sexta-feira, 25 de março de 2016

CRÔNICA DA CIDADE I

A Avenida São João 

A Avenida São João cresceu sempre juntamente com a capital. Refletiu, em todas as épocas. O progresso e o adiantamento de São Paulo. Não teve, na sua formação, o traçado científico das plantas dos engenheiros ou os benefícios das linhas arquitetônicas pré-estabelecidas. Tal como a cidade. Ambas – avenida e cidade – somente foram construídas conforme a grandeza e o desenvolvimento da terra bandeirante exigiam. Daí, a estreita ligação existente ainda hoje – guardadas, no entanto, as proporções – entre essa avenida de São Paulo e a terra de Piratininga. 

 A princípio, em 1810, a rua de São João era uma humilde via, estreita, quieta, de toscos e diáfanos lampiões à gás nas esquinas, o seu barro vermelho enodoando a alvura dos sapatinhos delicados das damas acetinados... Começava justamente ás margens do rio Anhangabaú, terminando pelas adjacências do Largo do Arouche. Pouco a pouco, desenvolve-se a cidade. Em 1906, com a canalização daquele lendário rio, foi anexada à Rua de São João, a famosa ladeira do Açu; uniam-se assim essas duas ruas fronteiriças que as águas do Anhangabaú separavam. 

A partir dessa época o seu crescimento foi vertiginoso. Aliás, somente acompanha o progresso notável da capital; e foram os mesmos senhores riquíssimos da lavoura que empolgaram a opinião pública com a ideia suntuosa da remodelação total – principalmente o alargamento – da Rua São João. Fizeram-se as desvalorizações. Delineou-se, finalmente – a atual avenida São João. A época era mesmo para grandes empreendimentos. A capital estava no ápice de sua evolução. A população crescera de 200.000 pessoas (1892) para 1.200.000 (1932). A avenida sentiu esse avassalar de progresso. Ergue-se, no seu inicio, a majestade sólida do Prédio Martineli, então a maior construção de cimento armado da América do Sul. De há muito, os seus ineficientes lampiões foram substituídos pela iluminação elétrica, a simetria dos paralelepípedos sobrepostos ao seu barro escorregadio. Sua extensão aumentou num ritmo acelerado até o bairro – passando por Santa Cecília e Campos Elíseos – da Barra Funda. A seu lado abrem-se bares, constroem-se pensões e hotéis. 

Depois, mais modernamente, a imponência aristocracia da capital exige cinemas suntuosos, confortáveis. E eles surgem, com suas cintilações perenes de luz. É o Broadway, o Art-Palácio, o Ritz, o Metro. Mais adiante, o chamariz feminil dos cabarés arrasta, na volúpia das suas bacanais, a mocidade boemia e notívaga. Após, aparecem as primeiras auto-escolas e as intermináveis casas de peças e acessórios para automóveis. E as oficinas de concertos realizando os serviços em plena avenida, nas calçadas, nessa desenfreada ganância de trabalhar depressa, de ganhar mais dinheiro. Mas, exata e derradeira coerência, não é essa, hoje em dia, a principal feição da nossa capital? 

“A Imprensa – Órgão Universitário dos Alunos da Primeira Escola de Jornalismo Fundada no Brasil” (São Paulo – Março de 1949 – Ano I – página 2). 


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