sábado, 12 de março de 2016

No MAB 75 artistas mostram evolução da nossa tapeçaria

- Ao negar a Arte Conceitual em sua essência artística, Arnhein trouxe à baila a acadêmica e esclerosada questão da validade da obra de arte como fenômeno artístico. Partindo da premissa de que as “experiências reflexivas” propostas pelos artistas conceituais não passam de “úteis exercícios para a imaginação” e esquecendo que a arte é sobretudo uma coisa mental, concluiu que devemos considerar a obra de arte conceitual apenas como obra. Isto porque o termo “obra” oculta a modéstia da realização constituindo-se em ponto de referência, registro e instrução. Com todo o respeito que temos pelo professor de Psicologia da Arte não podemos deixar de considerar suas idéias como reacionárias e retrógradas. Tão anacrônicas como adjetivar a arte como maior, menor, aplicada, decorativa, atitude muito comum nesse nosso século que não tem o seu Catulo para cantar a sua falta de “graça e de raça”. As objeções de Arnhein à validade artística da obra conceitual são muito semelhantes àquelas levantadas à tapeçaria, comumente considerada como um subproduto artístico.


Quem fala assim, eufórico, é o prof. Carlos Von Schmidt, diretor do Museu de Arte Brasileira, apresentando a I Mostra Brasileira de Tapeçaria, no Museu da Fundação Armando Álvares Penteado. Além da exposição coletiva nacional - 155 tapeçarias de 75 artistas brasileiros - a Sala Especial em homenagem aos precursores da tapeçaria no Brasil - Regina Graz, Genaro de Carvalho, Norberto Nicola e Jacques Douchez, - a I Mostra expõe uma mostra paralela de peças indígenas, procedentes do Pará. E, além disso, há a Quinzena da Tapeçaria, com palestras e debates, exibição de filmes, exposição de tapeçarias em lugares públicos, tudo visando a uma promoção global da arte da tapeçaria entre nós. 

Com Schmidt prossegue: 

- Para Chevallaz a tapeçaria em nosso século “tem sido conservada com todo o piedoso respeito da história” em autêntico banho-maria. É uma arte que é e não é. Quando chega a ser, séculos de “tradição artística” calcada em preceitos e conceitos pré e pós-renascentistas, impõe à tapeçaria uma visão crítica subjetiva, a priori deformada. Quando Chevallaz referiu-se ao piedoso respeito da história pensava em séculos de tradição da arte da tapeçaria oriental européia. O que podemos pensar da jovem tapeçaria brasileira? Que importância tem? Que significado possui? O que representa artística e culturalmente? Quando deixou de ser “arte menor”, “arte aplicada”, “arte decorativa”? Formuladas as questões, tentar respondê-las era necessário. A resposta ou respostas, só poderiam obter através da própria tapeçaria. À margem dos museus, manifestando-se isoladamente, a tapeçaria brasileira sempre constituiu-se num fenômeno isolado, a parte do contexto artístico nacional. Acreditamos que a partir desta 1ª Mostra poderemos ter uma visão geral do que os tapeceiros brasileiros estão realizando. Através desta Mostra podemos observar o nível criativo e técnico desses artistas e aferir valores. Estabelecer-se, assim, um ponto de referência. 

- Hoje, tapeceiros como Olga Amaral, da Bolívia, Madalena Albakanowics, da Polônia, Buic Jagoda, da Iugoslávia, comumente citados e conhecidos dos freqüentadores das bienais, passam também a serem pontos de referência. Acredito que podemos pensar agora em termos de uma tapeçaria nacional, não de toda livre de modismos e influências internacionais, mas a procura de uma definição própria e autêntica. Sem nacionalismos exacerbados e regionalismos inúteis e vazios, folclore festivo e turístico, a tapeçaria brasileira está assumindo uma posição livre em que a tradição secular européia felizmente não interfere. Atendendo ao convite da Comissão Organizadora desta 1ª Mostra, 101 tapeceiros submeteram ao Júri de Seleção, 241 obras. Esta 1ª Mostra reúne 155 tapeçarias de 75 artistas de todo o Brasil. Acreditamos que para começo um passo enorme foi dado. Na 6ª Bienal Internacional de Lousanne o ano passado, foram submetidas a julgamento 600 obras. 55 artistas representando 20 países foram selecionados. Os dados falam por si. Dimensionam com objetividade e clareza o trabalho que ora iniciamos no Brasil. 

O diretor do MAB conta que a 1ª Mostra Brasileira de Tapeçaria foi organizada por uma Comissão da qual foi o presidente, sendo membros Norberto Nicola, Jacques Douchez. Sílvio Darcy, Olney Kruse e Luiz Ernesto Kawall. O Júri de Seleção e Premiação foi constituído por Paulo Mendes de Almeida (presidente), Renina Katz, Sheila Leirner, Cesar Goibbi, Ruy Ohtake, Alexandre Woloner, Norberto Nicola, Jacques Couchez e Alberto Beutenmuller. A premiação atingiu Iracy Nietsche (Prêmio Metal Leve, 10 mil), Inge Roesler (Banco Nacional, 10 mil), Gilda Azevedo (Moinho Santista, 5 mil), Maria Tereza Lemos de Arruda Camargo (Fundação Álvares penteado, 5 mil) e menções especiais para Marlene Trindade, Yedo Titze, Zorávia Betiol, Ignez Turazza e Karin Viegler. O prof. Schmidt informa e já retorna ao fio da meada: 

- Nesses 12 anos de Bienais em Lousanne, com a evolução da tapeçaria, os conceitos quanto a forma e conteúdo também evoluíram. Assim, as definições clássicas de arte aplicada, menor, decorativa, caducas e anacrônicas, nada mais significam, em face da proposição formal da tapeçaria contemporânea. Ao deixar o solo, a parede, ao ganhar o espaço, ao se dimensionar, ao se projetar rompendo os limites tradicionais, ao procurar novos materiais como a fibra de vidro, o alumínio, o aço, a fibra natural, a tapeçaria através de um dinamismo surpreendente criou condições de existência cujos limites desafiam as classificações. Esta Mostra não pretende e nem quer ditar caminhos ou sugerir soluções. Propõe-se apenas a criar condições para um levantamento futuro do que se faz em tapeçaria no Brasil. É intenção deste museu realizar em 1975 uma Mostra Internacional de Tapeçaria, e esperamos que a experiência desta I Mostra, com todas as possíveis falhas que possa ter, nos sirva de exemplo. Do trabalho pioneiro de Regina Graz, Genaro de Carvalho, Jacques Douchez e Norberto Nicola procuramos dar uma visão parcial, pois somente a partir desta I Mostra poderemos cogitar da importância que desempenharam e inda desempenham no processo cultural e artístico brasileiro. 

- As tapeçarias de Regina, precursoras de uma arte essencialmente brasileira, surge hoje aos nossos olhos, com sugestões tropicais que posteriormente Genaro iria desenvolver até as últimas conseqüências, em jamais conceder as facilidades coloridas de comércio certo e gosto duvidoso. Dos primeiros, senão o primeiro a chamar a atenção internacional para a tapeçaria nacional, Genaro desempenhou um papel significativo e relevante no desenvolvimento da tapeçaria tornando-a exeqüível e credível em uma época de total descrédito. Norberto Nicola e Jacques Douchez, idealizadores desta I Mostra, autênticos renovadores da tapeçaria brasileira, colocam-se na vanguarda desta arte em contínuo movimento, desempenhando um trabalho cuja seriedade e critério reveste-se do mesmo espírito pioneiro desenvolvido por Regina nos anos 20.

E conclui:

- Quando a História da Tapeçaria Brasileira for escrita a contribuição de Nicola e Douchez poderá então ser convenientemente ressaltada. Numa época em que todos os valores políticos, morais e filosóficos são questionados, os valores artísticos também não poderiam permanecer imutáveis. As mudanças radicais que diariamente transformam as leis da sociedade, felizmente também afetam a arte. Assim, acreditamos que os critérios que adotamos para organizar, selecionar, montar a I Mostra, não sejam os mesmos de amanhã. Acreditar nessa dinâmica é das poucas verdades plausíveis do momento. Negá-la, absurdo a que não nos propomos. 

A TRIBUNA 13 de Outubro de 1.974.

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