“Mania ambulatória”, diz Ledo Ivo, referindo-se ao nomadismo do escritor José Mauro de Vasconcelos, que é um homem inquieto, com capacidade de estar sempre se movendo, como se fosse instigado pela angústia ou pela inesgotável vontade de viver. Sua vida tem sido uma intensa movimentação, percorrendo o Brasil de Norte a Sul, desde os tempos da juventude; poucos escritores podem orgulhar-se, como José Mauro de Vasconcelos, de conhecer tanto não só as grandes e pequenas cidades do litoral e interior, como a selva bruta, onde ele pode contar dom amigos entre os Carajás ou os Índios do Xingu.
Filosofia
Embora às vezes um pouco arredio, José Mauro de Vasconcelos é agradável e cordial, tem vasto círculo de amizade e está galgando com seguras passadas os degraus da fama, sem que a celebridade seja o seu objetivo. Na verdade, não pensa quase nada na condição de escritor, que para ele é apenas uma decorrência. “O que importa é que eu escreva um livro, e não viva gozando dos privilégios de ser escritor”, diz o novelista. “E como eu escrevo um livro em curto prazo, não há razão para ficar pensado na qualidade do escritor o resto do tempo.” Essa é a filosofia do criador de romances tipicamente brasileiros.
José Mauro de Vasconcelos não é um misantropo; seu desapego à vida social se deve principalmente ao desejo de não perder tempo com futilidades para empregá-lo em coisas mais úteis, como levar medicamentos para os seus amigos da selva.
Se você perguntar o que elevai fazer no futuro, responderá que não tem planos. Toma a vida como ela vem vindo, sem ser fatalista. Sua aparência é a de um homem do campo, pela maneira com se veste, de camisa esporte (raramente é v visto de gravata). Jamais será um dos dez mais elegantes.
Infância
A inquietude e o nomadismo de José Mauro são produtos de uma educação indisciplinada, de um temperamento ardente e de um espírito ansioso de conhecer as coisas e as gentes.
José Mauro de Vasconcelos tem nas veias sangue de Índia e português. Nasceu em Bangu, Rio de Janeiro, a 26 de fevereiro de 1920. Passou a infância em Natal, onde foi criado com muito sol e... água. Aos nove anos de idade aprendeu a nadar, e com prazer ele hoje rememora os dias de contentamento, quando se atirava às águas do Potengi, quase na boca do mar, a fim de treinar para as provas de grande distância. Com freqüência ia mar adentro protegido por uma canoa porque a barra de Natal está sempre infestada de tubarões. Ganhou vários campeonatos de natação e, como todo garoto, gostava de futebol e de trepar em árvores.
Mas o esporte não constituía sua única preocupação. Depois do primário, aos 10 anos de idade já cursava o primeiro ano do curso ginasial, que terminou cinco anos mais tarde. Então, gostava dos romances de Graciliano Ramos, Paulo Setubal e José Lins do Rego.
Bolsista na Espanha
José Mauro, após o curso secundário, por seu espírito irrequieto, em vão fez várias tentativas de novos estudos. Principiou Medicina, Direito, Desenho e Filosofia. Sua última tentativa e malograda experiência foi em 1952, quando ganhou uma bolsa para estudar em Salamanca. Ficou três dias apenas na universidade. “Você acha que eu podia ficar uma hora inteira ouvindo chavões de literatura ou escrevendo composições sobre Cervantes?” - diz o incorrigível estudante. E acrescenta: “Tudo ali era muito chato”. De Salamanca, voltou a Madrid, onde ficou poucos dias, encerando o estágio-relâmpago de bolsista espanhol. Depois, foi fazer um giro pela Itália e França, por conta própria.
Trabalho e vaivém
Depois do ginásio, os estudos de José Mauro como autodidata foram sempre feitos a base de trabalho. Seu primeiro emprego, dos dezesseis aos dezessete anos, foi o de treinador de peso-pluma; recebia 100 cruzeiros (velhos) por luta no Rio de Janeiro, pois aos quinze anos saíra de Natal para ganhar o mundo. No Estado do Rio, trabalhou numa fazenda em Mazomba, perto de Itaguaí, carregando banana. Depois, foi viver como pescador no litoral fluminense, onde não se demorou muito, partindo em seguida para o Recife. Ali, exerceu o cargo de professor primário nu m núcleo de pescadores.
Da capital pernambucana, José Mauro saiu para começar incessante vaivém, de Norte a Sul, e vice-versa, permanecendo um pouco em cada lugar, para em seguida enveredar pelo sertão e viver entre os Índios.
O Romancista
Dotado de prodigiosa capacidade inata de contar histórias, possuindo fabulosa memória, candente imaginação e com uma volumosa experiência humana, José Mauro de Vasconcelos não quis ser escritor, foi obrigado a sê-lo. Os seus romances, como lavas de um vulcão, foram lançados para fora, porque dentro dele o “eu” estava transbordando de emoções. Ele tinha de escrever e de contar coisas. Sua fenomenal produção literária, iniciada aos 22 anos de idade, ainda não chegou ao meio caminho, porque ele está em plena ascensão, com inexauríveis reservas, que o levará a posição ainda mais elevada nas letras nacionais.
Depois de “Banana Brava”, romance escrito em 1942, José Mauro produziu “Barro Blanco” (1945), “... Longe da Terra” (1949), “Vazante (1951), “Arara Vermelha” (1953), “Arraia de Fogo” (1955), “Rosinha, Minha Canoa” (1962), “Doidão” (1963), “O Garanhão das Praias” (1964), “Coração de Vidro (1964), “As Confissões de Frei Abóbora” (1966) e por último “O Meu Pé de Laranja Lima” (1968), livros que tiveram grande aceitação, todos eles elaborados à base de suas aventuras nas praias ou na selva.
O autor desses belos romances tem método originalíssimo. De início, escolhe os cenários onde se movimentarão seus personagens. Transporta-se então para o local, onde realiza estudos minuciosos. Para escrever “Arara Vermelha”, percorreu cerca de 450 léguas no sertão bruto.
Em seguida, José Mauro dá asa à sua fantasia e, na imaginação, constrói todo o romance, determinando até mesmo as frases da dialogação. Tem uma memória que, durante longo tempo, lhe permite lembrar-se dos mínimos detalhes do cenário estudado.
“Quando a história está inteiramente feita na imaginação, revela o escritor, “é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo a jacto”.
Com o seu sistema de ficar dormindo na pontaria até que o livro todo esteja “escrito” na imaginação, conta José Mauro que, ao por-se em ação, na fase material de bater à máquina, tanto faz escrever os capítulos, um após outro, como dar saltos; depois de pronto o primeiro, passa à conclusão do livro, sem antes ter elaborado o entrecho. “Isso, explica o escritor, “porque todos os capítulos estão já produzidos cerebralmente. Pouco importa escrever a seqüência, como alterar a ordem. No fim dá tudo certinho”.
Cinema, TV e Livros
José Mauro, atualmente autor exclusivo de Edições Melhoramentos, já tem publicado por elas os seguintes títulos: “Barro Blanco”, em 9ª edição; “Rosinha, Minha Canoa”, em 10ª edição; “Arara Vermelha”, em 5ª edição; “Arraia de Fogo”, em 4ª edição; “... Longe da Terra”, em 4ª edição; “O Meu Pé de Laranja Lima”, em 10ª edição; “Coração de Vidro”, em 6ª edição; “Doidão’, em 4ª edição; e “As Confissões de Frei Abóbora”, em 3ª edição.
Ainda neste 1969, mais dois romances serão lançados: “Rua Descalça” e Palácio Japonês”. As reedições dos demais títulos estão previstas, também, para breve (“Banana Brava”, “Vazante”e “O Garanhão das Praias”).
O fabuloso sucesso de “O Meu Pé de Laranja Lima”, valeu a José Mauro de Vasconcelos o Prêmio “Roquete Pinto - Especial” de 1968, maior prêmio da TV brasileira, pela primeira vez concedido no campo da literatura.
Artista do cinema e da televisão, José Mauro de Vasconcelos já trabalhou em diversos filmes como “Carteira Modelo 19”, que lhe valei o Prêmio Saci como melhor ator coadjuvante, “Fronteiras do Inferno”, “Floradas na Serra”, “Canto do Mar”, do qual escreveu o roteiro, “Na Garganta do diabo”, obtendo o prêmio de melhor ator pela Prefeitura e culminando com “Mulheres e Milhões”, sendo laureado com o Saci como melhor ator do ano. Dos seus livros, “Vazante” e “Arara Vermelha” foram filmados.
Estão sendo ultimados preparativos para as filmagens, por Herbert Richers, de “O Meu Pé de Laranja Lima”, película na qual José Mauro aparecerá interpretando o papel de Manuel Valadares, o “Portuga”.
Na televisão, desempenhou numerosos papéis, destacando-se o de Padre Damião. Como ator é também talentoso; suas sóbrias interpretações têm alcançado grande êxito.
Apesar do sucesso no cinema e TV, José Mauro não está satisfeito. Para ele, a melhor coisa do mundo é servir de enfermeiro para os índios.
“Não vejo a hora de meter o peito no mato”, diz o escritor, que reside em São Paulo. Mas todo ano vai matar as saudades da selva.
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