sábado, 29 de julho de 2017

CARLOS LACERDA NÃO MORREU; IMPLODIU

CARLOS LACERDA NÃO MORREU; IMPLODIU 







O jornalista Luiz Ernesto Kawall trabalhou 14 anos com Carlos Lacerda e colaborou com ele até sua morte 


Conheci Carlos Lacerda em 1943, ou 1944, não me lembro bem, num congresso de Escritores realizado na Biblioteca Municipal, em S. Paulo. Ele sentou-se à mesa principal, junto à Sergio Milliet, Jorge Amado, Mário de Andrade e outros cobras da nossa cultura, que lutavam contra a ditadura e exigiam a abertura – naquele tempo! – democrática para país que ganhava a guerra com os aliados. 

Lacerda inflamava e, anos após, derrubado Getúlio, lá estava fustigando em sua coluna do “Correio da Manhã”, a Tribuna da Imprensa. Estudante de jornalismo, na Casper Líbero, em 47, 48, 49, comprava o “Correio”, que líamos na Escola da “A Gazeta”, nós os lacerdistas da época. Em 1949 Lacerda faz o próprio jornal, a intrépida Tribuna da Imprensa, e nós o entrevistamos duas vezes, para “A Imprensa”, o jornalzinho da Casper, acompanhando sua trajetória, e, mesmo, o escolhemos para paraninfo, na turma de 1951. Feitos os contatos, passou a pedir notícias a 3 ou 4 colegas, para ganharmos experiência, dizia ele, e, quando Cláudio Abramo, que chefiava a redação do jornal em S. Paulo, viajou à Europa, ficamos encarregados de coordenar o serviço editorial aqui, e fundamos logo, com a cooperação de Samuel Ribeiro, a Sucursal paulista do jornal, no Prédio Glória, Praça Ramos de Azevedo, 209, onde passaram, nos 14 anos que lá estive, tantos jornalistas, como Walter Zanini,Regina Helena, Fernando Lemnos, Miguel Batlouni, Aracy Amaral, Joaquim Dias, Elu Azevedo, Luiz Edgar de Andrade, Luis Fernando Mercadante, Redento Natale e tantos outros. 

Lacerda vinha do Rio com freqüência e nos dava as missões mais difíceis, como entrevistar Jânio então vereador, ou pegar o ministro Souza Lima demissionário, ou levantar os bastidores da briga Ademar/Garcez, e ainda o “quem é quem” de Ademar Ferreira da Silva ou “Ciccillo” Matarazzo. Mas, parece, nos desincumbimos bem do trabalho e a “Tribuna” seguia vitoriosa, apoiada por industriais amigo e os “lacerdistas” das agências de propaganda, como David Monteiro, Saulo Guimarães, Nilo Gambini, Ítalo Éboli, Emil Farhat e tantos outros de saudosa memória. Um dos trabalhos mais difíceis que tive péla frente foi provar que Samuel Wainer era bessarabiano, tinha vindo num navio ainda bebê com seus pais imigrantes. Em 24 horas fui a todos os cartórios de S. Paulo e ainda hoje não sei se a pesquisa foi positiva. Parece que Wainer veio com outro nome, ou não, se é brasileiro, que me perdoe, hoje! Os tempos de Jânio x Lacerda foram empolgantes e duros, pois um desconfiava do outro, e, muitas vezes – até depois da morte de Lacerda – paguei o pato. Jânio disse que Lacerda foi o causador de sua renúncia e eu protestei contra a inverdade. Carlos tinha me dito, 15 dias antes de morrer: “Nunca mais quero falar com esse traidor”. E Jânio não gostou. Numa galeria de arte, me contestou e quis, mesmo, me agredir. Deixa pra lá. 

Lacerda em S. Paulo procurava os amigos e amenidades. Uma boa companhia – e Roberto Sodré foi sempre seu melhor anfitrião entre nós – um uísque amigo, as madrugadas a dentro para as conversas – literatura, arte, política, viagens, pessoas, fatos, confidências, tudo servia à sua mente privilegiada e sua memória incrível. Culto até envergonhar a gente, era educado e fino, de mandar rosas à família hospedeira e beijar a mão das senhoras. Mas, bravo, era o diabo. Sua genialidade desmontava, e uma vez, acuado por José Gregori na Faculdade de Direito (a quem a “Tribuna” acusara de comunista injustamente), levantou-se, fez pose, e... pediu, humildemente, perdão ao estudante. A Faculdade veio abaixo, em aplausos! A maior figura de seu tempo, em nosso país, neste século. Superior a Ruy, comparável a Kubistcheck, ousou, empreendeu, cultivou o espírito, viveu entre o tangível e o imaginável. Não morreu, implodiu, por amor à cultura, à sua terra, à sua gente, ao Brasil.

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