Poucos são os tipos populares de São Paulo.
Ao contrário das cidades pacatas do interior, onde, no bucolismo provinciano. Logo se ressaltam as figuras esquisitas e exóticas, esta capital não apresenta sequer um número regular de pessoas excêntricas.
A explicação para esse fato talvez tenha um caráter de “civilização”: tamanho é o espraiamento da cidade, tão grande é o seu bulício, tão absorvente é o seu ritmo de vida que, dentro dessa turbulência quase mecânica, os cidadãos são meros autômatos ambulantes, muito iguais, muito uniformes, muito semelhantes e, sobretudo, muito “cocacolizados”, nas próprias suas características de pessoas humanas.
Mesmo assim se conhece, pelas adjacências do Triângulo, três ou quatro tipos bastante populares. Um deles, o mulato arrogante e hipernóstico, invariavelmente está na rua São Bento, onde faz propaganda de bugigangas várias: bonecos (“chumbeados) que “dansam”, fitas métricas de “cem centímetros”, o ”descascatório” para batatas, e mais umas bolas de ar “prô seu Joãozinho”...
Não sei como vive esse homem. Louco, ou quase, quando algum freguês menos avisado se aproxima para comprar um dos produtos, ele esbraveja: “Vai’mbora, vai’mbora!”... Depois, espaventoso, continua sua diletante ocupação, sob os olhares de comiseração da turba açodada. (A fileira dois garotos engraxates “vai graxa, mestre?” é que se diverte com o cotruco, e, especialmente, com a verecundia rubra-escarlate do freguês agastadíssimo.)
Popularíssimo, também, é o “vovô” do Viaduto do Chá. Quem, nunca escutou o refrão monótono, candente e simpático “A nova Constituição”, “A lei do Inquilinato”...? Com sol ou chuva, eleição ou tempestade, lá está ele no Viaduto, apregoando sempre a nossa (quase velha) “Nova Constituição” e a sua (nem sempre respeitada) “Lei do Inquilinato”...
Pobre e velho, absolutamente não aceita esmolas. Certa vez quebrou um braço. Mesmo assim compareceu ao “ponto” com sua pinha de porta-estandartizada de livros e folhetos. Só desta vez, quem assevera é o Chico Hellmeister, pediu ajuda. Então, num gesto amplo, suspendendo o braço incólume bem para o alto, e o apontando, depois, para o engessado, suplicava com sua voz entre “Largo” e “Disparato”: “Ajuda o vovô, ajuda o vovô”!
Muito o tem por um coitado. Talvez lhes advenha essa opinião por causa da figura e indumentária grotescas do “vovô”: o chapéu sempre murchoso e desabado, os cabelos alvos em desalinho, emoldurando o pescoço, o terno (eterno) ridiculamente grande, presente, talvez, de gordo e demagógico candidato à deputado. Eu, porém, sou de outra opinião. Admiro-o muito. Sempre reparo na nobreza espontânea de seu orgulho, quando pronuncia estas palavras”A nova ortografia; quem não quer ler venha falar comigo”. E contou-me o agitadiço Edson Coelho, da revista “Carroussel”, já o ter visto, por várias vezes, esbravejar contra alguns moleques e brincalhões ostensivos, nos seguintes termos: “Vá trabalhar, vagabundo. Que está fazendo no Viaduto uma hora dessas?!”
O digno “vovô” do Viaduto é mesmo um monumento maior que trinta e três prédios Matarazzo juntos.
A IMPRENSA – Maio de 1950
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