No momento em que se discute a problemática da arte brasileira o artista Humberto Espíndola, mais uma vez, força a quebra de barreiras (como o fez com sua Bovinocultura). Desta vez com um novo símbolo - a rosa - em que à primeira vista não está ligada ao regional, propositadamente para não canalizar ligações que possam interferir no rompimento dessas barreiras. Espíndola coloca a rosa em diversas situações para falar de uma realidade circundante e, por sua extensão, de uma realidade nacional. A rosa saiu do isolamento, assim como a Bovinocultura. Diferentes, porém. A Bovinocultura saiu do isolamento sulista mato-grossense. A bovinocultura surgiu no poder do boi e dos mistérios econômicos desse poder. A rosa saiu de Cuiabá, centro administrativo, conseqüentemente novas circunstâncias, novas facetas do poder. Onde está o elo das ligações formais e temáticas no trabalho aparentemente diverso de um artista que se pretende coerente à sua própria posição no seu meio social?
Para Humberto Espíndola a idéia central da rosa nasceu do crachá ou roseta - a comenda fartamente utilizada na sua fase anterior, a Bovinocultura.
- A forma da rosa inspirou a roseta, assim, a rosa surge do crachá. A rosa flor aparece como um crachá mais universal, conseqüentemente um símbolo de maior penetração, atingindo a problemática em âmbitos novos. A rosa é a roseta que premia a sociedade mato-grossense, não mais apenas a do boi, mas a sociedade burocrática e administrativa cuiabana, da política e das lideranças. Agora Mato Grosso se vangloria de ser o estado agrícola e não apenas pecuário, nas o estado do arroz, da soja, do milho, da erva-mate e do café.. A rosa possui, portanto a correlação imediata com a terra, é o mesmo reino, é símbolo de fertilidade, é a comenda arrancada da terra.
A rosa é poesia, flor do planalto. É a Brasília que se irradia. Espíndola aborda um sentimento estético do cotidiano transposto para a problemática da pintura, falando do kitsch como fator de raízes que modifica nossa sociedade. A rosa-crachá, a flor do art-noveau, satiriza os nossos tempos que se aproximam do novo fim do século e o romantismo que se esvazia.
Espíndola quis trabalhar com uma imagem desgastada - a rosa é do mundo. Seus novos trabalhos propõem ao público cortar barreiras culturais para falar, no entanto, dessa mesma problemática. Aborda entre outras intenções o problema da incompreensão da arte moderna. Sim, é preciso levar em conta que o público não se identifica mais com a arte atual, seja ela de qualquer tipo. “A pintura hoje está cada vez mais relegada a uma elite intelectual e isso não é bom”. Ao falar da Rosa, Espíndola aproveita-se de estampas para explorar mais o desgaste da imagem e em conseqüência disso atingir mais, ampliar o alcance da obra para um público maior.
Usa um meio de expressão convencional - a rosa é comunicação universal - atitude, portanto contrária ao individualismo que elimina o clichê, a compreensão mútua. As rosas são um protesto ao culto da originalidade, ironizando justamente o próprio sentido de “arte moderna” Neste momento de conscientização da crise de linguagem o artista propõe a rosa como imagem comum, precisamente pela falta de uma, nesta era de ideologias.
Ao pintar o boi Espíndola lhe criou uma própria simbologia. Agora ele parte da simbologia já criada, catalogada e industrializada, para lhe acrescentar novas observações. Ao pintar a rosa ele se lhe dirige diretamente como símbolo, o emblema e o seu complexo de significações.
Usa o verde-amarelo, porque são cores que a nós. Brasileiros, fazem palpitar desenvolvendo-nos a uma emoção remota dos tempos de criança, quando fomos apresentados aos símbolos nacionais. Memórias estas que a rosa revela, desvela, reflete. Outras vezes o usa com intenção de explicar o clima de brasilidade que Cuiabá nos permite sentir melhor por ser Capital, “Cidade Verde”, “Portal da Amazônia”, Centro da América, centro-oestina, política e administrativa, daí a trazer conversações mais emocionantes nesta hora de progresso palpável.
Espíndola pensa em seu público em termos de Mato Grosso e Brasil. É uma posição do artista. Um ramalhete de rosas insinua o contorno da América do Sul (o título da obra é Florão da América). Como um emblema as rosas amarelas são a gema brasileira, sobre o azul aberto dos planaltos, planíveis, sertões e cordilheiras. Cercando o ramalhete o Cruzeiro do Sul. Pelo azul a aspiração da liberdade, a vontade de alçar vôo. Suas rosas sufocam um convite ao raciocínio. Seus quadros têm um discernimento sobre os mais variados assuntos. Em “Príncipe Negro”, por exemplo, notamos o ato de condecorar. Condecoram-se as personalidades, mas ao mesmo tempo em sigilo, o quadro do vidro de perfume enorme cuja tampa é a comenda. Veredas, intimidades, relações humanas sendo tocadas pela indagação da flor.
A rosa acompanha o homem de gerações em gerações através de milênios. A rosa é memória, história, ética e estética que faz parte das coisas do homem, uma companheira, conquistada e prisioneira da própria fragilidade. Como a arte. A rosa é refinamento... Mas, ao mesmo tempo, pode ser também o contrário de tudo isso, desgastada pela massificação da imagem, a ponto de tornar-se hoje em dia proeza kitsch.
As rosas estão aqui e ali, naturais ou de plástico. Mas as naturais também perderam o cheiro, por força do imenso cruzamento híbrido. E o homem perdeu tanta coisa na hibridez de sua vida social!
Espíndola propõe a divida diante da questão do gosto: bonito ou feio? Valioso ou não? Suas rosas rugiram no meio de uma circunstância onde elas não representam o mau gosto. O que seria o mau gosto? Mando da minoria. Aí está a dualidade tratada no trabalho de Espíndola - a mesma da sua Bovinocultura. Tanto quanto exalta ele critica, explode, reprime. O artista propõe um problema estético aos olhos da metrópole.
- “A isso tudo verifica-se um constante bom humor. Gracejando com o conhecido o artista propõe novas relações, atinge a não evidência, chega-se ao inesperado”.
A TRIBUNA
16 de outubro de 1977.
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