segunda-feira, 5 de junho de 2023

GERALDO DE BARROS

GERALDO DE BARROS: a imagem consumível dos “out-doors” 

Meu trabalho é baseado nos pôster como elemento de comunicação de massa. 

Eis como define sua atual exposição – 12 anos de pintura, 1964/1976 – no Museu de Arte Moderna de S. Paulo, o artista Geraldo de Barros, pioneiro do movimento concretista, que agora volta à ribalta do público, mostrando 35 trabalhos em que utiliza outdoors (posters) como elementos básicos de cada obra através de colagens ou pinturas. 

Geraldo de Barros (Xavantes, 1923) iniciou-se nas artes em 1945, tendo estudado com Clóvis Graciano, Colete Pujol e Takaoka. E, Paris, em 1951, estudou litografia e gravura. Premiado em 3 bienais, Geraldo de Barros, com Wesley Duke Lee e Nélson Leirner, formou o conhecido Grupo Rex – exposições de rua, heppenings, introdução a pop arte no Brasil – hoje dissolvido. Sempre participou de movimentos de vanguarda, em fotografias, cartazes, artes plásticas e “desing”. Nos idos de 50, com Frei João Batista, dominicano, fundou a Unilabor, cooperativa de trabalho, hoje convertida na conhecida “Hobjeto”. 

A atual mostra de Geraldo do Barros no MAM, com inauguração dia 19 último, em obtido sucesso de público. Radhá Abramo, que apresente Geraldo no bem elaborado catálogo, diz do artista: 

– “Um dia, há uns oito meses, Geraldo de Barros leva-me para seu sítio em São Roque. O verde do percurso desfaz as imagens gastas da cidade e à noite as conversas despertam lembranças. Quando sol, no dia seguinte, se planta no pico do céu, Geraldo de Barros arrasta grandes aglomerados coloridos de madeira do ateliê para o jardim e encosta-os às paredes externas da casa. A pintura dos quadros enormes completa a paisagem. São out-doors que deixaram de sê-lo. Lembram aquelas imagens gastas das cidades mas são vivas, parecem respirar e prontas a saltar do espaço que as retém. As gigantescas pinturas são ambíguas. O artista, complacente, pergunta: “o que é isso?” Livro-me de ser pega em flagrante crise de ignorância e ensaio a resposta: “Talvez seja a subversão da mensagem publicitária; penso, mas não falo, porque esta mensagem coloquial me obriga a tecer considerações amenas sobre o uso da foto e a eliminação da retícula impressa no out-door. Falar do que não se leu ou se ouviu de alguém reputado é ousadia; frequentemente falta-nos a coragem de errar em brasileiro. Sinto, porém que a pintura de Geraldo de Barros bole com a estrutura da linguagem, mas custa para que a palavra subversão – a palavra precisa – surja para designar o significado latente da expressão plástica do artista.”

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 – “Passados alguns meses, Geraldo de Barros me solicita a apresentação de sua mostra no MAM. Uma frase de Proust, citada por Carlos Lacerda no seu livro “A Casa de Meu Avô” me assalta: “O bom escritor é aquele que escreve com os olhos enxutos”. 

– Se não me bastasse a advertência do autor da “Recherche” lembro-me de outro crivado da objetividade brechtiana e que me recomenda o consciente distanciamento para o registro dos fatos. Acredito e até mesmo postulo essa postura ante a ocorrência geral de todas as coisas do universo. Imagino também que a errata da história da humanidade, se um dia escrito dentro de um procedimento brechtiano, desnude não a sua face oculta mas a que temos “insistido” em ver. Acredito. Mas que adestramento metabólico infalível seria preciso manter para o equilíbrio de uma postura crítica e para conservar os olhos enxutos diante da obra de um artista?

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– “A empatia, os estímulos sensoriais, a referência cultural, a engrenagem do sistema e a definição ideológica configuram-se na visão e no gosto do homem porque fazem parte da Gestalt humana. Assim, por mais que nos esforcemos na análise científica do objeto de arte, o que se produz é a versão subjetiva, pessoal e parcial da aparência sensível de tudo aquilo que se convencionou designar como realidade. 

– “Pois que nossos olhos sejam úmidos e que o mergulho marcado por todas as vicissitudes existenciais me facilitem apresentar o artista e sua criação”.

*** 

– “O artista usa a imagem consumível dos out doors e acima de tudo extrapola o sentido da mensagem original. Recupera a imagem do homem exposta e proposta como objeto de consumo. Frustra a trucagem publicitária e extirpa o subtexto destinado a despertar um estímulo e uma resposta. Depois que Geraldo de Barros toca um fragmento de out-door, a moça da Trevira reaparece jovial, descontraída, mais linda e doce que nunca; a outra, do cigarro Minister sorri mais livre. 

– “Como o artista é um homem solitário, só sabe criar quando estabelece uma relação com as pessoas. Por essa razão – simples e profunda demais – é que ele vem modificando, nestes doze anos, a imagem dirigida gratuitamente à massa anônima”. 

– “Cria um naturalismo sadio, mostra as pessoas como são, sem truques, sem demagogia. Humaniza a figura, restaurando-lhe a dignidade e despojando-a do supérfluo. Para isso, recorre ao velho instrumento da pintura e prova que as tintas sobre uma superfície são ainda fonte inesgotável de criação”. – “Geraldo de Barros subverte enfim a estrutura da linguagem publicitária, com a arte – porque não teme e sim deseja uma relação com o mundo”.

A TRIBUNA, 1º de maio de 1977.

OSWALD DE ANDRADE FILHO

OSWALD DE ANDRADE FILHO

Oswald de Andrade Filho não usa apenas o nome famoso que herdou. Aos cinquenta e poucos anos carrega já uma vida de muitas lutas e algumas vitórias. Escritor, folclorista, artista plástico, seus escritos, seus estudos e suas obras são todos peças sérias do melhor quilate. Nonê, como o chama o velho e famoso pai Oswald, quer agora criar o Museu de Artes e Técnicas do Mar “Renato Almeida”. No Guarujá, cujo turismo de alto nível poderia sustentar o Museu, que se destina a abrigar exemplares da fauna marinha, peças e instrumentos do homem do mar, habitações de pescadores, biblioteca especializada em assuntos marinhos, filmoteca e discoteca, um amplo restaurante turístico (com especialidade em peixes, ostras, siris, caranguejos, tartarugas do mar, etc.).

A Prefeitura do Guarujá já doou o terreno para o museu. O Governo do Estado, através do Conselho Estadual de Cultura, estuda a proposta de Oswald de Andrade Filho. E é ele mesmo quem explica sobre seu museu:

Há um homem do mar digno de homenagem: o nosso.

A costa do Brasil é imensa, imensas são as nossas praias, é nesse cenário que o nosso pescador nasce, vive e morre.

Não são poucas nem pequenas as lutas travadas de nosso país em defesa do imenso patrimônio marítimo, uma de nossas maiores riquezas. As indústrias pesqueiras multiplicam-se, tornam-se cada vez mais atualizadas, fazendo, aos poucos, desaparecer o velho e querido pescador primitivo, aquele que, no dizer de Dorival Caymmi, “não precisa dormir para sonhar”, aquele que vê o sol despontar no horizonte saindo, seja com sua jangada, saveiro ou canoa, que volta para o racho com o coração cheio de canções e de estórias que conta nas noites estreladas ao seu filho ou à sua namorada – Iemanjá, Alamoa, os monstros das profundezas que povoam a vida desses homens.

Homenagem

É esse homem que queremos homenagear, criando o Museu das Artes e Técnicas do Mar. Inicialmente será o trabalhador do mar que festejaremos, construindo um lugar em que seus instrumentos de trabalho possam ser conservados, guardados, protegidos, estudados; em que suas lendas, canções possam ser recolhidas e conhecidas por todos aqueles que queiram contar sua beleza, sua dor, sua alegria; onde elas possam ser estudadas artística ou cientificamente, e se conservar, para as futuras gerações, a sua imagem viva e heroica. E o que há de melhor para prestar essa homenagem do que um museu, um museu no qual as futuras gerações possam conhecer e sentir toda a sua vida, suas estórias, suas canções de amor ou desespero, sua religião, suas preces tão belas quanto a figura de Maupassant que, quando sua angústia ia diretamente ao coração de Deus, sem passar pela boca.

Depois, uma vez iniciada a viagem, ampliá-la-emos, sempre em direção maior, ao mais completo. Assim trabalharemos até transformarmos o Museu das Artes e Técnicas do Mar no grande Museu do Mar.

Local

Escolhemos Guarujá para localizar o Museu devido ao fato de ter aquela estância condições de sustentar uma organização como essa. Não somente a população local, mas também e principalmente o turista em baixa ou alta temporada tem poder aquisitivo e curiosidade suficientes para tornar o museu um dos pontos altos do turismo paulista.

Considerando, não somente a parte curiosa, mas também a parte do restaurante que será construído no edifício em lugar apropriado, assim como bar e piscina, no terraço, cremos que o museu não poderá ter melhor local do que Guarujá.

Sabemos que os frequentadores daquela cidade são apreciadores da boa cozinha, o que, certamente encontrarão nessa organização, pois ela será especializada em pratos do mar tratados da maneira mais requintada possível, o que auxiliará a manutenção do museu.

Despesas

Não tendo sido feitos estudos para a construção do museu, não poderíamos avaliar exatamente o custo da edificação. Temos, entretanto, que esclarecer que será necessário realizar-se um concurso para o projeto. O concurso será fechado (cinco arquitetos convidados), que realizarão os projetos apresentados a seguir ao júri, este composto de cinco elementos de reconhecida competência.

Para tanto será necessária uma verba especial e reduzida que custearia as primeiras providências.

Terreno

Dando grande demonstração de espírito de colaboração o então prefeito de Guarujá, Jaime Daige, atendendo a uma solicitação do FUMEST e do Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico Estadual cedeu um terreno em local magnificamente situado, com frente para uma pequena praça de onde se avista parte magnífica da cidade e da praia. Esse terreno situa-se em praça que, ajardinada, tornar-se-á um dos belos recantos da cidade.

O Museu

O Museu de Artes e Técnicas do Mar deverá, não somente apresentar o seu acervo no interior do edifício. O caráter sessa instituição já obriga os seus organizadores a colocar algumas de suas peças na parte externa e até ocupando a praia que fica em frente ao terreno. Somente assim teremos a possibilidade de dar vida e autenticidade à iniciativa. Essa parte inclui o aspecto turístico da realização que é dos mais importantes no caso.

1.       Será necessário ajardinar toda a praça em frente à qual o terreno se encontra para que, desde aí, o visitante posa encontrar-se em ambiente que prepare seu espírito para a visita que irá fazer no interior do edifício. Esse trabalho ficará a cargo de paisagista.

2.       Na praça serão colocados os diversos tipos de barcos do litoral, desde o norte até ao sul. Essas embarcações deverão estar sempre em perfeito estado e sob o cuidado de gente especializada que possa acompanhar turistas em passeios pelo mar. Não devemos esquecer-nos de que os passeios serão pagos, razão pela qual deveremos pensar num tipo de maneira de controlar a cobrança que deverá ser efetuada no local.

Safaris

Além desses passeios serão organizados safaris marítimos para possibilitar ao turista a realização de uma pesca bem orientada acompanhada por pescadores capacitados. Essa atividade também constituirá uma fonte de renda que em muito auxiliará a manutenção desse museu.

– Na praça ajardinada e preparada para esse fim, serão colocadas as diversas habitações praianas que serão construídas sob a orientação de elementos especializados; e conhecedores do assunto. Para tanto solicitamos das comissões de Folclore dos outros Estados, plantas e orientação indispensáveis para o bom êxito da iniciativa. Há como sabemos, diversos tipos de habitações e a sua presença é de grande efeito decorativo. Em alguns casos o plano deverá ser ampliado, pois, ao lado do rancho, existe às vezes, pequena construção de sapé na qual se guardam os instrumentos necessários tais como: covos, redes, cordas, etc.

– O interior dessas habitações deverá apresentar toda a vida cotidiana do homem do mar. Desde o seu amanhecer, seus primeiros passos, seus primeiros movimentos com sua família deverá ser mostrado por peças colocadas no rancho como se fossem habitados, incluindo-se, quando for o caso, altares de Iemanjá, mobiliário, cerâmica, fogão, panelas, etc. no interior dos pequenos ranchos onde os barcos serão abrigados estarão todos os objetos necessários para o trabalho.

Objetos

Passada esta parte estaremos entrando no edifício que será construído a fim de abrigar outros objetos de uso do homem do mar. Esta parte será estudada por museólogos e folcloristas. Os primeiros para que possamos dar arquitetos orientações sobre a organização do espaço. Os segundos para ter a certeza de possuirmos uma coleção de peças autênticas. Esta parte será dividida em painéis móveis que serão colocados segundo a necessidade de exposições que terão para enriquecer os ambientes, fotografias ampliadas ou outro qualquer elemento que auxilie a enriquecer o aspecto geral. Nesse local haverá um setor dedicado à realização onde ex-votos serão exibidos e apresentados conforme as necessidades.

Em ponto previamente estudado estará localizada a administração que funcionará independentemente do resto da exposição. Nesta parte haverá o gabinete do diretor geral, sala de espera, sala para o diretor museólogo.

O setor técnico dividir-se-á como segue: sala de pesquisa e oficina para reparos.

A biblioteca iria sendo formada conforme as possibilidades.

Assim também a discoteca que se comporia de coleções de fitas (pesquisas, levantamentos, conferências, etc.) e discos de músicas populares e eruditas inspiradas no homem do mar.

A filmoteca é outra divisão essencial para o bom funcionamento do museu. Nela estarão filmes sobre qualquer assunto do mar, assim como “slides” ou fotografias.

Para que tudo seja bem aproveitado, haverá um auditório aparelhado para a projeção de filmes e “slides”. Ali serão feitos simpósios, conferências e outras reuniões culturais.

Um dos elementos essenciais para que se possa efetuar um intercâmbio entre outras entidades, é um apartamento completo que possa hospedar cientistas que necessitam passar tempos estudando o homem do mar ou realizando algum trabalho sobre o assunto.

Restaurante

Em lugar apropriado será colocado um restaurante do qual duas paredes serão aquário que dará à sala grande beleza. Acima do restaurante haverá um grande terraço no qual poderá ser colocado um à beira de uma piscina que dará ao turista a possibilidade de descortinar o panorama que é dos mais lindos.

Coleta

Este é apenas um projeto, digo, anteprojeto. Temos a consciência das dificuldades que teremos que enfrentar por isso, poderemos realizar um trabalho por etapas iniciando-se modestamente na coleta de material até que se tenha atingido uma segurança econômica que nos permita desenvolver a ideia geral – concluiu Oswald de Andrade Filho.

A TRIBUNA, 11 de abril de 1971.

PERFIL

Alto, esguio, amorenado claro, cabelo esbranquiçando nas cãs, extremamente maneiroso e simples, educado e duma lhaneza que já não existe mais, Washington de Oliveira – “seu” Filhinho – é uma figura popular e importante de Ubatuba. Não há quem não o conheça, ou necessitou dele, nos últimos cinqüenta anos, seja turista ou ubatubense. 

Farmacêutico dedicado e humano, dirigiu por mais de cinqüenta anos a Farmácia do Filhinho, no Largo da Matriz, atendendo a uns e outros, indistintamente, de 12 a 16 horas por dia, sem descanso, sem férias, sem nunca negar ou falhar numa medicação. 

Durante cerca de duas décadas, quando Ubatuba não teve médico, oficial ou particular, Filhinho fez as vezes e de tudo no campo da medicina, que era sua vocação, mas que, por azares da vida, não pode estudar. 

Há dois anos o bravo combatente aposentou-se, e todos ficamos privados do “seu” Filhinho da Farmácia. A Câmara Municipal prestou-lhe então significativa homenagem, em nome da cidade reconhecida e de milhares – pode-se dizer, três gerações – de pessoas exemplarmente atendidas. Mas até hoje – pois o sangue do bem-servir ainda lhe corre nas veias – vemos “seu” Filhinho atender em sua casa, ao lado de D. Mocinha, casos urgentes e que aparentemente não têm solução: um espinho atravessado numa garganta, uma queimadura forte do sol, um anzol que entrou por inteiro na mão de um turista desavisado. Para tudo Filhinho tem remédio e alento, com sua sabedoria fora das bulas. 

Na política Washington de Oliveira também se destacou, como Prefeito Municipal em dois períodos, de 1936 e 1945. Basta que se diga que Filhinho foi Prefeito em épocas duras, quando Ubatuba estava quase abandonada,administrando com elevação e discernimento, saindo reconhecido e estimado pela população. Quando Francisco Matarazzo Sobrinho assumiu a Prefeitura, em 1965, foi com o apoio de Filhinho e de outros ubatubenses decepa que pode cumprir com visão histórica a sua gestão hoje por todos reconhecida. 

Homem associativo e afável deve-se a Filhinho, ainda, em Ubatuba, inúmeras iniciativas e apoio entusiasta a entidades cívicas e culturais: Câmara Municipal, Museu Hans Staden, Lions Clube e o novel Instituto Histórico e Geográfico são associações em que Filhinho pontifica e presta serviço, pois ele sempre soube dar e doar, dedicar e participar, servir sem servir-se. Filhinho é, antes de tudo, cidadão prestante, católico convicto, amigo dos amigos, chefe de numerosa e simpática família. 

Aos 71 anos, disposto como sempre, “seu” Filhinho não parou. Dedica-se mais à família, às viagens e às leituras. E não parou de escrever, fatos da vida antiga de Ubatuba, estórias da cidade, recordações e anotações, - não fora ele um observador atento, todos estes anos um partícepe destacado de muitos eventos. 

Assim, pouco escapou ao estudo e à perspicácia do jovem filho do Cel. Ernesto de Oliveira, que um dia subiu ao planalto para estudar na Escola de Farmácia de Pindamonhangaba; ao rapazinho que, voltando á sua terra, e antes de abrir a já agora célebre FARMÁCIA DO FILHINHO, foi Agente do Lloyd Brasileiro, escrivão de Polícia e professor de preparatórios. 

Filhinho aí está, felizmente, com seu livro de registro, lembrando coisas, colocando Ubatuba no devido lugar e respeito, recordando fatos, por exemplo, desde quando seu pai foi prefeito (primeiro prefeito da cidade) em 1908. Esse Filhinho, de avô francês, Jean Marie Giraud, que faz a gente pensar no fausto de Ubatuba, na época gorda do café, que do Vale do Paraíba aqui vinha para ser explorado, quando ninguém supunha tivesse a cidade o crescimento caótico e imprevisível de hoje. 

Filhinho não é um historiador, nem falso historiador. É tanto quanto isso, um contador autêntico, um registrador exato dos feitos de Ubatuba. Aí está, em seu livro, o acervo formidável de notícias da história ubatubense, de 1500 a 1937. Aguardemos agora o seu próximo trabalho, já em preparo, relatando episódios contemporâneos, que envolvem figuras maiores, como Felix Guizard Filho, Máximo de Moura Santos, Mariano Montessanti, Idalina Graça, Willy Aureli. Leão Machado, Ciccillo Matarazzo, Wladimir Piza, Gastão Madeira, Olindo Chiafarelli e tanto outros. 

Filhinho acha também que não é escritor. Não é, ou não seria, mas faz as vezes. Conta com graça e elegância a quem em moço lia os clássicos e falava francês. A este volume seguir-se-á “A FARMÁCIA DO FILHINHO”, e, façamos votos, mais alguns. 

Pudera cada cidade, como Ubatuba, ter um Washington de Oliveira, para que suas estórias, hoje dispersas, amanhã reunidas, se constituam na História que fica. 

Parabéns, e, em frente, “seu” Filhinho. 

Luiz Ernesto M. Kawall Sitio Sapé, Tenório – UBATUBA (Carnaval de 1977)
 
Este texto se encontra às fls. 9/11 do livro Ubatuba Documentário de Washington de Oliveira.

MADALENA, ALMA BOA DO SERTÃO

Desde que conheci Ubatuba, nos primeiros anos dos 50, descobri também que pessoas abnegadas cuidavam das gentes esquecidas e carentes da cidade e dos sertões inóspitos até Paraty. A cidade, na década de 50 ainda mantinha as características de uma pequena vila. O serviço de transportes era bastante incipiente, contando apenas com a velha estrada de rodagens até Taubaté, ainda com o mesmo traçado de mais de um século, a mesma que servia os tropeiros vindos do Vale do Paraíba. 

A principal via de transporte entre os caiçaras eram os caminhos do mar singrados por embarcações toscas, que num ir e vir atendia toda espécie de serviço, tanto os de cabotagem domiciliar quanto os do comércio do pescado. Eram traineiras, canoas de voga, impelidas por fortes pescador-remadores e uma grande quantidade de embarcações costeiras, transformando a foz do rio Grande de Ubatuba num constante ir e vir de pessoas e embarcações. 

Nesse aspecto merece destaque o trabalho realizado pelo padre João Bell, pároco de Ubatuba na década de 40, um alemão de aspecto forte, sangüíneo, muito saudável, que semanalmente saía no barco São Paulo, em serviço pastoral, partindo da Prainha, para chegar até a Almada, levando gêneros alimentícios e educação escolar com o transporte de professoras da rede municipal que serviam as comunidades caiçaras. Também socorria as famílias, levando assistência médica e social aos ermos dos sertões e praias distantes. Nessas visitas era recebido carinhosamente pelas populações esquecidas, praianos e sertanejos. 

Depois, conheci Virginia Lefevre, mulher admirável, que tinha casa de férias na praia do Itaguá. Radicando-se em Ubatuba desenvolveu logo, ao lado do seu ilustre marido, o engenheiro Waldemar Lefevre, trabalhos sociais ligados ao artesanato, higienização, educação e às ações de saneamento geral. As ações tiveram início no bairro do Itaguá. Em seguida, em toda a região a Ubatuba poderia se ver alguma intervenção de Virgínia Lefèvre. Em mais de 30 anos de atuação humanitária, Dª Virginia implantou as diretrizes de educação sanitária, tendo instalado até mais de mil fossas sanitárias no litoral norte, numa atuação exemplar que repercute até os dias atuais. Ao criar a SPES – Sociedade Pró-Educação e Saúde, deu um passo exemplar para que as questões ligadas à saúde, à educação escolar básica e ao sanitarismo das famílias caiçaras fossem encaradas em Ubatuba como ações de verdadeira responsabilidade social. 

Também na época que conheci Ubatuba, havia a ALA – Assistência ao Litoral de Anchieta – uma instituição católica comandada pelas Cônegas de Santo Agostinho, congregação de freiras fundada por madre Alix e com sede na Bélgica. Enquanto mantidas em Ubatuba, prestaram inestimáveis serviços na área da educação exclusivamente feminina, com regime de internato e externato bem como levavam assistência social a todos os pontos do município. Ali conheci, entre outras, a Irmã Inês, que posteriormente chegou a ser a superiora geral da congregação e a irmã Pedrina, superiora da congregação em Ubatuba. Entre outras freiras posso destacar a inesquecível irmã Maria da Glória, freira de notável cultura, que ministrava aulas de piano, canto orfeônico além de línguas estrangeiras, como o francês. Elas, as freiras, estavam em todos os lugares, vendo, assistindo, dando remédios e conforto aos carentes e às comunidades abandonadas. À época do prefeito Ciccillo Matarazzo as equipes da ALA se uniram às ações municipais para difundir e propagar a saúde em todo o município.

 Posteriormente, fruto dessa geração dos anos 40 e 50, surgiu no sertão do Ubatumirim a figura quase esquálida de Madalena dos Santos, filha de um pescador aposentado do Itaguá, Praxedes Mario de Oliveira e de Dª Ritinha, sua mulher. A jovem, de fala baixa e jeito simples de caiçara, foi trabalhar no posto médico do Ubatumirim, ao lado de Jorge, seu marido, marinheiro e plantador de bananas daquele sertão. 

Ali Madalena, a par de outros cursos que fez em São Paulo, Taubaté e outras cidades, num total de 30 (!), desenvolveu um tipo de trabalho pessoal, a começar em sua casa mesmo. Quantas vezes a vi na pequena saleta da casinha onde morava, atender moradores doentes, gente acidentada, mães grávidas, lavradores picados por cobras venenosas, “afogados” no rio Itamambuca,... etc, etc, a todos atendendo com carinho, e fazendo uso de sua imaginação de caiçara valente. Muitas vezes Madalena levava o pessoal, em casos mais graves, até Ubatuba, a 30 quilômetros do sertão, para uma consulta urgente com o dr. Juscelino, na cidade, ou com o dr. Chiaffarelli. O velho Chiaffa, como era tratado pelos amigos, antigo pediatra de São Paulo e fundador da moderna pediatria do Brasil., foi viver seus últimos anos em sua casa de praia nas Toninhas, ali atendendo aos mais necessitados, pobres e crianças, sempre de graça, até morrer, no início dos anos 80. Por proposta nossa seu nome foi dado ao Posto Médico do Ubatumirim, com o assente de Madalena – mas, depois de alguns anos, modificado por um prefeito eleiçoeiro qualquer. Coisas inexplicáveis que só explicam o que não carece explicação. 

Além do trabalho voltado para as lides da saúde, Madalena, como líder comunitária, desenvolveu também campanhas de alfabetização e incentivou o plantio de bananas, em especial com os bananicultores do sertão da região norte, de cuja associação foi defensora e presidente. 

 E seu trabalho continua na senda diária, ininterruptamente. Como mulher caiçara, esposa e mãe; como líder comunitária, orientando os caiçaras dos sertões e das praias, suas famílias, seus jovens, suas crianças. Pode até parecer trivialidade inventariar as inúmeras necessidades que ainda nos dias de hoje são vivenciadas pelos habitantes dos sertões e das praias distantes da região norte de Ubatuba. Mas não há como vencer esse estágio de carências múltiplas das populações distantes sem a atuação contínua e presencial de agentes verdadeiramente empenhados neste propósito como é o caso de Madalena de Oliveira. 

Luiz Ernesto Machado Kawall

24 horas no universo feérico de CARMEN PRUDENTE

- Senhor, ajudai-me a viver o dia de hoje. 

Carmen Prudente acordou às 7:15, fez a reza diária que um velho padre do sul lhe ensinou. Não dormiu muito bem, anda meio fatigada e preocupada, desde que Médici foi ao Hospital do Câncer. O presidente disse que dará um milhão inicial para a construção do Pavilhão nº 2. Mas, e os outros dezessete milhões necessários à obra? A Rede Feminina instalada em 183 municípios, as 174 voluntárias da Capital, a “Quitandinha” do próprio Hospital - que só no ano passado arrecadou uns 300 mil cruzeiros - não poderão arcar com tanta responsabilidade. Ademais, Carmen anda cansada e rouca, as aulas, palestras e telefonemas se sucedem, o médico quer que ela pare um pouco, pode ter um esgotamento como o do meio do ano. Corre os olhos pelo “Estadão”, os acontecimentos do Chile e da Argentina a preocupam mais, a morte de Neruda e de Ana Magnanai - de câncer. Já toma o primeiro café com leite do dia, pão e manteiga, geléia, ela mesma preparou tudo, vive sozinha, não tem nem empregada (só uma arrumadeira). 

O telefone está cocando no apartamento onde mora, cheio de lembranças de viagens e do Prudente, o marido que se foi há 8 anos, - um casamento felicíssimo, segundo as amigas, e o que se completava. 

- Alô, é você Majô... Passei mais ou menos... Sonhei com o Prudente, veja você, uma coisa maravilhosa, estava tudo escuro, de repente ele saiu de dentro e ficou tudo colorido, ele ria e veio até mim de braços abertos me buscar... Como eu não gosto de não sonhar... Gosto, sim, dos fenômenos espirituais, até de parapsicologia, converso sempre com um professor, você sabe... Não, não, não, reencarnação não acredito, depois, já basta agüentar esta vida, não acha?... Sou muito religiosa, sim... Com firmeza de caráter, fé sincera e bom humor pra agüentar as coisas ruins, a gente suporta qualquer tranco... Eu tenho uma fé profunda, sei peneirar o bom do mau, comigo, os sepulcros caiados não pegam... Veja a Igreja, como resiste a intrigas e pressões... As baixezas aparecem num país, estouram em todos, há uma força organizada, mas Deus com sua providência divina a todos socorre na hora certa... Se eu sonhar outra vez com o Prudente e acordar, fecho os olhos e s aperto, êta sonho bom, Majô. 

Majô é a Maria José da Cunha Carneiro, uma das amigas íntimas de Carmen Prudente. Ela conhece os dois desde pequena, amizade de família. Carmen conheceu Antonio em 1938, num congresso médico na Alemanha, ele chefiava a delegação brasileira. Paulista, de descendência ilustre, seu avô, Prudente de Moraes, chegara à presidência. Ela, jornalista gaúcha, era também nascida em berço ilustre - o pai, Heitor Annes Dias, médico conceituado, o avô materno, Julio de Castilhos, condutor de revoluções no Sul. A mãe, uma grande dama, culta, fina e bela, cantada até hoje em prosa e verso nos pampas, Carolina de Revoredo. Majô vai passar no Hospital mais tarde, é voluntária, combinam e se despedem afetuosamente, o tratamento é de “tu” e “ti”, que Carmen usa às pessoas de sua maior afeição. 

Jurandir já está com o carro lá em baixo, ela gosta e brinca com o motorista do Hospital. Ele vai levá-la agora ao dentista; Carmen cumpre pacientemente o ritual, as três injeções não doem, mas dão aquela sensação de dormência boba na boca, uma azar, logo hoje que tem reuniões e palestras pela frente. Às 10 horas está na Swissair, fala em Frances com o gerente, está agradecendo a passagem que a empresa suíça deu à Rede, para uma noite em Catanduva em benefício do Hospital. |Passagem até a Europa, ida e volta, num DC-10. 

- Ah, meu filho, estou louca pra andar num avião desses... Vamos ver se dou sorte, este ano vou à Europa, a convite, com tudo pago, senão não aceitava... Nunca viajei com dinheiro da Rede Feminina... Vou falar num congresso em Lion, sobre a luta contra o câncer no Brasil, a convite da Organização das Voluntárias da Europa, sou a única representante da América do Sul... Depois, sigo para Mônaco, há lá uma reunião internacional para se discutir sobre a educação popular em assuntos de câncer, tema de minha especialidade, isso é quase que minha vida... E finalmente Portugal, no Porto, a convite da União Internacional contra o Câncer, inauguro o Instituto de Câncer local... Sou uma viajante emérita, conheço os cinco continentes, escrevi uns dez livros de viagens reunindo minhas reportagens da “A Gazeta”... Pena que o grande incentivador delas não possa amais lê-las, o Prudente lia e ria... Tantas confusões armava mundo afora... Aqui no Brasil, nos últimos dois anos e cinco meses, viajei 35.518 quilômetros, para debater, falar, tratar de assuntos do Hospital e da Rede Feminina de Combate ao Câncer... Leio e recorto tudo sobre todos os países, principalmente os que não conheço - um dia chego até eles. 

Já está na hora de rumar para o Hospital, cujo Instituto Central foi inaugurado em 1953, com 300 leitos, e onde funcionam a Associação Paulista de Combate ao Câncer (fundada por Prudente em 1934), a Rede Feminina que se estende a 183 municípios, a Triagem de Espera com 50 leitos, tudo funcionando a tempo e hora, nos prédios cinzentos e bem ajardinados, ali na Liberdade, os prédios incrustados na rua revolta pelas obras do Metrô e onde desfilam as boates e bistrôs da colônia japonesa que ali reside. 

Carmen entra como passo leve e rápido, cumprimenta porteiro e atendentes, sobe ao andar onde estão reunidos engenheiros e arquitetos - faz oito anos, faleceu Rino Levi, que projetou o Instituto, uma placa em sua homenagem é descerrara. Todos se reúnem em seguida para traçar diretivas quanto á construção do segundo pavilhão do Hospital, a capacidade será dobrada, se a obra chegar ao fim - com o dinheiro que Carmen Prudente se encarregará de arranjar. Agora ela passa pelo Pavilhão Infantil, todo decorado com desenhos originais de Walt Disney, afaga crianças com extremo afeto. É quase uma da tarde, é hora de chegar ao seu escritório, iniciar o atendimento vespertino, resolver mil casos, ver e prover, ouvir e resolver, dar e decidir, transmitir alegria e paz. Aurora, a secretária, senhora disposta e voluntária também, dá à Carmen Prudente o abrigo rosa, que ela coloca sobre o tailleur das andanças matutinas. No braço, as insígnias da Rede, as cinco cruzetas e os dois botões - vinte e sete anos de lutas à frente da assistência do combate ao câncer. Os telefones são três, um do PBX, dois outros diretos. Um deles já toca, manda vir o almoço, simples frugal, come ali mesmo, a bandeja sobre a mesa apinhada de papéis, lembretes, recordações de viagens, notas, fotos, cartas, caixinhas, o móbile alemão, anjos de Natal, o escritório é ao mesmo tempo sala de atendimento, biblioteca (vasta e variada) e - Carmen não gosta do termo - um museu bem organizado com mil condecorações e diplomas dela e de Antonio Prudente. Judith Celestino fala de problemas do Clube do Siri, com 20 mil crianças, “a coisa mais linda que temos aqui”, diz Carmen, que já atende o outro aparelho. É Iolanda Cerello. Estás organizando uma festa, cuida da recreação dos doentes. A Hebe vem? Ótimo... Veja se o Consulado Americano empresta uns filmes coloridos, melhores, cinemascope, coisa assim... Em meio à mesa revolta, desenhos de crianças, a frase anotada de Santo Agostinho; “Ele está presente, quando a solidão nos pesa, nos ouve, quando só o silencio nos responde, nos ama, quando todos nos abandonam”. 

Maria Tereza Esteves, presidente da Rede em Itu, entra com duas companheiras voluntárias. Trouxe um cheque de Cr$ 14 mil, contribuição da Prefeitura e de firmas locais para a campanha. Carmen sorri - o sorriso que derruba barreiras, conhecido de norte a sul do país - fala, agradece. 
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- Outro dia, uma Prefeitura enviou 20 mil cruzeiros... Também recebemos contas de luz de toda parte... Brinquedos, móveis, utensílios, roupas, aceitamos tudo, cada gesto dos que dão são prova de amor e de solidariedades humanas... Estamos aqui para trabalhar e servir, não vemos barreiras pela frente, estamos hoje em dia espalhados por 17 Estados... O mundo de Deus é bem feito, mas tem suas misérias e provações, e nós temos uma missão a cumprir, a de minorar o sofrimento dos doentes e infelizes... O ideal é suportar a vida com firmeza, muita fé e bom humor... Tenho minha particular própria, meus problemas íntimos e cotidianos, mas, aqui, sou a mulher jovial de Jung e outros estudiosos... Sou obrigada a ser alegre, a fazer do sofrimento que vejo à volta, a minha felicidade, senão a de muitos... Prudente era assim também, tinha uma fé profunda e cristã... Ele era, sobretudo, um homem bom. À noite, em casa, pensando em seus doentes, sentava-se ao piano, compunha lindas canções... Até hoje, só escrevo ou traduzo, ouvindo música... Rosita, como foi o movimento da Quitandinha, hoje? 

Carmen atende mais telefonemas e muitas pessoas ainda. José Maria Homem de Montes, atual presidente da APCA, dá noticias, cobra outras. Avisa que José Ermírio de Moraes está entrando de rijo na luta contra o câncer e atual entidade pode virar Fundação. U’a mulher humilde traz presentes para as crianças cancerosas internas. Outra veio de Londrina, quer visitar um doente, o dia não é de visita, Carmen tem de encontrar a fórmula certa para contentar a todos. Lelé, um servente que está com os Pudente há 20 anos, entre, vem buscar a foro do Presidente abraçando Carmen, no dia da visita recente. “Ainda não fui a um lugar duas vezes em meu governo, só aqui”, disse Médici à presidente da Rede. Ela se emociona, conta detalhes da visita presidencial. Majô chega, avisa que o carro já as espera, são cindo horas. É hora de irem a Santos, onde Carmen vai falar à noite, a convite do Rotary: suas viagens, idas e vindas por esse mundo afora, ocupando o tempo, sendo útil, sempre positiva, franca, leal, culta, inteligente, afetuosa, depreendida, com a coragem que Deus lhe deu, no pequeno corpo de gaucha miúda e morena, firme e decidida, jovem e disposta para sempre a grisalha de amada cabeça que mil gentes procuram ali na José Getúlio. 

A Carmen que chega a Santos faz uma conferência com muita graça - as peripécias no Japão são realmente pitorescas e divertidas - e que logo após diz à repórter, grave e bela, abrindo muito os olhos cor de jabuticaba, que a luta continua, continuará a viver como até hoje, sente-se feliz trabalhando em benefício do próximo, nós todos. Já são quase onze da noite, o rosto de Carmen se ilumina. 

- O câncer não é uma, mas muitas doenças... Também dá em criança e não pega por contágio... Tratado desde o início tem cura, sim... As pesquisas, em todo o mundo, vão adiantadas... Um dia, ele será curável... O Prudente acreditava que será ainda neste decênio... Eu tenho fé em Deus que sim. 

Ela volta agora ao apartamento da Cincinato Braga, o dorme-não-dorme até as sete da manhã, na pequena cama em que dorme agora, sob aquele mesmo crucifixo que o Prudente gostava, o marido companheiro, alma nobre, com quem tenta sonhar agora, um sonho colorido e feliz. 

LUIZ ERNESTO Especial para CLÁUDIA
27 de setembro de 1973.

“CICCILLO”

Francisco Matarazzo Sobrinho, o “Ciccillo”, foi prefeito de Ubatuba, de 1965 – ganhou a prefeitura em eleição direta – a 1968, se não nos falha a memória. A princípio combatido, aos poucos se firmou e saiu consagrado, cantado em prosa e verso. 

Naquele tempo, a Prefeitura não tinha recursos em Ubatuba era uma cidade agradável, mas sem infra-estrutura. “Ciccillo” soube agir, com equipe de primeiríssimo nível - Wladimir Piza, Pascoal Fama, Morgado, Cunha Lima, Joaquim Barbosa, Claudionor dos Santos, Cunha Jr., Paulo Florençano, Da Motta, e outros, inovando a administração de maneira notável. Em São Paulo, em frequentes viagens, conseguiu nos governos estaduais – Ademar, Laudo, Abreu Sodré, especialmente este – os recursos necessários às obras públicas de Ubatuba. 

Deu água à cidade, escolas, asfalto, turismo planejado – e a chefe era a incrível e bela Lia de Barros – abriu estradas nos bairros distantes, e, sobretudo, preparou Ubatuba para ser a “Pérola do Litoral Norte”. Suas primeira providências, no dia em que assumiu, foi comprar, às expensas próprias, um caminhão de lixo, um trator, além de móveis condizentes para o gabinete do prefeito. Em sua gestão, construiu outra sede para a Prefeitura e fez aprovar, contando já com a Câmara de Vereadores, o Plano Diretor da cidade. Fez o estádio de futebol, incentivou o artesanato, criou o Museu Histórico “Hans Staden”, projetando nacionalmente esta cidade como nunca antes acontecido. Representou ainda Ubatuba em certames internacionais, ele que, criador da Bienais de Arte, tinha projeção mundial. 

Há todo um folclore, casos, incompreensões e situações criadas por “Ciccillo” em Ubatuba, levadas pelo seu temperamento lhano, sua doce figura, sua teimosia em construir. Era um idealista e, em sua casa, na Prainha, reuniam-se grã-finos e gente do povo, como Idalina Graça, fidelíssima amiga, vereadores e comerciantes, a todos atendendo com simplicidade franciscana. Fica, sem dúvida, ao lado de Jordão Homem da Costa, Salvador Correa de Sá, Gastão Madeira, Felix Guizard Filho, Licurgo Barbosa Querido, Washington de Oliveira e outros, como dos grandes construtores de Ubatuba, em todos os tempos. Um dia, esperamos escrever mais sobre esse brasileiro ilustre, homem bom, amigo e companheiro fidalgo. 

Por hora, fica aqui este registro, na hora em que a Prefeitura Municipal o homenageia, nos 10 anos de sua morte. Ele nos dizia que, depois que morresse, ninguém mais se lembraria dele... “apenas 3 linhas, se tanto, nos jornais...” 

Não, “Ciccillo”, você é lembrado hoje e terá, sempre, a gratidão dos ubatubenses, que cultuam sua lembrança e sua memória eterna. 

Nesta homenagem que lhe presta a Prefeitura Municipal, através da Seção de Cultura, com a exposição “O Homem e a Obra”, será outorgada a medalha “Ciccillo Matarazzo” àquele que foi seu “oficial” em Ubatuba quando prefeito, Wladimir de Toledo Piza. Graças a iniciativa de Manoel Esteves da Cunha Junior - o Neco – e Flávio Girão Carvalho, este evento é trazido para Ubatuba, no Sobradão do Porto. 

 Piza e “Ciccillo”, dois grandes administradores para nossa pequena Ubatuba!!! O ECO UBATUBA

BOM DIA, COLIBRI

1. Num dia distante, Ubatuba viu chegar aqui, vinda da Ilha Bela, a figurinha frágil de Idalina do Amaral Graça, que, logo, se integrou à vida da cidade, tornando-se ao fim de sua vida terrena, personalidade notável, fascinante e querida por todos. Idalina era pequena por fora, mas, forte por dentro. Foi seguidamente dona de casa, comerciante, hoteleira, radialista, defensora dos pobres e espiritualista iluminada, capaz de transmitir mensagens e dar bênçãos aos mais aflitos. De “Ciccillo” Matarazzo a Washington de Oliveira, de Flavio Girão Carvalho ao Da Motta e à Isabel, de Felix J. Francisco a Wladimir de Toledo Piza, de Paulo Florençano ao autor destas linhas, a tantos e tantas gentes, a Velha Sábia, de que falava Jung, iluminou com a sua graça e a sua sabedoria. 

 2. E fez bem, com o exemplo de sua vida simples – a dar tudo, mas tudo mesmo, do que tinha ou ganhava – ela só vivia com a roupa do corpo – aos mais necessitados, e com a iluminura radiosa de seu jeito de caiçara autêntica, com suas gargalhadas e contando estórias do mais humano sabor. 

3. Foi poetisa e escritora – seu excelente “Bom dia, Ubatuba”, já está em segunda edição, enquanto a Prefeitura Municipal, em justa homenagem do prefeito Pedro Paulo, prepara o livro sobre sua vida. O Governo do Estado, também a homenageou, dando o nome da nossa escritora caiçara – que foi amiga, de era admirada entre outros, por Monteiro Lobato – à escola do bairro do Ipiranguinha. E dentro de pouco tempo, no “Idalina Graça”, será inaugurada a Biblioteca “Monteiro Lobato”, que servirá aos escolares e adultos de todo o bairro. É a Idalina, velha-de-guerra, presente, uma vez mais, entre as crianças a gente simples de Ubatuba, que adotou e que tanto amava. 

4. Para os que ainda têm dúvida da presença espiritual de Idalina Graça entre nós, hoje, aqui vai, por lembrança de Felix J. Francisco, esta mensagem ditada pelo espírito de luz de Idalina, à sensitiva Valéria, em sessão realizada em sua chácara no Perequê-Açú. É uma mensagem de saudade e de paz, com todo o estilo e a vibração da grande amorosa, que nos olha e nos protege lá de cima – agora, sempre, como um “colibri de asas douradas”. 

Ei-la: “Quero mandar um recado para os filhos muito queridos, que Deus me deu numa manhã maravilhosa na praia. Eu encontrei uma família maravilhosa, e hoje eu, num mundo diferente, sinto muitas saudades, gostaria de estar junto de vocês e só posso mandar minhas vibrações, minha saudade, meu amor, meu amor e pedir apo Pai Nosso que nos abençoe e dê paz.

Bendita flor que perdeu o perfume, esse perfume se transformou em semente e vai se transformar em outra flor desabrochada, e um dia vira saudade. Eu virei um colibri de asas douradas, isso é para minha família. 

Meu filho Da Motta e Isabel. Eu também cumprimento meu aparelho. Meu recado para ela: muitas vezes num crepúsculo eu me encontro com José e Gerson e outros amigos.

Se possível levar meu abraço ao meu amigo Wladimir de Toledo Piza. Também ao Amauri, meu amigo. Felix você me tirou de tantas.

Vou deixar meu aparelho, vou bater minhas Asas Douradas.