhos. Os governos federal e estadual não chegaram aos 700 milhões de auxílio. O resto saiu generosamente do bolso de Francisco Matarazzo Sobrinho. 

É “Ciccillo” telefonando: 
– O ministro Passarinho confirmou a presença? Ótimo. Ótimo. Va bene. 

Às seis, seis e meia, a volta à casa. Lê agora dois matutinos do Rio. Na mesa, livros sobre todos os assuntos. Sua biblioteca foi doada à Universidade – mais de 10 mil volumes – mas forma outra – livros de ciência espacial, artes visuais, literatura, arquitetura, de bichos e pássaros, especialmente. 

Quando prefeito de Ubatuba, onde fez uma administração revolucionária em todos os sentidos, quis organizar o projeto aviário do Brasil. Tem todos os livros, mais de 200, em várias línguas, sobre S. Francisco de Assis. Tem adoração pelo santo de seu nome. Acima de sua cama, uma imagem popular, de Cristo, de artista anônimo, parecendo arte “pop”. Num canto da mesa, o jogo de paciência – que faz sozinho, nos fins de semana – mas, se a campainha toca, é um amigo, guarda-o, depressa, na gaveta. 

São, agora, sete da noite, e “Ciccillo” comeu um lanche rápido – mais duas maçãs, é claro. Saiu até a galeria “Azulão”, quer prestigiar Sofia Tassinari, que organizou a Noite da Paleta, beneficente. Cumprimenta todos, já quer sair. Vira-se para a amiga íntima: – Vamos ao cinema? Tem filme de cow-boy. No cinema diverte-se se tem muito índio e há muita flechada. Ri e descansa, então, o formidável realizador das Bienais, do TBC, da Vera Cruz, da Cinemateca, do IV Centenário, do Museu de Arte Contemporânea, do Museu de Arte Moderna (a intenção dele era fundar uma galeria de arte moderna, em S. Paulo, em 1949, mas Rockfeller doou uns quadros, o assunto precipitou-se, então “Ciccillo”, Tarsila, Nonê e Almeida Salles criaram o Museu de Arte Moderna – uma história a ser contada devidamente, ainda). 

Nos fins de semana, visita os amigos, não perde missa na Capela do velho Cemitério da Consolação. Às vezes vai ver aquela freira que o orienta nas inquietações do espírito. Afinal, “Ciccillo” é muito religioso. Às 11 da noite está deitado, lê uns 40 minutos. Durante o dia colecionou muitos recortes – leva uma tesourinha na pasta preta – é hora de saber de tudo. Um inquieto, sempre, um reformador, todos os dias, um insatisfeito consigo próprio, por isso tão criador, tão tímido em ação permanente, um franciscano no meio social, o d’Artagnan do bom combate, o amigo que se dá por inteiro aos amigos, o experiente industrial, o brasileiro – com Pelé – mais conhecido no exterior, embaixador e ministro de todas as artes. Dorme ele agora, afinal. Francisco Matarazzo Sobrinho. O bom e franciscano “Ciccillo”. 

As bienais segundo seu criador 
Fundado o Museu de Arte Moderna de São Paulo, tornava-se imperativo um encontro internacional periódico de Artes Plásticas em nossa Capital. A I Bienal é a concretização desse objetivo evidencia que São Paulo e o Brasil estão à altura de promover com êxito, dois em dois anos este Festival Internacional de Arte. É feliz coincidência o fato da I Bienal, inaugurada neste ano, permitir que a segunda se realize por ocasião do IV Centenário da Fundação da Cidade. 

Desde o primeiro instante foi pressentida a ousadia do empreendimento, a necessidade de uma vasta colaboração, as dificuldades que teriam de ser vencidas e os erros inevitáveis de uma primeira experiência. Mas, na verdade, dada a compreensão dos Poderes Públicos e Privados, por uma grande conjunção de esforços por parte de todos que organizaram a exposição, por uma entusiasta colaboração dos artistas, intelectuais e jornalistas brasileiros, e dos governos das nações amigas que se fizeram representar, a efetivação da I Bienal foi além de qualquer expectativa. 

Devemos, pois, em primeiro lugar, agradecer muito sinceramente o trabalho e a dedicada colaboração de todos aqueles que, desde o início, deram à I Bienal o melhor de seus esforços e de sua boa vontade. Do trabalho comum todos poderão verificar o resultado. Assim, tudo contribuiu para que, nesta primeira grande manifestação artística do Brasil, pudéssemos ter uma consciência maior e mais explícita dos valores artísticos nacionais em confronto com as grandes realizações artísticas de outros países. Uma expressão do espírito humano só atinge seu ponto de plenitude – e para a arte, isto é da máxima importância – quando encontra projeção e eco, correspondência e compreensão em outros homens, povos. A ideia inspiradora e animadora de todo o esforço do Museu de Arte Moderna de S. Paulo consistiu em concorrer para que se realizasse em nosso meio essa expressiva manifestação de alta cordialidade humana. 
(Francisco Matarazzo Sobrinho, “Apresentação”, catálogo da Bienal, out a dez de 1951). 

Inscreve-se no pórtico desta Pré-Bienal de São Paulo. Primeiramente, o nosso agradecimento à presença dos artistas que do extremo sul ao extremo norte do Brasil deram sua adesão a estra idéia. Antes dessa experiência, nada foi feito que se parecesse com essa verdadeira mobilização nacional que tentamos. O panorama buscado através de todo o imenso território nacional está aqui, naturalmente oferecendo deficiências e falhas que foram principalmente nossas – pois não pudemos bater de porta em porta e levar nossa convocação todos os recantos. Nem ainda mais debater razões de ausência ou de indiferença à iniciativa, que por si só nos afigura bastante a despertar o interesse e a participação. 

No entanto, temos o panorama, e se dos que deveriam compô-lo nem todos souberam que havia aqui um lugar para o seu trabalho, é com esse panorama que se nos oferece a oportunidade de uma tomada de contato com a realidade brasileira atual. 

Esta oportunidade em nosso pensamento único e exclusivo visava a constituir um critério para a escolha da representação nacional à XI Bienal de São Paulo. Então, estamos no dever de receber esta contribuição, e procurar ardentemente através dela chegar a um resultado positivo, construtivo e relativamente justo. Todos os que concordaram em trabalhar nesta oportunidade não desejam outro prêmio para seu esforço, isenção e vigílias. Aos governadores, os nossos agradecimentos pelo grande empenho em seus Estados a fim de que pudesse ser dado esse primeiro passo decisivo no campo da integração das artes visuais em nosso país. 

Agradecemos ainda aos que, com seu conselho e sugestão, encaminharam muitos dos artistas que aqui se reúnem. Temos fé na causa que nos inspirou e tudo faremos para que chegue ao termo este trabalho comum que se situa acima de regionalismos e de restrições. 
(Francisco Matarazzo Sobrinho, “Apresentação”, catálogo da Pré-Bienal de São Paulo, setembro-outubro de 1970).

GRACIANO

A arte brasileira está valorizando como as ações no mercado de valores, diz o caipirão simpático de Araras. Caladão contemplativo da Barra do Saí, mestre da pintura humanística, figurante da Família Artística Paulista

Introspectivo, andarilho parisiense, amigão dos amigos do Pepe’s, do Clubinho e do bar do Museu de Arte Moderna, diretor dinâmico da Pinacoteca do Estado. Foi difícil alcançar o antiloquaz Clóvis Graciano na cidade-grande, mas o grande plástico não se furta ao diálogo com “A Tribuna”. Sorve devagar seu legítimo uísque rótulo preto e completa: 

Ela, a arte, vem subindo. Está valorizando pintores que devem ser valorizados pelo seu valor. Se se paga hoje 70 mil por um Di Cavalcanti, é que essa tela de Di vale esse preço: Portinari já teve um quadro vendido por 120 mil. Então, esse quadro “valia” esse preço; o comércio em arte é chato, nada poético, mas válido. E o artista só tem a se valorizar com, isso, se é realmente valorizável. 

 Mas as tendências... 

“... todas as tendências, meu caro, - corta Graciano – são autênticas, se existem, pois a pintura é o resultado do meio social ambiente. Agora, se elas vão subsistir, vão focar, ou não, isso não compete a nós julgarmos – seja ela primitiva, figurativa, abstrata, mágica, surrealista, concreta ou cinética... E a geração que virá depois de nós é que vai julgar-nos. Daí, também a importância da formação cultural e artística dos jovens de hoje.

Graciano está oferecendo, com sua mulher aparecida (nascida em Araúja, Portugal), mestra da grande cozinha, aliás, um jantar requintado em sua casa. As paredes da entrada, salas, corredores, todas ocupadas com ex-votos e centenas de quadros arrumados a olho – e só pintura brasileira. Em sua casa de praia do Saí, só tem primitivos, gênero que prestigia. Embora abomine os imitadores ou “exploradores dos primitivos”. Tem dois filhos: Paulo Sérgio, que foi assessor de Delfim Neto e hoje reside em Nova Iorque, dirigindo filiar brasileira de companhia de café solúvel e José Roberto, arquiteto. Ambos casados. Paulo Sérgio e Marília, ela neta de Oswald de Andrade, já lhe deram uma netinha. Mariana. Clóvis brinca: 

Essa menina vai virar notícia. É neta de Oswald de Andrade e Clóvis Graciano... 

Como são suas pescarias no litoral?

Antes eu pescava com isca, etc. Depois passei a apenas colocar o anzol na água, sem isca, para ficar matutando... Agora, estou descobrindo verdadeiramente o mar. Vou ao litoral nos fins de semana, mas não só para descansar, tomar sol e caipirinhas, como para pintar minhas marinhas. Ele diz “minhas marinhas” – que são só seis por enquanto – com gosto. Presentemente estão expostas na “Cosme Velho” e a esta altura vendidas a bom preço. 


Há 12 anos vejo o mar, só agora entendo o mar”, diz Graciano, “pintor humanista” no dizer de seus amigos, retratador de figuras do povo, gente humilde, músicos, artistas circenses, vendedores de passarinhos. São 22 horas e Graciano está inteiro. Acordou às quatro da manhã, foi para o ateliê, junto ao seu apartamento, no bairro nobre de Higienópolis. Pintou até às sete e meia – hora do café e da leitura dos jornais que assina e lê, cuidadosamente. “Depois fui tocando o dia. Estive em Itu para tratar duma mostra da Pinacoteca. Voltei. Estive no Pepe’s, onde vou religiosamente marcar o ponto com os amigos: Almeida Salles, Delmiro, Américo Marques da Costa. Ronaldo Cunha Bueno. Lívio Xavier. Aldemir Martins e outros. 

Acho muito importante esse papo diário, para a gente se inteirar das fofocas, dos fatos novos... Não acredito em artista segregado. 

Mas a hora do almoço é hora da família e às 13,30 h estava em casa. Comi carne seca desfiada – que adoro – com farofa. Ontem, um camarão ensopado que estava uma delícia, e lá se foi a minha dieta de sal e de gorduras. Assim vou driblando meu regime, ao qual sou absolutamente infiel, enquanto espero emagrecer para encomendar uma roupa nova... 

Depois, o descanso de 30 minutos. Às duas e meia, estava no casarão – “fin de siècle”? “barroco”? “belle époque”? “romano”? – da Pinacoteca, que dirige. Ali, faz questão de dizer que completa a obra de restauração iniciada por Delmiro Gonçalves, no /governo Abreu Sodré. 

“A verdade é essa, e a verdade tem de ser dita sempre. 

Tenciona recompor o acervo de três mil e duzentas telas, adicionando novos quadros de pintores contemporâneos. Vai levar a arte a o povo, ao Interior, aos bairros, às fábricas. “A museologia mudou muito de uns tempos para cá. Se o povo não vai à arte, a arte deve ir ao povo” – diz num entusiasmo tão jovem para o maduro diretor de 64 anos. Fala de Almeida Júnior, que “entendeu o nacionalismo” dos méritos de Portinari e de Segall, de Tarsila, “nossa grande pintora” e que, inclusive, dirigia a Pinacoteca quando lead oi fechada em 1930, pela intervenção federal. 

Entre cinco e seis horas volto à casa, tomo uns drinques, leio os jornais do Rio, espero os convidados para jantar, sempre amigos da família, críticos, pintora, irmãos. Gosto de comer então um único prato, forte, e tomar vinhos franceses, o “côte du Rohne”, tinto, ou “Roger Danjou”, rose. O uísque é geralmente de rótulo preto. 

Os tempos de Paris influíram em seu comportamento, em sua pintura? 

Graciano ganhou o prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão Nacional de Belas-Artes, em 1948. Ficou dois anos em Paris. No primeiro, só viajando: pela França, Itália, Bélgica, Holanda. 

Claro. Foi um tempo em que adquiri vivência, sem perder meus ares de caipira da roça... Conheci pintores e intelectuais, fiz amigos para toda a vida. Henry Miller, Jorge Amado, Scliar, Novaes Teixeira, Ferreira de Castro; fiz um curso no Louvre. Conheci em seu todo a arte contemporânea e a problemática de nossa época. 

O Flautista

Quantas telas já pintou? 

Sei lá. Pintei e desenhei a vida inteira, desde os tempos de mocinho, quando esta telegrafista da Sorocabana... 

Prefere o desenho ou a pintura? 

Os dois. Mas o desenho é a minha verdadeira linguagem. Comecei com o desenho e nunca o abandonei. Deixei um pouco as ilustrações de livros por tomar muito tempo. Obrigado a seguir o roteiro literário o artista se perde. Por isso deixei de ilustrar. 

Graciano recorda os livros de Jorge Amado que ilustrou inclusive as capas. Hoje, acha que não teria mais sentido ilustrar reedições. Jorge Amado tem convidado para isso a Caribê – que vive na Bahia – e “sente” mais as ilustrações além de jovens pintores locais, no que concorda inteiramente. 

E o mural, por que o deixou? 

Não o deixei. Já fiz mais de 120 em grandes prédios e em edifícios conhecidos. Estudei muito a arte muralista, e as críticas que me fazem, de retratar pessoas em certos murais, não procede. Já se fazia isso na idade média. Esses apressados criticam as figuras de olhos claros dos bandeirantes de certo painel que fiz, esquecendo que estudei i assunto a fundo. Mas os elogios foram muito maiores. E respondo a pergunta: antes, era mais um pintos de painéis, de murais e passei a me dedicar quase exclusivamente à pintura. Mas no painel me realizei muitas vezes. Dei agilidade ao meu desempenho, suas técnicas de execução. 

Graciano retorna à França. Meu negócio é a figura, que nunca abandonei, confessa. Conta passagens da viagem de navio, histórias dos filhos, então meninos, dos tempos do “Hotel Venezia”, das línguas que aprendeu: inglês, francês, espanhol, italiano. Ele que é filho de um imigrante, que se fixou no Paraná e que morreu antes do artista nascer, fala de seu avô, de Roma, primo do marechal Gracione, que conquistou a parte da África para Mussolini. O telefone toca, a campainha soa, os amigos chegam. Graciano é uma figura caipira e nobre, simples e refinada, calada e humana, quieta e solícita, enfim, um “corujão” como lhe chamam somente os íntimos. Atende. É Francisco Luís Almeida Salles, um de seus melhores amigos. 

Mesmo quieto comunica-se. Mais por seus atos que por suas palavras. Seus gestos são sempre certos, carregados de doações, de bondade, de cordialidade e de seu humanismo exemplar”

Graciano, o sucesso o atrai? 

Não. Nunca me atraiu. Sou o que sou. Fiz e faço o que sempre quero. 

Clovis Graciano deita-se cedo não havendo convidados em casa. Nas paredes, suas telas, o tocador de flauta, os bailarinos e os bêbados e o menino listrado com o pistão estourando de arrebentar. Descansa, então, o menino Clóvis Graciano, que tomava o trem em sua terra para ver o circo do Piolim, em Jundiaí. O jovem adolescente, corneteiro do Batalhão de Escoteiros de Casa Branca, nos idos de 20-22. O molequinho, amigo dos músicos e das serestas, “das tristes bandinhas improvisadas do interior”, como disse Rubem Braga. 26/9/71.

Três figuras (guache)


CLÓVIS GRACIANO Nasceu em Araras (SP) e passou a infância na cidade de Leme, onde fez o curso primário, ao mesmo tempo em que era picador de carvão numa oficina, passando depois a ajudante de pintor de troles e carroças. 1927 – Entra para a Estrada de Ferro sorocabana, como pintor ambulante de postes, porteiras e tabuletas, morando num vagão que percorreu quase todas as estações daquela via férrea. 1930 – Começa a desenhar e, através dos jornais e revistas estrangeiras, põe-se a par do movimento de renovação artística. Nesse mesmo ano, inscreve-se num concurso para cargo público federal, que se realiza em Goiás (antiga capital do estado de Goiás); é aprovado e nomeado para S. Paulo, vindo a ser demitido alguns anos depois, por abandono do emprego. 

1934/1935 – Faz suas primeiras pinturas a aquarela e a óleo. Frequenta, então, o ateliê do pintor Valdemar da Costa e o curso livre de desenho da Escola Paulista de Belas Artes. 1937 – Instala-se no Edifício Santa Helena, juntamente com Rebolo, Bonadei, Volpi, Pennacchi, Rosa, Martins, Zaninni e Rissotti, constituindo-se no mais tarde chamado "Grupo Santa Helena”, que trabalhou e movimentou bastante o meio artístico da Capital Nesse mesmo ano, expõe seus quadros pela primeira vez, no III Salão do Sindicato dos Artistas Plásticos e no I Salão da Família Artística Paulista, da qual foi um dos fundadores e seu terceiro e último presidente. Daí em diante, expõe em quase todos os salões coletivos de São Paulo, do rio de Janeiro e de outras cidades importantes do país. 1942 – 1º prêmio no concurso de desenho promovido pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em São Paulo. Obteve, também, Menção Honrosa no II Salão Oficial de Porto Alegre. 1947 – Conquista o 1º prêmio no Concurso de cenários e Vestimentas para Teatro, promovido pelo Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, de São Paulo. 1948 – Conquista o “Premio de Viagem ao Exterior”, do Salão Nacional do Rio de Janeiro e, em 1949, segue para a Europa, regressando em 1951. Além das exposições em várias cidades do Brasil, participou, no exterior, de exposições em Paris, Londres, Moscou, Praga, Varsóvia, Buenos Aires, Montevideo, Santiago e Viña del Mar. Dedicou-se muito tempo à cenografia e costumes para teatro e balé, trabalhando para o Grupo de Teatro Experimental, Grupo Universitário e Teatro e Teatro Brasileiro de Comédia, executando decorações e vestimentas para peças de Gil Vicente, Molière, Shakespeare, Tennesse Williams, Alfredo Mesquita, Mário Nême e Abílio Pereira de Almeida. A partir de 1950, dedica-se muito também à pintura mural, executando em São Paulo e outras cidades cerca de 120 painéis, figurando em muitos deles temas da história de São Paulo, como é o caso dos que figuram no Edifício do jornal “O Estado de São Paulo”, na entrada da Sede Social do Jóquei clube, em vários estabelecimentos bancários, bem como em alguns recentes (1968-69), na Avenida Rubem Berta e no Palácio Anchieta, da Câmara Municipal de São Paulo. 

A Família Artística Paulista 
...E eram da família: Alfredo Volpi, Rebolo Gonzales, Fúlvio Pennachi, Humberto Rosa, Aldo Bonadei, Mário Zanini, Paulo Rossi Osir, Manoel Martins, Victorio Gobbis, Joaquim Figueira, Waldemar da Costa, Clóvis Graciano, Hugo Adami e Arthur Krug... Participar desse grupo era mais uma questão de solidariedade no trabalho do que de especulações “estéticas”... (FLÁVIO MOTTA) 

... Nada tinha na intenção de revolucionário. Nem se poderia, tampouco, rotular de passadista. Pensava em realizar uma arte contemporânea, que se prevalecesse das lições do passado, ao invés de com ele romper. (PAULO MENDES DE ALMEIDA)

... Contemporaneamente, vários artistas de origem proletária e autodidatas de formação começavam a dura escalada. Alguns moravam no bairro do Cambuci, ao longo do muro das fábricas, distantes dos grupos e das rodas intelectuais que haviam promovido a revolução cultural, e que pertenciam a outros estratos sociais. (ARACI AMARAL – WALTER ZANINI) 

... Clóvis Graciano vem do grupo de pintores, que formou o núcleo principal e característico da Família Artística Paulista... Na descrição dos valores significativos da família, eu distingo dois elementos principais: os assuntos e uma consciência artesanal levando a uma técnica imperativa e até dogmática... Esta aspiração a elevar o nível de vida e a subir de classe é que marcou a expressão estética da Família Artística Paulista Clóvis Graciano é um pintor consciente, de uma coragem excepcional, de personalidade marcante... Sabe que a arte tem de servir e felizmente está com as coisas boas. Numa consciência. Tanto numa consciência pessoal como uma consciência de classe. E numa consciência de luta. Ele é o mais harmonioso consciente dos pintores da escola de São Paulo. – MÁRIO DE ANDRADE.