sexta-feira, 16 de outubro de 2020

O ensino no Paraná

O suntuoso edifício do Colégio Estadual é possivelmente o maior da América Latina 
O surto do progresso moral, material e cultural vivido pelo Estado do Paraná, atualmente, é vertiginoso. O vulto tomado pelo afluxo migratório que povoa as terras ubérrimas do oeste da serra de Apucarana e as glebas negras das antigas Missões tornam, sem dúvida, a “terra dos pinheirais” a nossa Canaã brasileira. Enquanto os pés de café de nosso Estado produzem geralmente durante 25 anos, no norte do Estado do Paraná, nas zonas das chamadas terras rochas, com essa idade, os cafezais têm, ainda, vitalidade robusta. Além disso, devemos considerar as produções sempre crescentes da madeira e do mate, duas colunas mestras, naturais da economia do Estado irmão. O Dr. J. E. Erichsen Pereira, diretor de “O Dia”, de Curitiba, em palestra aos jornalistas de São Paulo, alunos da Escola de Jornalismo da Fundação “Casper Líbero”, que foram ao Paraná a convite do governo daquele Estado, teve mesmo oportunidade de declarar que “o Paraná, dentro dos próximos 10 anos será o segundo Estado da União e concorrerá, depois, com São Paulo, no seu ritmo de produção e progresso. 

O Ensino 

No programa de realizações do atual governo, muitos são os educandários construídos. Já foram instaladas 480 classes de ensino rural, das 1.200 constantes do plano da Secretaria da Educação. Estão funcionando os cursos de aperfeiçoamento de professores e as 18 escolas normais regionais. A partir de 1950 nortear-se-ão as escolas primárias por novo programa de ensino, em virtude de ter sido considerado antiquado e ortodoxo o atual. O Instituto de Educação criou, no corrente ano, vários cursos de aperfeiçoamento, todos já com resultados práticos realizados. Foram abertos também 20 novos ginásios no interior do Estado. Além disso, o governo decretou recentemente a gratuidade do ensino no Paraná, num ato que repercutiu além fronteiras. O ensino público estadual tornou-se, portanto, inteiramente gratuito, em todas assuas modalidades, não podendo incidir sobre o mesmo selos, taxas, impostos ou emolumentos de qualquer natureza. Todas as escolas têm suas cooperativas, dirigidas por professores e alunos, onde os diversos materiais escolares podem ser adquiridos pelo preço de custo. Está assim o ensino no Estado do Paraná colocado em situação invejável perante os demais Estados da União. 

O Colégio Estadual do Paraná  

O Colégio Estadual do Paraná, a ser inaugurado em março deste ano, foi iniciado no governo Manoel Ribas e continuado pelo atual, tendo sido gastos até agora em sua construção 40 milhões de cruzeiros, além dos 3 milhões que já representam seu patrimônio em móveis. Sua localização é excelente, estando situado perto do Passeio Público, centro de Curitiba. O terreno mede 42.000 metros quadrados ocupando o prédio principal 19.200 metros quadrados. O ginásio anexo especial para educação física ocupa uma área de 1.800 metros quadrados. Esse colégio é considerado o maior em ia moderno da América do Sul. Nem mesmo o Instituto Normal da Bahia, construído no governo Juracy Magalhães, pode igualá-lo em tamanho e capacidade. 

O prédio principal consta de quatro amplos pavimentos, uma casa de máquinas e um subterrâneo - a guerra obrigou tal construção - onde estão localizadas a cantina e as aulas de trabalhos manuais. O pavimento tem 48 salas de aulas para 35 alunos em cada sala; um teatro com 1050 lugares, três anfiteatros para 80 pessoas, dois laboratórios para 40 alunos cada, uma sala de ciências completa e outras salas menores. Além disso, a administração ocupa 40 salas e o serviço médico-sanitário tem instalações para quatro gabinetes. 

A biblioteca, já formada, ocupa uma sala com 400 metros quadrados, com 10.000 livros. Na sua formação obedeceu-se o critério de serem adquiridos livros de cultura universal. Lá se encontram os “Anais do 1º Congresso de Língua Nacional Cantada”, organizados pelo saudoso Mário de Andrade e ofertados pela Prefeitura Municipal de S. Paulo. A discoteca, por seu turno, já tem uma coleção de 2.000 discos. Na mapoteca, inovação didática utilíssima, achando-se diferentes e instrutivos mapas de várias regiões do globo. 

A sala de química é completa, com todos os requisitos modernos necessários ao estudo dessa matéria. Bicos de gás, de ar comprimido, de vácuo, água quente e fria, quarenta e poucos microscópios, etc. No salão nobre, tão majestoso quanto o de nossa Faculdade de Medicina e com capacidade para 450 pessoas, está o quadro famoso da fundação da cidade de Curitiba, feito por Teodoro Bona. Esse quadro portentoso, em exposição recentemente efetuada, ganhou medalha de ouro. 

Fala-nos o Diretor 

O diretor do Colégio, prof. Adriano Gustavo Robini, acompanhado do prof. E médico Dr. José Alexandre de Moura Negrini e do mestre de obras Humberto Machado, foi quem recebeu muito amavelmente os jornalistas membros do Centro Acadêmico “Casper Líbero”, mostrando-lhes em seus detalhes as obras do Colégio Estadual, já quase em seu término. 

- “O Colégio Estadual do Paraná a ser inaugurado logo no ano próximo - disse-nos o prof. Rubini - terá capacidade para 6.000 alunos, e poderão ser ministradas aulas nos três turnos do dia. O atual colégio estadual, localizado em outra parte da cidade, comporta apenas 1.600 alunos. Aqui funcionarão os cursos primário, secundário e normal, sendo de notar-se que o ensino será inteiramente gratuito. O aluno não pagará nada. Mesmo os cadernos, lápis e outros objetos escolares ele poderá adquirir em cooperativa própria - que já possuímos. O colégio terá cerca de 80 professores. 

- “E quanto à educação física? 

- “Consideramos a educação física importante para os alunos. O ginásio coberto anexo tem todas as instalações necessárias para a prática de esportes, com sanitários e chuveiros de água quente e fria. A piscina, já em adiantada fase de construção será de 22x50 metros e as máquinas têm uma capacidade de tratamento de água de 3.600 litros. Além disso, no terreno que ainda nos sobre estão sendo feitos vários campos de bola ao cesto, vôlei e futebol. Aliás, não descuramos de nada. Como devem ter visto, os relógios elétricos nos corredores e dependências somam a 86, e o serviço de iluminação das salas é perfeito. Até os quadros negros, são verde-escuros... Nós pensamos, segundo os técnicos em educação, que toda a assistência deve ser prestada aos estudantes. O Colégio Estadual do Paraná não é exagerado nem luxuoso. Boa educação representa maior cultura e só desta poderão advir maiores empreendimentos e administradores capazes. Assim pensava o governador Manoel Ribas e assim age também o governador Moisés Lupion”.

Os alunos da Escola de Jornalismo “Casper Líbero” tiveram, da visita às obras do Colégio Estadual do Paraná magnífica impressão. Inegavelmente, o majestoso edifício descrito será um dos melhores do Brasil, dotado, como será, de modernas instalações escolares, amplo anfiteatro e laboratórios organizados com os requisitos da técnica moderna. 

A GAZETA 7 de janeiro de 1.950

sábado, 10 de outubro de 2020

A PROPÓSITO DA MOSTRA DE JOSÉ ANTONIO DA SILVA

A propósito da exposição individual de José Antonio da Silva em boa hora realizada pela Cosme Velho, uma série de perguntas cabe bem nesta página: 


1. Por que José Antonio da Silva, ao contrário de outros primitivos brasileiros, não é um artista realmente popular, do gosto do público? 
2. Por que é, também, ignorado pela maioria da crítica, pelas galerias de arte mais em evidência, pelos salões e Bienais, pelos Museus mais importantes? 
3. Por que o Silva mantém de longa data, com raros intervalos, na cidade onde mora e pinta e dirige o museu de are contemporânea local – fundado por obra e graça dele – uma guerra surda e fria, que em nada ajuda o artista e a urbe da alta sorocabana? 
4. Por que José Antonio da Silva não procura, não alcança, teme o mercado além de S. Paulo, especificamente o carioca, estendendo sua arte admirável até a Europa, onde é citado inclusive nos dicionários de arte naif e primitiva de Anatole Jacowski? Por que... ... ... 

A resposta às indagações talvez resultem, afinal, na própria louvação do artista Silva: é que ele é um artista autêntico, ingênuo, puro, fiel aos seus boizinhos e às suas floradas, à sua roça e à sua terra, ao Brasil ignoto e rural enfim. Não transige com sua pintura nacional verde-amarela, risonha e sofrida; não cede ao mercado dos marchands, que penam duro em suas mãos; não faz média com a crítica especializada e/ou aos eleitos das Bienais; e, finalmente, dimensionando sua arte no regional – tempo e espaço físico – constrói ainda assim um público menor, mas exclusivamente seu, sem as badalações da grande arte e dos aplausos enganadores dos engajados e compromissados. Faz bem, a nosso ver, pois, o Silva matuto e astuto, em manter-se numa posição individualista da maior autenticidade. É fiel à sua gente e ao nosso folclore, construindo uma obra assas verdadeira e de alto significado para a cultura popular brasileira. Ele é fiel aos seus instintos e aos seus arquétipos, e isso basta. Ele se aproxima, nesse aspecto, a pureza na arte de um Volpi, embora Volpi seja um racional elaborado e construtivo e Silva pinte instintiva e convulsivamente, sem autocensura, quase sensorialmente. 

Isso explica que grande número de apreciadores da obra de Volpi sejam também das pinturas de Silva, e também explica que, ao elaborar instintivamente, muitas vezes Silva se perde uma produção menor, tão condenada por aqueles que o apreciam e o colocam , justamente, entre os maiores nomes da arte pictórica atual de nosso país. 

Convidado pela galeria, embora não seja crítico de arte formado nem amador, fiz para o catálogo da exposição uma apresentação talvez emotiva de José Antonio da Silva. Transcrevemos aqui a primeira parte: 

 “Artista primitivo do Brasil ignoto, 
Ignoto que acredita no deus-natureza, 
Que acha, tudo, “Uma beleza!”, 
Figura estridente, álacre e plena de graça, 
de calor imanente e de linguagem de raça, 
mensageiro junguiano da roça, 
e da imaginária agrária, 
retratador folclórico e teórico, 
em discos, livros, quadros e falares, 
da alma alegre/triste e sonora do povo, 
do sertão de sua nascença e tanta sabença, 
intérprete maior do inconsciente e do coletivo popular e social, 
do caboclo sofrido e do Jeca ensimesmado, 
e do boia-fria explorado e patriota, 
do interior caipira , sincrético e armorial.”

SILVA PINTOU EM SUA CASINHA MURAIS DO BRASIL SOFRIDO

O pintor (ex-colono, ex-domador de burros, ex-ajudante de hotel) José Antonio da Silva abriu as portas de sua casinha (Rio Preto) para o povo entrar. Dentro, sobre o reboco das paredes, pintou cenas (25) da história do Brasil. 


Silva está famoso, em todo o mundo, pela sua arte ingênua e pura. Agora, é o primeiro pintor brasileiro a transformar sua casa em museu (público). Ele mesmo se emociona: 
– “Isto é uma beleza! Chego a chorar, no meio de tanta maravilha!” 
O povo de Rio Preto também gostou. Até o prefeito foi ver sua arte. E ente simples, caboclos, meeiros, colonos de pé no chão – donde Silva saiu. 

O Brasil do Silva 
Os murais, do tamanho de telas comuns, são coloridos e vivos. Toda a história do Brasil, desde o “Brasil dos índios”, está visto do seu modo sincero. 
O último mural, belíssimo, mostra o Brasil atual: são cruzes de desolação e miséria. 
 – “Fui feliz. Isto está uma beleza” – diz ele, sempre alegre. 
E solta a frase no rastro do assunto: 
– “Este Brasil será sempre assim, pobre até que o governo cuide dos colonos e das colheitas do campo!”

A história (ingênua) 
Os murais, com seus títulos ingênuos, são estes:
1 – O Brasil virgem habitado pelos índios; 
2 – Pedro Álvares Cabral, descobrindo o Brasil; 
3 – Primeira Missa; 
4 – Queimada; 
5 – Carnaval tratado pelos escravos; 
6 – Retirando toras com o carretão de boi; 
7 – Engenho movimentado pelos escravos; 
8 – Escravos no bacalhau, castigo público; 
9 – Execução de Tiradentes; 
10 – A independência; 
11 – Casas de pau a pique; 
12 – Colhendo café; 
13 – Colônia de Barro; 
14 – Pequeno arraial e cangaço; 
15 – Casamento antigo de trole; 
16 – Matadouro debaixo de uma árvore; 
17 – Grandes arranha-céus e a burguesia; 
18 – Revoluções; 
19 – Devastação pela seca acompanhada pela miséria; 
20 – Fome, desespero e grande suicídio; 
21 – O caboclo abandonou a roça; 
22 – Taperinha de barro; 
23 – Só resta uma pequena lagoa; 
24 – Um único pé de bananinha. 

Os benfeitores 
No último mural, Silva escreveu os nomes de seus “benfeitores”. Desde seu descobridor (o crítico Lourival Gomes Machado), passando pelo escritor Carlos Pinto Alves e o psiquiatra Theon Spanudis, e outros, até um repórter modesto (este, que fez esta notícia). 
Sobre eles, diz pitorescamente o pintor: 
– “No quadro de honra, estão os nomes dos que são meus amigos e Mecenas de verdade, e que vão figurar na história da arte (sic) per secula seculorum, amém”. 
A lista não é grande: dr. Lourival Gomes Machado, João Cruz Costa, dr. Paulo Mendes de Almeida, Procópio Davidoff, Benedito Lacorte Peretto, Luiz Ernesto – jornalista – dr. Nivaldo CArrazzone, dr. Carlos Pinto Alves, dr. Theon Spanudis, dr. Coimbra, dr. Euphly Jales e major Léo Lerro. Museusinho e Simeão 
Muitas vezes, à porta do museu do Silva param carros de luxo. É gente de fora, de São Paulo, que chegou para ver as obras do artista. Silva continua morando – com mulher e os filhos – nas salas do fundo. 
E já se acostumou com tanta agitação. Quando não está em casa (museu) é encontrado na Prefeitura, onde tem emprego modesto. Tem lutado com dificuldades. E tem vencido. Quer saber porque o Simeão Leal não cumpriu uma promessa: a de ver no Ministério onde estão os dólares (200) que ganhou na Bienal de Havana. É um esquecimento. Silva não se importa: 
 – “Vou ficando por aqui, no meu museusinho tão bonito e tão amável e que mostra o Brasil tão sofrido”. 
 O meu museu é do povo. Porque a arte (sua) também é. 

Este artigo foi publicado no jornal “Tribuna da Imprensa”, Rio de Janeiro, em 1954.