sexta-feira, 26 de junho de 2015

CARLOS BRACHER, INTIMISTA E CUBISTA


Todo meu processo de evolução é calmo, talvez lento... Sou um paisagista, sempre fui... As montanhas mineiras – minha terra – são uma imposição da realidade e uma paixão muito pessoal... As montanhas têm aquelas curvas, aquele ritmo que me fascina, elas se impõe por si mesmas... E a Igreja, em Ouro Preto – onde resido – também tem sua majestade... É um elemento cultural, e, na minha pintura, eu a fixo perfeitamente integrada à realidade das montanhas... Minha arte é feita numa linguagem de hoje, mas temo sempre ser-/dar a “última palavra”. 

Alto, magro, olhar manso sob os óculos graves, Carlos Bracher é um mineiro em surdina – como o qualificou Olívio Tavares de Araújo. Nasceu em Juiz de Fora, participou de salões, realizou individuais e em 1970 obteve o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional de Belas Artes, vivendo 2 anos na Europa, sediado em Paris. De volta ao Brasil, fixou-se em Ouro Preto, alugou um casarão colonial e ali vive e trabalha ao lado da mulher Fani e da filhinha do casal, Blima (dois anos). Tem produção regular, que vende em Outro preto, aos turistas, ou na Galeria Portal, de São Paulo, e Binino, do Rio de Janeiro. Quando não pinta, percorre as ruas da cidade barroca, ampliando suas andanças pelas cidades históricas da vizinhança – Mariana, Cachoeira do Campo, Santa Rita Durão, São Bartolomeu e outras. 

Sobre o prêmio “viagem à Europa”, Bracher nos disse que, naquela época tinha 27 anos e já pintava desde os 17: 

 – Minha pintura, naquela época, era bem perturbada, até violenta... Eu expressava abertamente o que sentia... Van Gogh era meu mestre... Na Europa aprendi a disciplinar e a ser rigoroso com meu próprio trabalho... E acho que, desde então, consegui equilibrar minha sensibilidade com a técnica cubista. 

– O barroco influencia sua obra? 
Objetivamente, não existe essa participação... Ele só vale como um elemento isolado, incorporado a um todo... Basicamente, tenho uma forte índole expressionista, como já disse, calcada na influência de Van Gogh... Isso é um dado permanente ao que ainda faço hoje, embora o que faça não seja perfeitamente caracterizado como expressionista... Desta tendência carrego, é claro, sua carga emocional, que marca qualquer ser... Mas me considero hoje em dia realmente um artista de forte tendência cubista, pela disciplina e rigor da minha pintura, quer nas caracterizações da forma, como nas qualificações da cor... Esse novo elemento, cubismo, fixa e situa minha arte atual, cuja mais forte característica anterior, o expressionismo, permanece aqui e ali. 

– Como vê a arte exposta em salões e galerias de São Paulo? 
Parece que a arte aqui está bem... Os valores consagrados estão em atividade e evidência e surgem novos valores, muito bons também... São Paulo passa por uma dinâmica crescente em seu mercado de arte, com levas de novos colecionadores se incorporando aos tradicionais... Tive troca de idéias muito úteis com artistas como a grande Wega, Ianelli, Cheroux, Tomie Otake, Bonadei, Nicola, Douchez, Walter Lewy, Graciano e outros.

Carlos Bracher está falando que o tom suave de suas pinturas ele aprendeu com estudos que fez na Europa, da pintura flamenga. Antes de pintar cada quadro, faz um desenho, pensa, vai realizando a obra aos poucos. A cor que vai usar, não sabe, seus quadros não retratam a cor real das montanhas, é um colorido aleatório, meio irreal, de tons suaves, lilases e verdes, marrons, vermelhos, roxos. Bracher comenta sobre outras artes que viu na Paulicéia – os múltiplos, os objetos, a arte cinética: 

Essas pesquisas são interessantes, válidas para quem as elabora... O meu trabalho é diferente, mais sofrido, mais intimista talvez, mas admiro e compreendo os artistas que fazem essa arte múltipla e cinética... Eu só faço o que é o meu real, o que verdadeiramente sinto... Algum dia poderei fazer essa arte, mas, não agora, quando estou descarregando as minhas formas de acúmulo, associando minha pintura anterior à atual, pesquisada na Europa num duro aprendizado... Talvez caia logo uma pintura mais onírica, quase fantástica... Um surrealismo fantástico acho, que será a minha tendência daqui para frente. 
A TRIBUNA – Santos 16 de Setembro de 1973. 

LONGE DE MINAS, EM OURO PRETO 

“A pintura como meio e como fim – em plenitude: eis a presença de Carlos Bracher. Sua pintura é um revolucionário objeto plástico, por se comprazer no gozo material com que captura, através da circunstância do tema, a eternidade da essência. E é através da tensão, da inteireza com que a tela é possuída por ritmados volumes de cor, da luz transfigurada em sombra febril, que participamos desta essência. Como se a nossa carne, a consciência que temos dela, se irmanasse naquele movimento equilibrado e poderoso. Estamos diante de um pintor”. WALMIR AYALA, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23/10/68. 

“... Carlos Bracher, longe de Minas, prossegue pesquisa e arte sem solução de continuidade. Juntou, com a mesma delicada e poderosa mão, Ouro Preto e Monsaraz para reafirmar um gosto pelo telúrico que não é dos menos marcantes sinais de sua personalidade. “Terra de Monsaraz”, tanto quanto um belo título é um punhado de quadros densos, ungidos pela exigente disciplina que caracteriza a já importante obra anterior do artista. É um conjunto homogêneo, quase diria programado – e programado com aquele espírito de adesão à tarefa, à missão, de que só são capazes os que sabem o que querem: os místicos, os iluminados, os artistas. Ou seja: um Carlos Bracher. Por obra e graça de seu trabalho, Portugal e o Brasil, as Minas Gerais e o Alentejo, Ouro Preto e Monsaraz se confraternizam e, parentes próximos por cima das circunstâncias imensas, dão-se as mãos, encontram-se pelo milagre da arte”. OTTO LARA RESENDE, Lisboa, junho de 1969. 

“ Inevitavelmente, num país tão grande como este nosso, num tampo tão acrescido pelo tumulto que lhe é inerte, os contatos quase se esgarçam e quem passa a viver fora dos roteiros obrigatórios litorâneos, das manchas urbanas, quase não se recorda mais... Anos se passaram sem reencontrarmos, Wega e eu, Carlos Bracher, que além de tudo andou em lua-de-mel, viagem de estudos, fontes originárias. Agora nesta tarde e noite de Guarujá, quando conversamos, o moço já não é mais a esperança que encontramos um dia na prestigiosa paisagem de Ouro Preto. A pintura de Carlos Bracher fez-se adulta: imprecisões tornaram-se solucionadas em sólidas escoras de paredes que ele articula, entrosa e inter-relaciona e insere, arquiteturas nas topografias, linhas determinadas na contenção dos ângulos, uma pintura seriamente trabalhada, densamente colorida, de que emerge uma poesia em “majestoso” intenso com seu peso referencial próprio para o que deve ser dosado com equilíbrio e em reflexiva orquestração melancólica de acordes muito distantes, surdamente aqui vindo repercutir, não, arquejar, que é do arquejamento que se trata e agora que os quadros se foram e Bracher deixou sua lembrança, esta espécie de esteira sonora ficou. Queria então, dizer, aos que tiverem paciência de ler esta trilha longa, que o pintor está numa solução muito dele, e que o barroco filtrado desapareceu em imaginações de linha e massa, fazendo uma expressão mineira reconhecível. E que merece nossa admiração, nossa estima, sincera boa-viagem por onde vá”. GERALDO FERRAZ, Ilha Verde, Guarujá, 1972.

Nenhum comentário:

Postar um comentário