sábado, 15 de novembro de 2014

O MÍSTICO RAIMUNDO OLIVEIRA



O maior pintor religioso moderno do Brasil suicidou-se no Natal de 1966. Agora, 10 anos depois, uma boa exposição de suas obras na Portal. 

 Esta não é uma retrospectiva, que, esperamos, logo um Museu faça da obra de Raimundo Oliveira. É uma exposição, o quanto possível didática, sobre as várias fases da obra do artista baiana, tragicamente desaparecido há 10 anos. O sucesso de público e da crítica, que tem corrido de maneira crescente e eloqüente à nossa galeria, faz-nos supor que estávamos certos, ao promover esta homenagem a Raimundo Oliveira. 

Mario Gelleni é, com sua mulher Malvina Gelleni, proprietário da Galeria Portal, que expôs 35 obras, em diversas técnicas (óleos, lápis/cera, técnicas mistas, desenhos) das diferentes fases de Raimundo, em mostra que ainda repercute pela importância do artista. 

“Nós mostramos, em ordem cronológica, a evolução de Raimundo Oliveira. Profundamente angustiado, místico e sempre perturbado por visões e devoções, Raimundo reflete em seu trabalho a procura do âmago da natureza humana. Suplicantes, votivos, Cristo, a Ceia, anjos e santos, figuras místicas, impressionantes, são a tônica do seu trabalho. A Bíblia, como eterno manancial de inspiração, é para Raimundo, uma busca e encontro. 

Harry Laus, como Sara Campos e Benedito Peretto, foi amigo íntimo de Raimundo em São Paulo (Raimundo esteve em são Paulo em 1957, em 1958 e a partir de 1960 quase até sua morte, em janeiro de 1966, quando se suicidou num hotel de Salvador). O crítico carioca, que dirige um centro de artes em Florianópolis, veio da capital catarinense ver a mostra da Galeria Portal: 

“Acho Raimundo Oliveira um momento particular da pintura brasileira, porque não se pode encontrar nenhum outro equivalente, em termos de originalidade e temática. Veja vem, por exemplo: Portinari se liga a Picasso e aos muralistas mexicanos. Tarsila, a Leger e aos cubistas. Di, Picasso. E assim por diante... Raimundo, não. É extremamente pessoal. Pode, longinquamente, ter parentesco com a pintura egípcia. Por um detalhe apenas, o perfil de suas figuras. Até em seu expressionismo - e Raimundo foi um expressionista num certo sentido, e não, um primitivo ou primitivista, confusão que se faz até hoje - a sua cor não é expressionista no sentido alemão. A liberdade da cor em Raimundo é tão grande, que foge a esta classificação. Acima de tudo, Raimundo é um pintor. E um pintor brasileiro. A pintura brasileira tem, até a morte dele, dois grandes momentos: Volpi e Raimundo Oliveira”. 

Laus, que escreveu um livro sobre o pintor confirma que Raimundo julgava-se feio, Esse fato é confirmado pela amiga Sarah de Campos, que o conheceu em 1960 quando trabalhava na Galeria Astreia. “Raimundo julgava-se feio, chorava e bebia, era um relaxado em pessoa. Vestia-se com terno e gravata, sempre, nunca usou um maiô. Dava buque de flores a eventuais paixões e tinha profunda amizade, pelo menos, à própria Sarah de Campos, ao próprio Harry Laus, a Benedito Paretto e à marchand carioca Giovana Bonino (que tratava da venda de seus quadros. Excelente cozinheiro e quituteiro, Raimundo gostava de pintar ouvindo música, especialmente de Carmen Miranda. 

Laus acha que Raimundo teria pintado umas 400 obras, uma produção grande, mas não imensa, pois o artista morreu aos 36 anos. “Era Raimundo de formação profundamente religiosa, que, inclusive, causava conflitos entre a sua vida pessoal e o rigorismo de seus preceitos religiosos, excedido pelas liberdades de suas idéias, que o levaram ao suicídio trágico... Posso afirmar, contudo, que Raimundo se afirmou e se encontrou, em termos de arte, nos seus últimos 5 anos de vida. Antes, procurava e se debatia à procura da sua própria definição pessoal. Sua pintura não morre, fica patética e dramaticamente incorporada à arte brasileira. 

Charoux, Guersoni e vários outros artistas examinam na exposição as telas de Raimundo, que conheceram bem. Em 1958, Raimundo expôs na Galeria de Arte das Folhas, 10 desenhos a nanquim e guache, ao lado de Odriozola, Iolanda Mohalyi, José Antonio da Silva, Lisa Ficker e Moussia. 

Charoux depõe: 
“Conheci bastante Raimundo Oliveira. Era um sofredor. Era um jovem de alegrias e tristezas ininterruptas. A pintura dele, sempre, muito original e característica, nunca primitiva, embora muitas vezes ingênua e lírica. E, num certo sentido, dramática, humana, religiosa e conflitante. 

“Fiz com ele e outros exposição coletiva em Araraquara, creio que promovida pelo MAC-USP e fomo de ônibus até lá. Em Araraquara, se bem me lembro, a uma observação de Tomoshigue Kusuno, teve um desespero maior, chorou, desintegrou-se por completo. Isso prova a água sensibilidade, a profunda densidade de espírito de Raimundo, efetivamente ligado a fatos e pessoas. Era um bom amigo, uma boa pessoa, um bom pintor, eis tudo.” 

Nós, que conhecemos Raimundo desde sua primeira aparição em S. Paulo, em 1957 - fizemos um texto sobre os artistas baianos que expunham no MAN para a “Tribuna da Imprensa”. Raimundo gostou, procurou-nos para levar um quadro de presente, que não aceitamos, fato que não afetou nossa amizade com o místico baiano, vida em fora - lamentamos que, na Portal não estivesse o amigo fraterno e confidente inseparável de Raimundo em suas andanças pela Paulicéia, Benedito Lacorte Paretto. O colecionador, amigo certo e incentivador de Raimundo, com quem fizemos, ajudados pela sua filha Tutu e o genro Draja, em 1971, uma exposição de obras do pintor baiano, com renda total revertida para o Museu de Arte de Socorro, terra natal de Paretto, e onde ele padece, há já alguns anos, cruel derrame. Ao se abrir a mostra, em nossa residência, falaram sobre Raimundo, recordando aspectos de sua vida e obra, sua professora baiana Mariacélia Calmon e Genaro de Carvalho. Este terminou suas palavras aos prantos. Todas as obras (cerca de 30) foram vendidas à Collectio, que iniciava suas atividades em S. Paulo - José Paulo Domingues, pouco conhecido até então, compareceu pouco antes da exposição se abrir e rematou as obras por Cr$ 32 mil. A renda reverteu para o Museu de Socorro, iniciado por Paretto. O Paretto que, depondo para Flávio Aquino, da Manchete, disse de Raimundo Oliveira: 

“O drama de Raimundo começou com a fama e a procura de seus trabalhos. Com a fama seus trabalhos eram disputados. Ele passou a atormentar-se, julgando perder a religiosidade que fazia questão de imprimir à sua obra. Certo dia, sem nada contar aos amigos, toma um ônibus e vai para Salvador, onde se mata. 

Seu amigo Jorge Amado então escreveu: “São Francisco de Assis anda por aí, veio conhecer a região de Feira de Santana, chegou no ônibus da madrugada e está na feira do gado conversando com um boi velho que é quase puro osso e pele, após ter consolado uns jumentos sequiosos... Pois era Raimundo Oliveira, filho da terra, desde menino um vago, sem jeito para o trabalho, a não ser para riscar papel, e isso é trabalho que se considere. Tinha ido embora fazia tempo, dele não havia notícia. Aparecia agora de repente e em torno de sua grande cabeça pairava uma atmosfera mágica, como se o cercasse a luz da madrugada... Era um homem e um anjo em conflito, o cativeiro e a liberdade, o numeroso e o solitário, eras, Raimundo, a santidade e o pecado., tuas correntes te pesavam demais e a arrancaste no quarto de hotel, retiraste da mala de viagem tuas asas de anjo e foste sentar na mão de Deus, de teu Deus particular e exclusivo”. FOLHA DE SÃO PAULO 10 de outubro de 1976

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