Com seu jeitão simples de caboclos do interior - são da região de São Manuel - João Salvador Perez, 67 anos, e José Perez, 64, vão deixando a Rádio e TV Bandeirantes, onde acabaram de gravar o “Brasil Caboclo”, programa pioneiro no rádio brasileiro, produzido pelo radialista sertanejo Tio Nassin, e que vai ao ar religiosamente de segunda a sábado das 5 às 5 e meia da manhã. Eles são os ilustres filhos de Salvador Perez, espanhol que chegou ao Brasil em 1892 e foi trabalhar na lavoura de Botucatu, e de Maria do Carmo, descendente de negros e bugres. Os irmãos Tonico e Tinoco são alegres, cumprimentam funcionários e amigos, tomam o cafezinho, sobraçam mais de 500 cartas chegadas nos últimos dias. Andam sempre juntos, e já vão pegar o carrão que os conduzirá ao bairro da Moóca, onde moram com as respectivas famílias. O nosso INFORMAC os apanha de surpresa.
- Entrevista em hora destas, assim de manhã... Não tomamos nem café mais forte... Mas, senta aí, pode perguntar o que quiser... Não temos segredos.
A dupla coração do Brasil se acomoda, na salinha arrumada ali pelo estúdio. Estão há quase meio século cantando juntos. Foram e são felizes, segundo seus amigos. Já têm mais de 70 LPs lançados e fizeram, em todo território brasileiro, segundo seus cálculos, mais de 1500 shows, levando a música caipira e sertaneja ao sucesso e à glória.
- É verdade que vocês estão ricos?
- Qual nada. Dá pra viver.
- E a história do avião, é verdade?
- Não. Fizemos uma foto, junto a um avião, e foi aquela água... Mas não temos avião não! Até hoje, pra voar, a gente se benze...
- Como vão indo os shows, atualmente, com o avanço dos forrós e dos roqueiros?
- Otimamente. Nada nos atrapalha. Quando tocam nossas músicas, num salão de baile, ou num forró, é aquela alegria! E cada vez maior!
- A que atribuem essa liderança e esse gosto popular?
- A muitas coisas, seu moço. Nossas músicas escolhidas, nosso repertório, sempre alegre e romântico, cantando coisas do nosso homem da roça com simplicidade. Nós não nos fantasiamos, não usamos instrumentos eletrônicos, nada. Vivemos da nossa voz, das nossas criações, em parceria ou não, da nossa viola e da nossa sanfona “velha-de-guerra”. O resto, é viver com coragem e fé.
Rádio e TV
Além do programa diário na Rádio, que é transmitido a todo país, Tonico e Tinoco fazem também um programa diário na Bandeirantes AM (17 às 17,30) e todos os sábados se apresentam na TV bandeirantes, das 18 às 19 horas, quando cantam e apresentam outras duplas caipiras. Eles também concordam que a força do rádio e a penetração da televisão ajudam a manter seu nome e propagar suas músicas em todos os rincões. Nesse programa semanal da TV usam a indumentária simples, sem forçar o tipo. Contam com graça que a primeira vez que vieram a São Paulo, para um concurso da Rádio Difusora em 1942 - que venceram, derrotando mais de 50 duplas caipiras - foram tirar foto na Avenida São João. Depois que posaram e foto foi batida, o seu Léo disse: “Agora, podem trocar de roupa...” Mas acontece que o Tonico e Tinoco “estavam com a roupa do corpo, vestidos autenticamente como caipira do interior, com chapéu de palha, botas e tudo...
- O que vocês acham do Sérgio Reis, do Boldrin, do Zé Bétio?...
- Deixa isso prá lá, tem lugar pra todos...
- Quais os gêneros em que fazem maior sucesso?
- Todos, graças a Deus. Seja moda de viola, cururu, desafio, cateretê, catira, xote, rancheira, toada, vanerão (gaúcha), pagode, rasqueado, valsa, capoeira, guarânia, xamamé, arrasta pé, batidão (goiano), carimbo, côco, samba, embolada... Todos os gêneros da música popular brasileira. Acho que daí vem o nome de “dupla coração do Brasil”.
- Vocês têm uma mensagem em suas músicas?
- A nossa mensagem é curta e grossa. É a da simplicidade e da vida da roça. Das belezas do amor. Com nossa viola, não perdemos nossas origens. Quando cantamos nos shows, com outros artistas, “surramos” todos eles! Somos mais aplaudidos que todos! Nem todos têm a sorte de ser original. É assim no rádio, na TV, nos cinemas, já fizemos filmes.
Conversas e a “paixão
Eles falam do empresário Elcio e da paixão que a música caipira desperta em todo o Brasil. Os shows duram 40 minutos. Sempre é bom deixar “um pouco de música pra cantar da próxima vez”, explicam. As mais pedidas, que já estão gravadas na alma e no cancioneiro popular, são “Luar do Sertão”, de Catulo da Paixão Cearense, “Tristeza do Jeca”, “Chico Mineiro”, “Cana Verde”, “Mamãe, mamãe”, “Baile na roça”, “Beijinho doce”, “Na beira da tuia” e muitas outras.
Fora dos shows, gostam de conversas nas cidades aonde vão. Conversa de esquina mesmo, afinal, nasceram e cresceram em cidades do interior. Contam “causos” e recordações, usando e abusando de memória incrível. Aqui em São Paulo, levam vida caseira, ao lado das esposas Valdete (Tonico) e Nadir (Tinoco), dos filhos e netos.
Aos domingos, se não viajam, visitam a mãe, d. Maria, 91 anos, mulher forte e decidida, que cuida da capelinha que fizeram em 1963 pra cumprir uma promessa. É a Capela N. S. Aparecida e fica na Vila Diva. A mãe é que toma conta do pequeno templo, onde Tonico e Tinoco muitas vezes rezam, como católicos que são.
Tonico e Tinoco falam com entusiasmo do novo LP - “O Rei dos Boiadeiros” - e do livro “Da beira da tuia ao Teatro Municipal - TONICO e TINOCO”, que pode ser pedido diretamente pra eles, na Rádio Bandeirantes ou à Editora Ática, R. Barão de Iguape, 110, São Paulo. Nesse livro estão mais de 500 letras da dupla, com o mesmo jeitão ingênuo que é sua marca registrada e famosa:
-É assim mesmo nossa vida. Sem novidades. Dede os tempos do Capitão Furtado, somos assim. Já cantamos até no Teatro Municipal. Mas não perdemos nosso filão. Nossa música caipira. Nascemos assim e somos doentes por ela. O caipira é o verdadeiro Brasil. Nós, nesta vida, só queremos cantar nossas boas músicas, fazer bons shows, bons programas, ter bons amigos, viver bem.
Informac
Órgão de Divulgação Interna das Empresas Machline
Ano III - Nº 32
Setembro/outubro 1984.
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