Os caminhões são bem os donos das ruas de nossa Capital. Barulhentos, acordam a cidade com o ruído dos motores e os guinchos de suas engrenagens. Resolutos, suplantam os carros menores fechando-os nas curvas, cortando-os nas retas,soberbos, na fortaleza do chassis e com a intrepidez de seus choferes. Impávidos, andam calmamente pelas ruas estreitas ou estorvam o transito mais organizado.
E ai! si o descuidado sinesíforo daquele humilde “Fiat” parou seu carro na frente de um deles: pode estar certo que ouvirá uma interminável hierarquia de desaforos, atirados à sua descendência, em altos brados, pelo motorista esbravejante do caminhão...
Contudo, os dísticos dos seus pára-choques (a Diretoria de Transito, em portaria inoportuna, acaba de proibi-los, como si pudessem ser freados os sentimentos dos cidadãos) nos oferece um aspecto psicológico, pois fala neles a alma dos choferes, que não nos furtamos de exaltar. Existem mesmo alguns bastante valiosos. Uns, por exemplo, são orgulhosos, objetivos, imponentes: “Sai da frente” – “Leão das estradas” –“Tigre das areias” – “Come rampas” – “Ou vai ou racha” – “Nem te ligo”, etc. Outros são mais lânguidos, dolentes ou feminis. Decerto foram feitos por sentimentais choferes, platonicamente saudosos de suas namoradas... São exemplos: “Eu e você...” –“Bom dia, morena” – “Adeus ingrata” – “Saudades da lourinha”- “Mostra as pernas, mulata”, etc.
Sobretudo, há um dístico que bem pode ser considerado como encarnação dessas duas espécies – do orgulho e do feminil – e cuja feitura felicíssima por certo lhe dá o mérito de ser o “!primus inter pares” desses lemas de caminhões. É ele, esse notável “Cuidado com meu beijo...”
Certos dísticos em sua rude simplicidade, clamam por um protetor: “Deus nos guie” – “Vou com Deus”, ou são esperançosos de outras graças: “Vou com minha boa estrela”. Á respeito, conta-se o fato de um desastre entre dois caminhões no qual o chofer de um deles, ficando estraçalhado, perdeu a vida. Curiosas, as testemunhas deste trágico choque cuidaram de saber quais os dísticos dos caminhões sinistrados. O estarrecimento que tiveram ao lerem no para choque do caminhão cujo motorista morreu, um crente “Vou com Deus”, segui-se ao horror de verem, no ileso, um mordacíssimo “Já vai tarde”...
Certos dísticos refletem bem a chamada filosofia popular. São pequenos ditos chistosos, alegres frases ou simples epítetos, usados na sua maioria pela gente pacata dos bairros. Temos os exemplos: “É por que é” – “Não faz hora comigo” – “Já vou tarde” – “Vai por mim que vai bem” – “O Biriba esteve aqui”, etc... Existem mesmo alguns cheios de exaltação, prenhes de patriotismo: “Isto é São Paulo” – “Viva o Brasil”.
Ainda bem que não apareceram dísticos relacionados com política. Porque si os seus dizeres apresentassem as ironias, advertências ou reprovações que merecem os nossos governantes e políticos (“Demagogo dos pampas” – “Que dê as promessas” – “Marmita... de ouro”, etc.), sua crua realidade, no entanto, mais refletiria essa triste situação de nosso país que a todos nós é dolorosa.
A IMPRENSA – Junho-julho de 1949
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